A Cavalaria Rusticana
Durão Barroso chegou a ser «aqui da casa». Pela convicção reformadora, pela determinação liberal (determinação que se tornou, depois, num novelo de «emoções» e ideologias oblíquas) e pela forma como erguia o punho na Assembleia. Gostava do senhor. Mas algo sobressaíu nele, depois de 2002, que não estava patente no «Durão da oposição»: um PC (politicamente correcto) que, por vezes, movia partido e Governo. O PC em relação à comunicação social (em entrevistas) mas, sobretudo, o PC em relação à «Europa». Durão Barroso está agora na Comissão Europeia e tem, nas mãos, a tarefa de formar uma Comissão Europeia forte. O PC continua lá. Uma certa fraqueza perante as «vozes indignadas» num mundo que se indigna por muito pouco.
A matriz jacobina da Europa que se quer formar e consolidar cada vez mais e em maior espaço foi reafirmada esta semana. A Europa do «multiculturalismo» e da multiplicidade de crenças cai por terra quando se fala de tradição. O único pecado (sem ironia) de Rocco Buttiglione é, precisamente, ter exposto as suas crenças individuais perante um grupo de deputados. O italiano é cristão convicto. Como tal, disse que a homossexualidade, como habitualmente expresso pela Igreja Católica, é um pecado (sic). Buttiglione disse que tinha uma visão pessoal quanto à questão da sexualidade. Visão pessoal com algumas convicções, mas visão política completamente isenta, o que é algo imperceptível aos senhores e rapaziada deste Parlamento, que, por momentos, se assemelhou à Convenção (Convenção Francesa de 1793, note-se). Acreditar na igualdade de todos os homens perante Deus (Deus, ao que parece, morreu à porta do Parlamento Europeu) e perante a Lei tornou-se secundário em relação à necessidade de todos os homens serem efectivamente iguais por amor à «Europa». Ou seja, matar o individual em favor do colectivo. A diferença entre convicção pessoal e convicção política não existe nos corredores da «Europa», já que há a necessidade de moldar o que é «ser um europeu decente». Moldar um homo europeus.
O que Durão Barroso fez foi aceder às tais «vozes indignadas». Em vez de submeter a escolha que acha correcta (e que deveria ser correcta, visto que essa seria a sua primeira função: formar uma Comissão forte) a uma votação, Durão recuou perante a «maioria invisível», a maioria dos apupos e do punho no ar. O novo Presidente da Comissão Europeia explicou: concluí que, se for hoje realizada a votação, o resultado não será positivo nem para as instituições nem para o projecto europeu. Nestas circunstâncias, decidi não apresentar uma nova comissão à vossa aprovação hoje.
Esta é a ideia de funcionamento entre países e, sobretudo, entre instituições europeias, que reina naquelas hostes: todos trabalhando para o «progresso do Homem», à maneira francesa. No seguimento da demonização de Gomes da Silva (não poderia ter mais razão quem o fez) e de todo o mecanismo em redor do «caso Marcelo Rebelo de Sousa», a situação inverte-se quanto às «opiniões» de Rocco, mas, desta vez, pegando em coisas que não interessam para nada. Lá está. Todos os homens são iguais, mas uns são mais iguais que outros.
[João Silva]
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