quinta-feira, dezembro 01, 2005

Fernando Namora


Fernando Namora


Segundo um vetusto senhor meu conhecido, Fernando Namora tinha, acima de tudo, um grande coração. Para além de ser um grande humanista, no sentido mais abstracto da palavra, Fernando Namora tinha, então, uma bondade inesgotável para com o próximo. Ora, não sendo a bondade de Fernando Namora algo relevante para a compreensão da sua obra, é, sobretudo, um bom começo para aquilo a que apelido de «a desmistificação da assombração». Com efeito, quando se pensa num escritor de esquerda, pensa-se, sob o ponto de vista politicamente incorrecto do jovem direitista com traços conservadores, no demónio, na maldição de esquerda que a todo o momento poderá fabricar meticulosamente uma chacina ou uma hecatombe sanguinária. Porém, e observando artistas como Namora, chega-se à conclusão de que observar um escritor sob o ponto de vista político é, simplificando as coisas, pura patetice. Fernando Namora foi um grande escritor. Para quem se tenha esquecido disso, Fernando Namora continua a ser um grande escritor. Os seus livros ainda se encontram, felizmente, disponíveis nas livrarias certas. A sua prosa e poesia ainda se encontram no mercado.

É certo que olhando para escritores como Alves Redol, a situação muda um pouco. O mesmo se passa com o Álvaro Cunhal ficcionista que, para mim, pouco tem de ficcionista. Ou seja, existem escritores nos quais se pode encontrar um traço político inapagável. No entanto, o caso de Fernando Namora é diferente. Em Namora, não há política, há angústia, há depressão urbana, há ironia pessimista, há utopia benemérita. Enfim, há um contraste latente entre aquilo a que se chama de mundo imaginado e realidade vivida. Mas, politicamente falando, não se encontra em Fernando Namora o voto escondido.

[Paulo Ferreira]