O bom esquerdista
Estamos na época balnear portuguesa. O que, em linguagem política e/ou jornalística, equivale à chamada «silly season». Cassetes áudio parecem ser os personagens principais dos folhetins diários que vão sendo presenteados pelo excelso Correio da Manhã aos encantadores jornais ditos mais sérios: do jornal Expresso (atenção, que o Expresso tem pretensão de ser «sério») ao jornal Público. Portanto, ficamos à mercê das notícias que acendem sentimentos mais básicos dentro de nós. Ficam-nos os escândalos nacionais, as histórias pessoais de políticos e os Estados Unidos da América (os EUA são sempre notícia, manchete garantida). Os EUA e, claro, George W. Bush e demais «inimigos». A campanha de John Kerry (na verdade, o mais correcto seria dizer «contra Bush», mas os patrocínios confundem) chegou a todos os lados. E, como tal, Portugal não seria excepção.
Assim, vemos os velhos amigos e velhos fantasmas desfilar na televisão e nos jornais numa marcha contra o obscuro Presidente dos Estados Unidos. Michael Moore, Dick Clarke, Pearl Jam, Dave Matthews, Bill Clinton, até «The Boss», juntam as vozes à América que parece clamar por um regresso à democracia. Em Portugal, também em tom de tragédia dostoievskiana, senhoras (agora) bem comportados expiam o seu passado odiando o «homem do topo»: Durão Barroso, Santana Lopes e, como manda a regra de todo o bom esquerdista, o Presidente dos Estados Unidos. A semente do ódio parece sempre enorme no sr. Sousa Tavares, sr. Louçã, sr. Boaventura (se é que sabe onde ficam os EUA) e outros habituais. E tudo lhes parece mais doce sendo esse homem odiado, actualmente, George W. Bush.
Quando a matéria de conversa falta, é sinal de bom-senso, para quem quer revelar uma preocupação dita «esquerdista», odiar «líderes» americanos, de realizadores importantes (Oliver Stone angelicalmente excluído) a jornalistas dificeís de se vergar perante a monstruosa campanha de Kerry. Digo «preocupação dita esquerdista» como sendo o conveniente amor pelo outro, pela relva, pela liberdade da juventude, pelo «poder jovem» e pela eterna «vida boa» aristotélica (já adulterada há 100 anos atrás), fora de preconceito obsessivo. Enfim, todo o bom esquerdista deve saber um poema, ou ter lido um livro, contra Bush. Compôr uma música contra o mesmo ou gritar um pouco em frente à embaixada deverá ser suficiente.
João Miguel Tavares (surpreenda-se, leitor) constatou isso mesmo no Diário de Notícias de terça-feira: A opinião pública europeia continua a demonstrar a sua aversão rasteira em relação aos Estados Unidos. Agora foi na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos, onde parte do público vaiou a equipa americana ao entrar no estádio. É perfeitamente legítimo que a Europa odeie Bush e a América que ele representa, mas será que todos os atletas presentes são filiados no Partido Republicano? Aquela vaia, lançada numa Atenas que representa o berço da civilização ocidental, foi uma vergonha e uma ignomínia. É tristíssimo que num país que tanto sofreu nas guerras mundiais do século XX se receba com assobios os representantes de uma nação que ofereceu os seus filhos e o seu sangue para assegurar a liberdade e o modo de vida de que hoje todos usufruímos.
Assim, no futuro, onde houver guerra onde devam estar os Estados Unidos, o esquerdista dirá que não deviam. E onde não forem chamados, será sempre um imperativo para o jovem, teriam de estar presentes. Como um marido traído, o esquerdista adora odiar os EUA.
[João Silva]
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