sábado, fevereiro 19, 2005

Million Dollar Baby



Danem-se os lugares-comuns. Desta vez tem de ser: Clint Eastwood é, actualmente, o melhor realizador americano (no mínimo). E Million Dollar Baby é, sem dúvida, a sua obra-prima. Pensava que seria impossível suplantar Mystic River. Pensava. Errei. Clint Eastwood fê-lo. Por muito sentimental e «fresco» que possa ser este sentimento de estar perante um grande filme, a verdade é que ninguém poderá negar que a técnica de Eastwood (e, tem de se sublinhar, tal como o seu resultado final) se ergue isolada e particularmente brilhante, mesmo no meio de um período com alguns bons filmes.

Clint Eastwood recupera, como nenhum outro, o filme clássico. A câmera. A iluminação. As relações humanas. Mas a visão da «vida«, do Homem, é inteiramente sua. Moldada, por completo, pela longa e paciente aprendizagem de Clint, que fez dele o que é hoje: um dos melhores realizadores da actualidade (arriscaria que já o prefiro a Scrosese, que opta por filmes mais comerciais).

Million Dollar Baby é uma história simples. Uma história de pessoas simples numa rede complexa de necessidades e casualidades que, em redor do boxe, vão criar um destino comum, um destino criado por todos, por uma ou outra razão. E esse destino é entregue a Maggie Fitzgerald (Hillary Swank), uma rapariga que se entrega, por completo, ao boxe, juntando, nesse momento a sua vida à de Frankie Dunn (Clint Eastwood) e a todos os que o rodeiam. No fundo, a história de Maggie é a de todos eles. É vista como o «pugilista» que muitos deles (no ginásio) querem ser, ou que outros (como Morgan Freeman) estiveram perto de ser. Maggie encarna a vontade de subir até ao topo, mesmo quando tal parece impossível, e mesmo sabendo, como Frankie a advertira, que «o mais importante é proteger-se sempre». Não o faz, e acaba tragicamente numa cama, totalmente imóvel.

Million Dollar Baby adverte-nos para o que somos e para a forma como encaramos os «murros» do «adversário». Sobretudo, lembra-nos que os «pugilistas» somos nós, e que, na subida para um objectivo é fácil perder tudo, mas que, enquanto tal não acontece, e desde que nos «protejamos sempre», é como viver um sonho. Tal como Scrap (Morgan Freeman) diz a Frankie, perto dos últimos momentos do filme, que, se este não desligar a máquina respiratória de Maggie, esta verá, nos últimos tempos da sua vida, o que construiu a ser destruído, e «deixará de ouvir as vozes que chamavam o seu nome no ringue». É um grande filme, absolutamente marcante, cinéfila e emocionalmente.

[João Silva]