O português típico
Quando me falam do «português típico», penso imediatamente num pacato cidadão que gosta de palitar os seus maviosos dentes, entupidos até às gengivas de saudável bacalhau da Noruega. Penso também em (muito) vinho tinto e no 25 de Abril. Ora, esta pode não ser a imagem mais ideal do português típico. Admito, até, que não exista aquilo a que se possa apelidar de «típico». Com efeito, não acredito que a população portuguesa, na sua generalidade, tenha comportamentos excessivamente padronizados, que se possam incluir naquilo a que, muito alegremente, chamo de português típico. Numa visão um tanto ou quanto inócua, diria que os comportamentos mais padronizados das gentes portuguesas não se encontram em território nacional. Não, encontram-se espalhados por essas saudosas comunidades de estrangeirados da França, da Alemanha , dos Estados Unidos, do Canadá, etc. Quem não conhece a descendente de famílias transmontanas, que se costuma passear no Verão pelas praias portuguesas com as suas pérolas linguísticas do género «Oui Gabi, agora é que dissestes tudo: nem tanto ao mar nem tanto à terra.» Quem não conhece o senhor Navalhadas, antigo ganhador de pão nos Estados Unidos, que passa a vida a chorar pelo pendurar das botas de Eusébio? Enfim, se existe um português típico, esse português não se encontra em Portugal. E, se, por acaso, se encontrar, é porque já passou as passas do Algarve no estrangeiro em décadas anteriores ao presente.
O português típico é muito difícil de avaliar. E, com as modernidades que se têm visto aparecer nos últimos tempos, torna-se cada vez mais complicado descobrir o verdadeiro lusitano. Assim, será português típico o jovem que se deslumbra pelo carro artilhado até aos pneus? Será típico o ex-combatente pós-salazarista que, de tempos a tempos, se lembra que é motorista de autocarros e já não carrasco? Será português típico o senhor que fica doente quando o Benfica não ganha um jogo? Será típico o homem que bate na mulher para que ela não tenha ideias (a isto, chama-se «bater na antecipação»)? Será típica a deslumbrante mulher que, misteriosa, passeia os seus cabelos encaracolados a la Marco Paulo? Ou seja, devido à grande variedade de «particularismos» existentes em torno das pessoas que habitam o solo português, chego à conclusão de que, em vez de existir um típico português, existem vários, cada um diferente do outro, mas sempre com a grande bandeira portuguesa estampada na testa.
[Paulo Ferreira]
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