A corrosão humana
«Rousseau – O verdadeiro último moicano da esquerda. Mais do que Hegel e Marx. Ele institui-a no seu último reduto: o optimismo antropológico, «o homem bom». Como os homens não são bons, Sade descreveu-os melhor.»
- José Pacheco Pereira, O Nome e a Coisa
Para lá do interesse pornográfico que as obras de Marquês de Sade possam, hipoteticamente, suscitar, vale a pena ler algumas coisas do autor. Vale a pena, se a atitude do leitor não for meramente brejeira.
Apesar de tudo o que se possa pensar sobre livros, tais como A Filosofia na Alcova, poucos foram os autores que descreveram melhor o Homem que Sade. Sade, nos seus livros, diz-nos abertamente que o Homem é mau, que consegue ser autor dos mais hediondos crimes só para satisfazer os seus caprichos. Em toda a obra do autor, o pessimismo antropológico é latente.
Há um outro aspecto na obra de Sade que é menos evidente e que quase ninguém evidencia: Sade conseguiu, mesmo que metaforicamente, reconstruir todo aquele processo bárbaro que se abateu sobre os operários durante a Revolução Industrial. De facto, na minha opinião, toda aquela mecanização sexual, na qual os corpos interligam-se barbaramente, é uma reconstrução quase perfeita do ambiente operário. Basta imaginarmos que, em vez de sexos fétidos e devassos, encontraríamos, na obra de Sade, operários em fila, a transpirar de cansaço, a colocar peças, por exemplo, de um carro em cima de uma plataforma ; basta imaginarmos que, em vez de criados obrigados, por ordens do patrão devasso, a propagar raivosamente sífilis pelas beatas de aldeia, veríamos corpos apodrecidos numa fábrica a submeterem-se a ordens de capatazes. Exemplos não faltam.
[Paulo Ferreira]
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