Prática política
Manuel Alegre não é, nem nunca poderia ser, um político exemplar. Bem vistas as coisas, Manuel Alegre nem sequer é um político, embora se possa compreender que, devido a alguns desatinos da história portuguesa contemporânea, a nossa sociedade se tenha habituado a ver homens crescerem no mundo político através de simples gritos ou de simples palavras de ordem. Não poucos são os que afirmam que a política se faz através de boas intenções ou de bons sentimentos. Sendo Manuel Alegre um homem que tem por palavra de ordem o sentimento, não é, então, de estranhar que os gritos de revolta contra o regime salazarista tenham tornado o membro do Partido Socialista uma figura respeitável.
Num país um pouco mais desenvolvido do que o nosso, Manuel Alegre poucas hipóteses teria para se tornar uma figura política mediática de relevo. Ora, Alegre, apesar de não ser uma figura muito respeitada pelas suas ideias políticas, tem uma importância mediática enorme na nossa sociedade. Não sei se essa importância mediática se deve ao facto de a pessoa em questão ser um poeta comercial ou se se deve a qualquer outra razão, mas, a verdade é que Manuel Alegre é uma figura mediática. Julgo que é através deste mediatismo, não correspondido a nível ideológico, que se podem encontrar a honestidade e a firmeza de carácter de Alegre. Com efeito, Alegre, como já atrás referi, não é um político na verdadeira significação do termo. Porém, se se tiver em conta que Alegre poderia usar a seu favor o grande mediatismo de que é proprietário, poder-se-ia concluir que não existem, em Portugal, muitos políticos que tenham um carácter tão honesto e virtuoso quanto Alegre. Isso deve-se a um simples pormenor: Manuel Alegre, ao contrário de personalidades como Mário Soares, por exemplo, não usa o mediatismo para apagar todas as suas faltas de educação política. Não, Alegre sabe, embora de forma romântica, que não tem qualquer tipo de credibilidade dentro do seu partido, mas, mesmo assim, não deixa de defender a velha cartilha, que aprendeu nos tempos de Argel. Mário Soares, ao contrário do seu companheiro de muitas jornadas, continua a usar toda a influência de que é possuidor em vários sectores da sociedade portuguesa, para esconder a sua profunda ignorância em vários domínios políticos.
Por outro lado, Mário Soares e Manuel Alegre têm uma característica comum, que faz com que sejam, ambos, bastante diferentes da maioria dos políticos portugueses. A maioria dos políticos portugueses, e não só, pertence a uma classe, digamos, técnica, que julga que as soluções para os problemas de um país se encontram em sebentas do género «Como se tornar um líder eficiente em 90 dias!»; pertence a uma classe educada para resolver problemas muito limitados temporalmente. Soares e Alegre não são exemplos para ninguém a nível político, até porque sustentam ideias demasiado perigosas para se poderem colocar em prática numa realidade perigosa, como é a nossa, mas, pelo menos, têm a vantagem de serem cultos.
Com tudo isto, não quero dizer que seria capaz de votar em indivíduos como Alegre ou Soares. Quero apenas dizer que existem coisas que, muitas vezes, escapam às realidades práticas da política, visto serem mais profundas. Soares, apesar de ser uma figura deveras respeitável, não é um bom exemplo de profundidade política, ou de tradição política, isto apesar de autores como Oakeshott defenderem que nada é imune à mudança, ou que tudo é temporário. Porém, autores como Oakeshott também diziam que o factor «continuidade» é deveras importante para que se compreenda a importância da tradição política. Já Manuel Alegre é, sem dúvida alguma, um político que, ao longo da sua vida, teve uma firmeza de ideias e de carácter enormes. Mesmo que as suas ideias se tenham perdido com o tempo, ou que estejam paradas em meados do século XIX, nada impede que o político-poeta seja um dos maiores exemplos de honestidade no nosso país. É por causa dessa honestidade, para consigo próprio e para com os outros, que eu sempre simpatizarei com o senhor que, um dia, se lembrou de escrever um poema dedicado a Luís Figo.
[Paulo Ferreira]
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