terça-feira, novembro 29, 2005

Silêncio como ar puro

Fernando Namora, numa entrevista (quase milenar) para o Diário Popular, conduzida por Jacinto Baptista, quando questionado sobre o seu ambiente de trabalho, responde muito simplesmente: Preciso de isolamento, preciso de silêncio.( O ruído, para mim, é das piores poluições do mundo de hoje.) Há anos a esta parte, a ambiência que me é mais favorável é a aldeia. Os meus últimos livros, na sua montagem e redacção finais, foram escritos na aldeia.

Ora, tendo sido Fernando Namora um grande escritor, é natural que o leitor de uma resposta como aquela não fique surpreendido por ter tomado conhecimento do facto de o romancista precisar de silêncio para criar a sua «obra». Julgo, até, que não é necessário ser-se Fernando Namora para se chegar à conclusão de que o silêncio é essencial no acto de criatividade literária, qualquer que ele seja. Porém, nos tempos que correm, é cada vez mais difícil encontrar um pequeno espaço onde se encontre silêncio. Nas grandes cidades é impensável. Nas aldeias, nas tais aldeias de que falava Namora, julgo que as grandes ofertas de silêncio e de ar puro já tiveram melhores dias. Pelo menos se se partir do pressuposto de que as aldeias portuguesas actuais, descontando honrosas excepções, já não consistem somente na velhinha dos bigodes d'ouro nem no Chico da Loja. Não. Agora a maioria das aldeias, numa tentativa de acompanhar o progresso citadino, usa e abusa do barulho e do ruído. Com efeito, pelas aldeias abundam os carros artilhadinhos até aos pneus, abundam as festas anuais consagradas a qualquer santo padroeiro, abundam os foguetes, entre outras coisas não menos desprezíveis. Portanto, se a cidade não é ambiente de refúgio para ninguém, a aldeia também não parece ser a melhor solução. Nesse caso, o escritor que queira escrever descansadamente terá, quase obrigatoriamente, que optar por uma terceira via, que talvez passe pela imigração para o Tibete.

[Paulo Ferreira]