sexta-feira, julho 22, 2005

Cartilagens

F., homem apaixonado, gostava de dizer palavras bonitas. Por isso, no seu bairro era conhecido por «poeta». F., sendo um rapaz apaixonado e com queda para as palavras, tentava seduzir todo o tipo de mulheres que encontrava à sua frente. «Poeta, esticas muito a corda e a pinga da torneira acaba-se!», exclamou uma vez um marido desconfiado. Mas F. era apaixonado e nada nem ninguém poderia impedi-lo de apaixonar-se por todas as mulheres que via. F. era o amor e , como se sabe, contra o amor não há virilidade que resista. É por isso que todos aqueles machos bairristas eram, normalmente, traídos pelas suas mulheres e por F., que não tinha compromisso algum com aqueles maridos mas que deitava-se muitas vezes por dia em muitas camas de família. Com o tempo, os maridos de todas aquelas esbeltas mulheres começaram a habituar-se à traição. Porém, F., sempre no seu estilo romântico, apaixonou-se definitivamente por uma só mulher. Por conseguinte, F. abandonou todas as outras mulheres que haviam sido conquistadas pela força da palavra. C. era o nome dessa mulher privilegiada. Mas C. era casada, tal como todas as outras mulheres, com a diferença de o marido de C. ser muito ciumento. Com efeito, quando o marido de C. imaginava a mínima hipótese de ser traído, falava logo em tiros, morte, sangue. Ou seja, o marido de C. não era para brincadeiras.
Ora, numa tarde crepuscular, ao chegar a casa, o marido de C. vê o amor, ou, neste caso, F. na cama com a sua mulher. E foi nessa tarde que morreu o amor. Com um tiro na boca.

[Paulo Ferreira]