segunda-feira, fevereiro 14, 2005

Jerónimo

Simpatizo com Jerónimo de Sousa. A palavra é essa: simpatia. É verdade. Um convicto «anti-comunista» (nada pessoal, sublinhe-se), no calor da «luta política» (que me tem passado bastante ao lado), rendido ao secretário-geral do PCP. Os argumentos mais que enraizados, viscerais, inabaláveis, parecem agora tão frágeis quando um «simplório» como Jerónimo ergue a voz contra as «políticas de direita». Adianto, no entanto, que não acompanhei a sua subida na pirâmide comunista. Na verdade, tinha até bastante repúdio, e justificado preconceito por base, quando o sindicalismo deambulava pelas ruas de Lisboa - apenas um faustoso culpado ganhava forma na minha cabeça: o «vermelho» Jerónimo.

Agora, apanhou-me. Enganou-me. Aliás, enganou-nos a todos, turba ignorante votada ao declarado ódio a Carvalhas e seus sequazes. «PCP, nunca!», dizíamos nós com a laranja, a rosa, o código civil ou o comando de televisão na mão. «PCP, nunca mais», para outros mais contemporâneos do PREC. Zita Seabra, provavelmente, estará hoje arrependida. Tarde demais, estamos todos na direita, física ou idilicamente. Estamos todos de um lado e Jerónimo de Sousa está do outro, irreversivelmente. Mas, quando guarda as folhas do discurso, o Homem do PCP volta a ser Jerónimo, volta a ser o Jerónimo. Diria a vizinha mais caseira que «volta a ser ele mesmo», com a bandeira na gaveta.

Mas, debaixo dos nossos capotes políticos encharcados, os nossos olhos estão, hoje, menos toldados. Menos iludidos. Os partidos mais pequenos ganham, aos nossos olhos, um valor exagerado: para uns, o rapazote burguês do Bloco; para outros, Portas, astuto e manhoso advogado da política; para outros, o ridículo fadista pseudo-monárquico; para mim, Jerónimo. O meu voto não há-de «saltar» para a sua mão. Os Prémios de Carreira não fazem sentido numa área que se quer politicamente incorrecta (tarefa essa que parece agora querer ser atingida à força pela nova vaga de intelectuais ociosos, e eu, inevitavelmente, sou um deles). Votar nele seria algo irracional, e «com o fogo não se brinca». Mas Jerónimo está «fora da política».

Gosto do senhor. Gosto da sua aproximação aos adversários. Gosto da sua pose. É impossível odiá-lo por ser comunista. É difícil fechar os ouvidos quando fala, mesmo que se declare profundo admirador do sistema de segurança social norte-coreano. O único sentimento que nos invade é uma grande pena por Jerónimo não morar na nossa freguesia. Pena de não poder, no fim dos seus discursos, dizer-lhe «Esquece isso por agora!» e partir com ele para a tasca mais próxima.

[João Silva]