O espelho de Oss
O espelho de Oss dava sinais de perfeição. Oss era bem parecido. Oss, diziam as mulheres, era realmente lindo. Oss dizia o mesmo dessas mulheres. Oss era lindo. «No meu espelho vive a cara do amor», dizia. Oss tinha uma dessas belezas de quadro renascentista. Uma beleza ambígua de homem de retrato. Oss não se importava. No entanto, Oss era tão bem parecido que, um dia, o seu vizinho o sodomizou. «És bem parecido», ia dizendo o vizinho enquanto Oss se debatia. No auge do desespero, não conseguiu viver com o peso da dualidade. Comprou um revólver e acabou com a própria vida. Oss ainda é belo. Escusado será dizer que apenas disparou no espelho. Disparou na cara que o olhava do espelho. Oss era meio cobarde, mas há que lhe dar crédito: ao disparar contra a beldade no espelho, Oss mostrava que ainda era um homem, agora em luta contra todos os espelhos que lhe revelem de novo a sua vítima.
[João Silva]
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