O «Luvas de Ferro»
Nelson Rodrigues escrevera, outrora, sobre um guarda-redes brasileiro, Jaguaré, que prometeu «defender um penálti» e, de seguida, «rodar a bola em cima do dedo» em tom de desafio. O problema foi que Jaguaré não conseguiu defender o dito penálti, por mais que uma vez, pois, segundo disse, deu-lhe «uma fraqueza nas pernas». No entanto, as desventuras de Jaguaré à beira do Campeonato Mundial de 1930 não são nada comparadas com outras figuras deste lado do Atlântico, em Portugal.
Também o Vitória de Setúbal teve os seus porteiros emblemáticos. Um dos mais conhecidos talvez seja o, já falecido, «nosso» Baptista. Um senhor que o meu avô teve o prazer de conhecer desde a juventude e que, através dessa mesma amizade duradoira, também eu vim a conhecer. Diziam os homens de outros tempos que Baptista não tirava os pés do chão para defender, dado o seu estilo de «guarda-redes gigante». Esqueçam as bolas que sobrevoam a cabeça de Vítor Baía. Baptista, guarda-redes do Vitória da (posso estar em erro) década de 40, cobria verticalmente a baliza no sítio certo, estando geralmente imune às gracinhas dos atacantes adversários que, talvez pela altura da queda do Muro de Berlim, aprenderam a fazer os infames «chapéus» aos guarda-redes - os truques «baixos» da democracia.
Mas, para além de saber sempre onde se encontrava a baliza, Baptista, dizem, tinha uma outra característica que o viria a imortalizar (e a remeter, infelizmente, ao esquecimento) ainda antes da sua morte. Uma característica que fazia dele um símbolo maior que qualquer Jaguaré: Baptista conseguia segurar e defender os remates dos adversários com uma só mão, à primeira, e fazia-o habitualmente. Dizia o meu avô que, caso a bola já viesse a descer, fosse com força, fosse sem força, Baptista a agarrava só com uma mão. Resta-nos apenas imaginar que a agarrava quase sem olhar, enviando-a de seguida para os avançados.
Mas não, história é história, e o «Luvas de Ferro», assim foi chamado Baptista, foi um dos melhores guarda-redes da história do Vitória. Ou não fosse o meu avô a garanti-lo.
[João Silva]
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