Uma questão de inexistência
Todos os países têm os seus heróis e Portugal, sendo ainda um país, não constitui excepção à regra. O pior é que os heróis no nosso país não são heróis no verdadeiro sentido do termo. Isto é, não existem em Portugal muitas pessoas que tenham sido protagonistas de feitos de grande coragem política ou guerreira. Dir-se-ia que o povo português é um povo muito pouco exigente em relação às pessoas que idolatra.
O trabalho que a revista Sábado publicou esta semana sobre Jorge Coelho constitui um sério exemplo de idolatria excessiva do nosso povo em relação a personalidades que não têm alguns dos principais atributos, normalmente, exigidos a um herói. Com efeito, o tom elegíaco que os jornalistas da dita revista usaram para qualificar Jorge Coelho não é justificado, pelo menos se se tiver em conta a profissão do senhor em causa. Jorge Coelho está no mundo da política há muitos decénios, aliás, há decénios suficientes para que pudesse ter ultrapassado o simples estatuto da mediocridade. Não obstante o facto de Jorge Coelho ser actualmente dos políticos com mais influência partidária no nosso país, não se pode afirmar que o senhor seja um político influente no que diz respeito ao que ultrapassa a vida partidária. Ninguém no seu juízo perfeito poderá afirmar que o «braço direito» de José Sócrates tenha conseguido, com os seus feitos, modificar um pouco da trajectória trágica deste país. É um facto que Jorge Coelho conseguiu recuperar de uma doença gravíssima que, em muitos casos, se pode tornar funesta. No entanto, a superação de uma doença não pode encobrir todos os fracassos que uma pessoa enfrenta ao longo da sua vida. E os fracassos que Jorge Coelho enfrentou ao longo dos anos, sem os conseguir superar, foram muitos. Claro que é de louvar a existência de pessoas que conseguem ultrapassar certos problemas pessoais que, muitas vezes, dão felicidade e esperança a outras.
Poder-se-ia argumentar que o caso de Jorge Coelho é um caso singular, sem grandes precedentes na história recente do nosso país. Porém, e dado que o tom elegíaco é um tom que muito agrada à nossa imprensa, a mitificação de certas personalidades políticas, digamos, temporalmente esgotáveis, parece ser uma prática corrente da sociedade portuguesa. Não é saudável divinizar-se heróis fementidos, nem sequer é saudável fazer-se biografias de uma vida num tom quase etéreo, para, no futuro, perceber-se que os heróis mitificados nada fizeram de muito bom ou de excelente em função de um povo.
[Paulo Ferreira]
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