Sobre a especificidade do amor
A restrita lógica do amor é incomparável. Na verdade, chamar-lhe «lógica» é uma traição ao próprio valor semântico da disciplina que tão rigorosamente tenta encontrar razões válidas para acontecimentos e métodos. A «causa das coisas», digamos. O amor, no entanto, não tem essa «lógica». Não tem «causas». Tem tempo e espaço, infinitamente abrangentes, mas nunca uma «razão de ser». Basta-lhe um objecto de amor, de desejo, de obsessão. Uma ideia fixa consciente.
Nem a religião se lhe compara, pois o «amor», essa palavra de um inflamado valor renascentista, é algo de muito mais incontrolável, enquanto a entrega a uma teodiceia beneficia de um sacrifício consciente e generoso a algo de improvável. Na obsessão de um homem por uma mulher (ou vice-versa, ou outros) não há fé, não há generosidade. Pelo contrário, há uma imensa noção de auto-flagelação masoquista a caminho da ruína. Como diz George Steiner, no seu Errata, «o amor pode ser o elo involuntário, culminando na autodestruição, entre indivíduos nitidamente inadequados um para o outro» - um diagnóstico cheio de um optimismo trágico que delicia quem está em consonância.
Aliás, para melhor completar o leque de provas da nossa genial, natural e humana irracionalidade, volto a um mestre. Diz, então, Steiner: «Esperei uma noite inteira debaixo de chuva torrencial para ter um vislumbre da amada a dobrar a esquina. Se calhar nem sequer era ela. Deus tenha piedade daqueles que nunca conheceram a alucinação de luz que preenche as trevas durante uma dessas vigílias».
[João Silva]
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