segunda-feira, fevereiro 14, 2005

Lisura de carácter

Ouço uma voz impune, num café, gritar a pulmões abertos : "Eu sou assim: directo e frontal." Fico com um sentimento de fragilidade face a tão vernácula afirmação. Vejo as minhas concepções existenciais completamente abaladas por um qualquer vira-mexe. Em todos estes anos de intensa agonia diária, sempre tivera a certeza de que o Homem era um animal que primava pela inveja e pela cobardia. Agora, o mundo já não poderia continuar o mesmo, nem a minha vida. Descobria, de forma tão alarve, que o Homem era "sincero" e "frontal" e que, por conseguinte, não poderia ser cobarde e invejoso. Os livros pendurados na estante teriam de ser relidos. Porém, lembro-me de que, admitir-se que o Homem é "sincero" e "frontal", é admitir-se que o Homem é mau e que todos os crimes sanguinários praticados pelos Estalines do nosso mundo são feitos com honestidade. De certa forma, fiquei reconfortado por sabermos todos que somos potenciais assassinos.

[Paulo Ferreira]