quinta-feira, janeiro 12, 2006

O fim de um ciclo

«The idea had been growing in my brain for quite some time: true force. All the king's men cannot put it back together again.» (Travis Bickle/Robert De Niro, Taxi Driver)

Reflectimos. E reflectimos profundamente. Com muito tempo. Sobre o Lusitano. O blogue será, a partir de hoje, mais uma porta encerrada - mas de um sítio cheio de memórias. Será, porventura, mais uma lápide perdida na blogosfera, num canto escuso da memória, como o próprio nome do blogue poderia recomendar - mas, sem dúvida, um poço de profunda nostalgia. Fica um profundo agradecimento a todos os que leram o Lusitano, mesmo quando o sentimento usurpava e substituia-se à qualidade da escrita, aos que o referiram, aos que o referenciaram, aos que o «frequentaram», aos que o odiaram (e por isso, liam), aos que gostaram dele, aos que acharam que era um blogue insubstituível e que irá fazer muita falta (sentimentos que ficam sempre elegantes num funeral). Por fim, mas mais importante que tudo, um grande agradecimento a quem colaborarou aqui: Bernardo Sousa de Macedo, Gonçalo Simões e Bruno Alves, «homens fortes» em diferentes períodos.

Já os fundadores - João Carlos Silva, Paulo Ferreira e Tiago Baltazar - continuarão num novo blogue, o a causa das coisas, à procura de um início ainda melhor que este. Até já.

terça-feira, janeiro 10, 2006

O ás

Achei este livro por acaso - disse o velho. - Mas mostra bem o que ele era, não mostra? O meu Jimmy estava guardado para grandes coisas. Tinha sempre destas resoluções ou outras parecidas. Vê como ele pensava em se instruir? Nisso foi sempre um ás. Disse-me uma vez que eu comia como um javardo, e eu dei-lhe uma sova...

Francis Scott Fitzgerald, O Grande Gatsby (trad. de José Rodrigues Miguéis)

[João Silva]

Um homem

Bannan, comandante e herói de várias tempestades, observa-se ao espelho com um revólver apontado ao crânio. Bannan, o herói, ao reparar no seu corpo, repara também nas fezes que o rodeiam. Afinal, este homem que agora se olha fixamente ao espelho já foi um mestre, um chefe supremo de batalhas, um combatente inexorável. Mas já não é: deixou de o ser há muito. Dir-se-ia que Bannan deixou a sua armadura de cavaleiro cair no momento em que apareceram as fezes. As fezes fazem parte da vida de Bannan e este faz parte da vida das fezes. Não há volta a dar ao caso. Bannan caiu na escória e tornou-se parte dela. Deixou de ser admirado.

No entanto, os heróis, mesmo os que já não o são, precisam de ser admirados. Bannan não constitui excepção à regra. Por isso, não é de espantar que, de frente para um espelho, Bannan tenha pegado num revólver para se matar. E morreria, o homem, se tivesse tido uma vida convencional. Mas como uma vida convencional não faz parte dos planos de homens como este, Bannan não morreu. Apesar de ter rebentado o crânio com uma bala, Bannan continuou a viver, embora num mundo menos racional, é certo, mas não morreu. Bannan, o comandante, tornou-se cão. E fazia ão-ão, o cão. Que engraçado se tornou o valente do Bannan.

[Paulo Ferreira]

segunda-feira, janeiro 09, 2006

Que te falta?

Que te falta, ó crânio, para pareceres um cu de galo? a moela? E uma cara de cavalo? pele de galinha.

- Max Jacob, O Copo dos Dados

[Paulo Ferreira]

domingo, janeiro 08, 2006

A canção de amor dos condenados

Só a mais nova das três irmãs era feliz.
A primeira irmã era tão amorosa que secava o pecado.
A segunda irmã era tão casta e bondosa que parecia secar rios de lágrimas.
A terceira irmã era a menos apaixonada. No entanto, esta parecia secar toda a virilidade à sua volta.
Talvez por ser tão nova, coube-lhe expiar o que era ausente nas irmãs. Nunca um corpo tão jovem expiou tão publicamente o sexo que nascia da recusa. E, no entanto, para horror de todos, ela era feliz no seu escatológico sacrifício sexual.

[João Silva]

What goes around...

«Na crónica de opinião do Mil-Folhas, fazendo o balanço literário de 2005, Eduardo Prado Coelho diz que «podemos referir ainda dois livros de Luiz Pacheco, que, se não existissem, não se perdia nada». Tem razão, é vero. Mas também é verdade que se Eduardo Prado Coelho não existisse também não se perdia nada.»

João Pedro George, no Esplanar, 7/1/2006

[João Silva]

Devaneio



[João Silva]

sábado, janeiro 07, 2006

Solidariedade



[Paulo Ferreira]

Schueler

«Se fosse mulher, a vida correr-me ia melhor!», costumava desabafar Schueler, sozinho e contristado, de frente para um espelho. Numa certa manhã, Deus predispôs-se a fazer-lhe a vontade, mas com uma única condição: a de que o Homem deixasse de ser Homem para voltar a ser abutre. Schueler, sendo mais esperto que Deus nestas questões do mundo e da humanidade, aceitou. E o Homem abutre se tornou.

[Paulo Ferreira]

Urinol

Segundo notícia do Público, um vetusto cidadão francês de 77 anos deu uma martelada num dos urinóis de Marcel Duchamp. Cá para mim, ainda existem franceses decentes.

[Paulo Ferreira]

Sobre Soares

A derrota de Mário Soares, que talvez seja irritante, não será humilhante. Entrou imprudentemente para um universo a que não pertence e pagou o preço. Sucede aos melhores. Esperemos que, saindo, fique aliviado.

- Vasco Pulido Valente, Público

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, janeiro 06, 2006

Respiração interior

Perceber a respiração interior: fazer sexo com uma mulher, entendendo que a nossa carne, em contacto com a dela, ganha poros. Respira dentro da carne e entende-a.

[Paulo Ferreira]

Bert

Perdido na noite, Bert, um homem dotado de uma bondade inesgotável, lamenta-se pelo trágico desaparecimento da sua amante. Chora, o desgraçado. Mas ninguém o salvará da trajectória da dor. Nem a morte.

[Paulo Ferreira]

Claas

Claas, pegando na sua rosa-dos-ventos, olhava para a multidão e logo encontrava uma mulher sexualmente disponível. A sua técnica resumia-se aos actos de baralhar e de voltar a baralhar. Depois, a rosa-dos-ventos que lhe ditasse a sorte.

[Paulo Ferreira]

Abrir a alma

Abres a alma aos amigos para que eles te vejam sorrir. Mas os teus amigos são experientes e, por conseguinte, vêem-te os podres. Nunca deixes que a alma se abra totalmente aos amigos. Eles são como tu, não os menosprezes.

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, janeiro 05, 2006

Ascetismo na morte

Quando não se vive sob o Islão, a verdadeira tragédia de um homem, na hora da morte, é largar mão de todos os vícios terrenos.

[João Silva]

O estado das coisas


O verdadeiro estado das coisas

[João Silva]

Preocupação

Preocupação: Perder a respiração; não chegar ao mar. Podes não ter fôlego para uma braçada que seja mas o mar é sempre o objectivo.


[Paulo Ferreira]

Morrer devagar



A dada altura, em Citizen Kane, um músico canta: «It can't be love, for there is no true love».

[João Silva]

Notas

Uma grande nota de agradecimento ao Bernardo Sousa de Macedo, que agora sai, pelos tempos de escrita no Lusitano. Na minha humilde opinião, a sua colaboração trouxe moderação e qualidade a um espaço naturalmente desorganizado. Juntamente com o Tiago Baltazar e com o Gonçalo Simões, fica na memória colectiva do blogue.

[João Silva]