sábado, dezembro 31, 2005

Ela

Ela era tão politicamente correcta que, quando teve o seu primeiro filho, apelidou-o de Humanidade.

[Paulo Ferreira]

Uma estalada

Uma rapariga para um pretendente a namorado: «Se tu te voltares a roçar em mim, eu juro que não me aguento!». O pretendente voltou a roçar-se e, claro, não demorou a levar um estalo mesmo no centro da sua feia carantonha. Mas isto não é assim tão claro porque o rapaz, em vez de ter levado um estalo, poderia ter recebido um simples beijo. Afinal, um gajo conhece tão mal a juventude.

[Paulo Ferreira]

No café II

Pouco depois, a mesma rapariga para o mesmo namorado: «Se não fizesse uma passagem de ano decente, não me conseguiria encarar ao espelho».

[João Silva]

No café

Uma rapariga para o namorado: «Preferia que fosses mais como o Bob Geldof».

[João Silva]

sexta-feira, dezembro 30, 2005

Um palhaço

Edinho, habituado pelas agruras da vida a mentir, gostava muito de brincar com os sentimentos das pessoas que o rodeavam. Brincar é o termo certo. Edinho brincava com as palavras, com as respirações, até chegar aos sentimentos. Dos outros, claro. Por outro lado, Edinho nunca brincava com os seus próprios sentimentos, até porque não os tinha.
Emoções não entram no jogo da vida. Pelo menos para pessoas falsas e venenosas como Edinho. O problema é que Edinho era palhaço, e os palhaços choram e sofrem, mais até do que as pessoas comuns. O que leva a pensar que Edinho não era nenhum palhaço de circo e que, por conseguinte, pode andar, neste preciso momento, pelas ruas a enganar velhotas e a espalhar o perigo pelas aldeias.


[Paulo Ferreira]

O estado das coisas



[João Silva]

Desde as nove

Meia-noite e meia. Rapidamente passam as horas
desde as nove em que acendi o candeeiro,
e aqui me sentei. Estava sentado sem ler,
e sem falar. Falar com quem
totalmente só nesta casa.

O simulacro do meu corpo novo,
desde as nove em que acendi o candeeiro,
veio e encontrou-me e lembrou-me
fechados quartos com aromas,
e prazer passado - que prazer valente!
E trouxe-me também diante dos olhos,
ruas que se tornaram agora irreconhecíveis,
sítios cheios de movimento que findaram,
e teatros e cafés e era uma vez que o tempo tem.

O simulacro do meu corpo novo
veio e trouxe-me as tristezas também;
lutos de família, afastamentos,
sentimentos de gente minha, sentimentos
tão pouco apreciados dos mortos.

Meia-noite e meia. Como passam as horas.
Meia-noite e meia. Como passam os anos.


- Konstandinos Kavafis, Os Poemas

[Paulo Ferreira]

2005

Não tenho por hábito fazer «balanços» do ano. No entanto, a revelar algumas descobertas de 2005, talvez escolha três: nos livros, Jerusalém, de Gonçalo M. Tavares; no cinema, Crash, de Paul Haggis (que, pela ausência de referências, atribuo a 2005); e, na música, Get Behind Me Satan, dos The White Stripes, mais pela «confirmação» que por outra coisa.

[João Silva]

Noé dos tempos modernos

Piet era um asno. Mas não é aí que eu quero chegar. Piet fazia, isso sim, do fim do ano uma chegada triunfal ao fim do mundo. A contagem decrescente para o dia 31 começava bem mais cedo do que para as outras pessoas. Na verdade, Piet, embora não acreditasse no fim do mundo, via-se na inexplicável obrigação de reunir toda a gente que conhecia - minto, toda a gente que pudesse, mesmo que os não conhecesse - no maior salão que encontrasse. Sentia-se uma espécie de Noé dos tempos modernos. Pelo menos, nos tempos modernos, todos o louvavam pela sua acção de caridade anual. No momento da passagem de ano, acontecia sempre o mesmo: contavam de dez para zero; alguém rebentava algo; e todos se mexiam o mais que pudessem. «O movimento é lei! Consegui», gritava Piet de copo na mão. Fechava os olhos e entregava o corpo ao fim do mundo. E, sem falhar, todos os anos, alguém lhe batia no ombro e dizia: «Piet, conseguiste outra vez! O movimento é lei». Piet não acreditava em Deus, mas sempre encarava isto como um sinal divino. Talvez por isso acabasse sempre a noite nu, no meio da pista de dança, como Adão.

[João Silva]

Desejar

J., um dia, disse que a desejava. Por essa mesma razão, C., rapariga de princípios, pegou nas suas coisas e saiu de casa para sempre. Na verdade, já nas escadas, não conseguia conter um enorme sorriso. Afinal, na sua concepção, havia vencido a tentação, o desejo. «Desejada, nunca!», pensava, enquanto apertava ainda mais as malas na mão.

[João Silva]

Correr

O amor dele era, inevitavelmente, muito físico. Ela, incomodada com a paixão dele, um dia disse-lhe: «Não vale a pena correr, pois as nossas ruas apenas se voltarão a cruzar por linhas telefónicas, por telemóvel». Na verdade, tudo o que ela sempre teve para dizer àquele homem disposto a morrer não era mais do que isto: «Não corras».

[João Silva]

quinta-feira, dezembro 29, 2005

Prostituta

Ele era tão inventivo, tão inventivo, que, no Natal, queria que lhe oferecessem uma prostituta.

[Paulo Ferreira]

Porque eu também tenho uma cabra vadia e um terreno baldio

Marciano: É mesmo verdade que no vosso planeta as pessoas bebem até à morte no dia da passagem de ano?

Eu: Parece que sim.

Marciano: Não lhe parece um pouco estranho?

Eu: Trate-me por tu, por favor.

Marciano:Mas as pessoas têm uma mente escatológica assim tão vincada? Acredita-se mesmo que o ciclo da vida vai mudar e que uma nova etapa vai começar?

Eu: Bem, a coisa não é assim. Por exemplo, os portugueses, que são danados para a brincadeira, embebedam-se por tudo e por nada. Acorda-se bem disposto e pensa-se: «Epá, isto hoje já merece uma bela trotilada!». Vê meu caro marciano, a coisa não é simples. Eu, pessoalmente, não acredito que os portugueses e restantes habitantes do planeta gostem de beber e de cantar até ao último segundo do ano. Não é plausível. Mas, se quer que lhe diga, não saio de casa nesse dia funesto.

Marciano: Olhe que do meu planeta vejo bem o que se passa no seu coitado país.

Eu (a pensar): Filhos da puta!, já sabem do Cavaco.

[Paulo Ferreira]

Um homem

Numa manhã solarenga, um homem sem coração tenta começar a escrever a sua obra triunfal, o livro dos livros, a história da humanidade, com todos os seus percalços e desatinos, num só simples caderno. Todavia, o caderno do homem sem coração, à semelhança de todos os outros cadernos menos dotados para a glória, encontra-se vazio. Sem uma frase ou palavra que possa adocicar o espírito do escritor menos precavido contra as intempéries da escrita. E vazio continuará, pois o homem sem coração, pensando na humanidade, não consegue transpor para o papel a bala que lhe atravessará o crânio.

[Paulo Ferreira]

Pedra

Uma pedra, proveniente não se sabe bem de onde, cai mesmo em cima da atormentada cabeça de Adérito.
«Pedra maldita, que nem para salvar vidas serves!», e, com estas palavras, Adérito deu um pontapé na desgraçada e, em breve, despedaçada pedra.


[Paulo Ferreira]

Enfarte

August, sentado numa cadeira, pega numa pestana caída e pede um desejo. Depois, momentos mais tarde, August levanta-se e, surpresa das surpresas, morre de enfarte. Desejo cumprido, dir-se-ia.

[Paulo Ferreira]

Uma tragédia

Uma tragédia humana, foi o que se abateu sobre Ciro, o homem que aos trinta e dois anos decidiu amar sem saber o que isso era.

«O que é o amor?», perguntava Ciro a toda a gente que via nas ruas.

Ciro perguntava, perguntava, perguntava, mas ninguém lhe dava uma resposta. É caso para se dizer que, nem sabia o homem dar uma resposta para o amor, nem sabiam os outros a quem ele perguntava. Porque o amor não se percebe ou entende, como as páginas de um livro. Sente-se, e as lágrimas que caem das faces dos jovens apaixonados comprovam-no.

[Paulo Ferreira]

O miúdo

O miúdo gostava de se pendurar em bancos de autocarro para contemplar a beleza da natureza. Sendo o miúdo pequeno, tornava-se natural o acto de se empoleirar em algo que o tornasse mais alto. Certo é que, empoleirado nos bancos de autocarro, o miúdo conseguia vislumbrar aquilo que muitos de nós, mortais, não conseguimos: a beleza de um arco-íris, por exemplo.
Mas nem sempre foi assim. Certo dia, o miúdo, distraído com o que se passava fora da sua realidade palpável, foi brutalmente projectado para fora do autocarro em que viajava, tornando-se a partir desse momento, num ser inapto para a contemplação, isto é, num morto. E foi assim, morto, que o miúdo serviu de exemplo a todos aqueles românticos que sonhavam com uma morte trágica.

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, dezembro 28, 2005

Poesia

Novo blogue nas redondezas: Poesia & Lda., de João Luís Barreto Guimarães.

[João Silva]

Ciclo Rossellini


Isabella Rossellini

[João Silva]

segunda-feira, dezembro 26, 2005

Cavaleiro rusticano

Confesso que não tenho o costume de ver programas de stand up comedy. E em especial em Portugal. Excepção feita ao que vem dos Estados Unidos, único país com tradição nesse género de comédia. Nem aqueles cujo formato tem o objectivo de «ser» stand up comedy, nem quando Herman quer fazer incursões nesse domínio, que não é o dele. E, especialmente, não sou nem de perto apaixonado admirador desse rapaz que, nos tempos últimos, deu o grande salto de amador da construção civil para comediante de topo: Fernando Rocha. Dizem que este rapaz fez a revolução na comédia portuguesa. Felizmente, também dizem, essas mesmas pessoas, que Paulo Coelho revolucionou a literatura portuguesa, que Dan Brown revolucionou o conhecimento da Igreja Católica Romana e que Michael Moore revolucionou o cinema.

Por outro lado, admito que já assisti (acendendo a televisão) às famosas prestações desse charlatão Sr. Rocha. Não porque tenha o costume de ver o seu programa. Por nenhuma razão em especial, apenas porque não coincide com as minhas horas de zapping e nunca consegui ver o programa por mais de cinco minutos. Porém, o estilo do rapaz exige muito trabalho. Eu diria mesmo que roça a genialidade. Se Rachmaninov sempre teve aura de «génio», Fernando Rocha, no outro extremo, consegue a mesma proeza. Se ele, de facto, consegue assinar o seu nome no arquivo de identificação ou na esquadra, a sua cara, ao entrar no quadrado mágico da televisão, destrói qualquer possibilidade de pensarmos que a sua mão poderia corresponder aos comandos do cérebro e assinar o seu infame nome num papel.

Mas a crítica não é de ódio. Pelo contrário, admiro o modus operandi do Sr. Rocha. Se me dissessem que passou a sua vida agrilhoado e só agora conheceu o Mundo, ao melhor estilo de Platão, não me surpreenderia. Na verdade, a forma boçal como o comediante tenta construir frases, sem sucesso, mostra um perfeito alheamento das mais velhas e básicas regras de gramática («marco no malho, mais o car#lho») que os pobres portugueses, muito a custo, lá foram construindo e preservando, como as últimas poupanças debaixo do colchão. Goza com a velha, goza com o preto e goza com ele mesmo (sem o saber, pois se o soubesse tentaria o murro no ar). Pelo menos por isto, devemos respeitar a sua simplicidade. Será possível ridicularizar e minimizar tanto as capacidades de um homem ao ponto de criar empatia com o seu trabalho? Penso que sim, o meu sincero respeito pela triste figura de Fernando Rocha é exemplo disso.

[João Silva]

O estado das coisas


Um labroste qualquer

[João Silva]

KO

- O que é importante num debate televisivo?

O senhor Kraus respondeu:

- A riqueza argumentativa perde (por KO) para a qualidade do movimento das sobrancelhas. Quantos votos vale um certo franzir do nariz, no momento exacto?! Como conhecer a resposta abalaria a nossa convicção na democracia – murmurou o senhor Kraus.


- Gonçalo M. Tavares, O Senhor Kraus

[Paulo Ferreira]

Os mortos

As lágrimas dos mortos queimam...devoram a vida; porque bem sinto a morte chamar-me...

- Alexandre Herculano, Eurico o presbítero

[Paulo Ferreira]

sábado, dezembro 24, 2005

Medos

GEORGE: This thing can't hurt me, can it? I mean, it's a laser. What if it hits my eye?

JERRY: I don't know.

GEORGE: I can't be blind, Jerry. The blind men are courageous.


(Seinfeld, «The Puerto Rican Day»)

[João Silva]

Livro da quadra



Work in progress

[João Silva]

quinta-feira, dezembro 22, 2005

O estado das coisas


Josef Stalin

[Paulo Ferreira]

Josef

Franz Josef vivia num castelo, agrilhoado pelas correntes que o ligavam ao mundo, sem nunca encontrar qualquer tipo de sinal que o aproximasse da realidade. Até que chegou o dia em que se apaixonou por uma mulher que, não fossem as suas belas formas femininas a confirmarem a sua existência, mais se parecia com uma miragem. Josef, então, decidiu libertar-se das correntes que o prendiam e correu. Correu, correu, correu. Até que se cansou de apanhar a mulher por quem se apaixonara. Era um pobre diabo, esse Franz Josef. E voltou para dentro do seu castelo, para se voltar a enfiar no centro do mundo, no centro da atmosfera, para nunca mais de lá sair.


[Paulo Ferreira]

Os ídolos socialistas

Segundo o Diário de Notícias, José Sócrates - primeiro-ministro que, se eu não soubesse que era português, suporia de carácter impoluto e divinal - veio criticar as declarações de Ribeiro e Castro, que atribuiu ao exemplo político prático marxista-leninista uma boa parte das culpas no terrorismo contemporâneo, como «irresponsáveis». É curioso que José Sócrates ache opiniões adversas «irresponsáveis», visto que convidou para a pasta dos Negócios Estrangeiros alguém que personifica a «Adinistração Bush» (como gostam de dizer) como a descendência «nazi» do século XXI, e apoia Mário Soares, um ex-Presidente da República que há muito que vê em Bush e em Blair os grandes fomentadores (ou incitadores) do terrorismo dos extremistas islâmicos. Ora, Ribeiro e Castro, se não olharmos a possíveis preconceitos políticos que possa ter e generalizar, está no seu completo direito de ter opinião sobre os valores e exemplos que regem os portugueses e de os criticar se assim lhe apetecer, independentemente de ser ou não a visão correcta (em parte ou por completo).

Ao que parece, Ribeiro e Castro chamou a Che Guevara «um dos grandes assassinos do final do século XX». Percebo o problema. Aliás, em tempos de quadra natalícia, eu próprio me abstenho de ofender os santinhos. Tenho em conta a susceptibilidade dos pró-totalitários, e em especial a dos mais jovens, que se emocionam mais facilmente. «Che», que foi feito santo numa localidade da Argentina (e qualquer dia é Maradona), é uma personagem complexa. Inteligente, influente e com especial apetência pela guerrilha (forma de guerra), cedo se tornou um dos mais sublimes terroristas em nome do internacionalismo soviético (mais fiel a esta ideia do que Fidel). Por isso, se compreende que os jovens aspirantes a uma carreira hoje rara na Europa o tenham como um ícone distante e saudoso. O cravo da revolução, o símbolo da paz mundial, e a bóina ou crachá de «Che» Guevara são um conjunto de forças ocultas que, com ou sem explicação, se conjugam perfeitamente em muitas pessoas nos dias que correm.

Nessa mistura contraditória de valores, compreendo a incompreensão de Ribeiro e Castro. Só não compreendo é a púdica tentativa de «correcção» por parte de José Sócrates.
Apenas uma nota. Ao que parece, Ribeiro e Castro apontou «o cortejo de miséria na África contemporânea» como consequência de «regimes de esquerda que têm governado o continente». Aí, terei de discordar. Penso que os regimes a que ele se refere pouco têm de esquerda. E pouco têm de direita. Regimes militaristas, misturas de plutocracias com liderança de guerrilheiros, são situações (aqui, realmente, poder-se-ia dizer «fenómenos») específicas de África, embora muitos tenham, isso sim, como modelos os regimes socialistas mais famosos, em especial o soviético.

[João Silva]

Pessoas que fazem rir #3


Buster Keaton

[João Silva]

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Emigrantes



Bem sei que o senhor da foto acima exposta não é francês. Pois não. Mas podia. Bono Vox, independentemente das suas qualidades musicais, consegue ser um artista como poucos. Com efeito, se se entender que o artista é um indivíduo astuto e manhoso, Bono Vox, na minha modesta e limitada opinião, tem talento para ser o artista do decénio. Porém, e apesar de o assunto ter muito por onde explorar, não é sobre Bono Vox que me interessa escrever agora. Não. Interessa-me mais fazer um breve comentário sobre uma reportagem «especial» da TVI, que fazia uma espécie de relato da vida diária dos portugueses emigrantes em França.

Nessa reportagem da TVI, os emigrantes faziam uma lógica comparação entre Portugal e França. Para eles, então, Portugal é um país mau para se viver porque não há dinheiro. Por outro lado, na França paga-se (e bem) até para se ficar em casa a tomar conta dos filhos. Então, se em Portugal não há dinheiro, em França ele cai das fontes, como se fosse água. Toda a reportagem andou, como não poderia deixar de ser, à volta desta ideia. Dir-se-ia, até, que se não fossem as pérolas linguísticas dos nobres emigrantes portugueses, a entrevista teria sido uma seca tremenda. Porém, e pensando um pouco melhor sobre o assunto, a verdade é que a reportagem, para além de ter sido de um vazio quase total, foi mesmo uma grande maçada. Em primeiro lugar, esperava-se mais dos jornalistas que intervieram em tão desafiante missão. Não se ouviu, por exemplo, nenhum desses nobres senhores da comunicação social dizer que o Estado em França gasta mais do que deveria e que isso, no futuro, terá as suas consequências. Também não se ouviu ninguém dizer que o Estado português só não dá mais dinheiro porque já deu muito. Não. Ouviu-se, no máximo, um nobre representante dessa emérita classe profissional a afirmar, a pés juntos, que aquilo na França é mesmo bom. Do melhor. Em segundo lugar, houve uma grande desilusão, pelo menos da minha parte, em relação aos actores sociais, em relação aos emigrantes ultrajados por um país que os pariu e que agora não lhes quer dar mama. Com efeito, os emigrantes deixaram muito a desejar. Nem um estalo na boca da criança que não se cala se viu. Nem um fã desse grande Graciano Saga se deu a conhecer. Nem um brinco de ouro a la Ruth Marlene. Nada. Em frente às câmaras só apareceu um modesto e trabalhador trolha, com um dente a menos e o cabelo cravejado de gel e de cimento. Muito pouco para uma televisão de tão grande calibre. Em terceiro e último lugar, não se ouviram todas aquelas louváveis considerações morais, que se costumam fazer quando se sofre. Não. Nada disso. Desta vez foi miséria à séria, rodeada, é claro, pelos copos de branco do Zé Quintino (dono do estabelecimente comercial, que, não se sabe bem por que razão, dá pelo nome de «O benfiquista»).

Em suma, toda aquela reportagem da TVI me cheirou a fiasco. Talvez se, numa próxima aventura por essa pátria além fronteiras, se convidarem as pessoas certas e se forem escolhidos os locais certos, se consiga alcançar algo de nível aceitável. Por exemplo, um Bono Vox não recusaria o papel de jornalista. Um Bob Geldof também não. E se fosse na América...?

[Paulo Ferreira]

terça-feira, dezembro 20, 2005

O génio

Ele era tão genial que, mesmo a assinar o livro de cheques, fazia notas de rodapé.

[Paulo Ferreira]

Exercício literário numa palavra

Azevia.

[João Silva]

Pessoas que fazem rir #2


Owen Wilson

[João Silva]

Sutor, ne supra

Ao fazer a ronda habitual pelos livros de jornada, deparo-me com uma frase interessante:

Se é justo que a ciência se resolva em política, raramente é bom que o sábio acabe em político.

- Jacques Le Goff, Os Intelectuais na Idade Média

[Paulo Ferreira]

segunda-feira, dezembro 19, 2005

A poesia automóvel

Desde pequeno que sonho em transportar-me constantemente de táxi. Bem sei que o sonho chega a roçar os limites de toda e qualquer parolice. No entanto, ao ver os táxis passarem por baixo da minha janela, não posso deixar de confessar que gosto de andar de táxi. Só o nome fascina-me. Táxi. Só o nome dá vontade de abraçar. Queria ser taxista.

Era eu menino e moço quando a minha primeira professora me perguntou o que eu queria ser quando fosse grande. Eu, sempre confuso quanto aos meus sonhos e desejos, respondia: «Se não fosse pedreiro ou jogador da bola, gostaria de ser taxista.» A população infantil bem que gozava com a minha pessoa no recreio. Porém, agora que o tempo passou, e que não tenho medo de admitir que sonhava muito acaloradamente com essa minha primeira professora, eu é que me farto de rir. Afinal de contas, todos esses meus amigos de infância é que se passeiam ilustremente por entre os férteis campos dos «baldes de massa». Além disso, se se descontar o Adérito, que é drogado e orfão de chupeta, nenhum desses meus antigos amigos se tornou taxista. Nem eu me tornei, mas, pelo rumo que as coisas estão a tomar, é bem provável que um dia ainda realize esse meu antigo sonho.

Como já referi, gosto de andar de táxi. Sou fanático por táxis. Não me importaria de ser taxista só para andar sempre de táxi. Seria, provavelmente, um novo De Niro dos táxis. Seria um tipo que, ao mais leve sinal de presença adolescente a queimar os meus estofos, diria: «O amigo desculpe mas só transporto pessoas de outro calibre. Já dizia o outro que calça suja não limpa urtiga!» (esta inventei eu). Para os clientes politicamente mais empenhados, seria um bom ouvidor. Seria o ouvido que se faz surdo. Isto é, seria o ouvido fascista, o ouvido que, quando a louça se parte, desfaz a fronha a qualquer um. Por estas e por outras é que digo que a minha pessoa daria um bom condutor de táxis. Afinal, trata-se de um sonho. E com sonhos não se brinca.

[Paulo Ferreira]

Monólogo e Explicação

Mas não puxei atrás a culatra,
não limpei o óleo do cano,
dizem que a guerra mata: a minha
desfez-me logo à chegada.

Não houve pois cercos, balas
que demovessem este forçado.
Viram-no à mesa com grandes livros,
com grandes copos, grandes mãos aterradas.

Viram-no mijar à noite nas tábuas
ou nas poucas ervas meio rapadas.
Olhar os morros, como se entendesse
o seu torpor de terra plácida.

Folheando uns papéis que sobraram
lembra-se agora de haver muito frio.
Dizem que a guerra passa: esta minha
passou-me para os ossos e não sai.


- Fernando Assis Pacheco, A Musa Irregular

[Paulo Ferreira]

Finuras

Finuras entrou dançando para dentro da carruagem do Metro. A camisa de cavas, o boné, o fio ao pescoço e a vida no bolso denunciaram-no imediatamente. A forma como andava era a sua mensagem lapidar ao mundo: eu vivo. Infelizmente, outra das suas virtudes era ver muito mal. Andava de forma genial, mas via muito mal. Talvez fosse essa a razão pela qual Finuras fazia um grande esforço (embora dissimulado) para se ver ao espelho no vidro da porta do metro. Talvez também, por isso, não tenha reparado que, ao transmitir todas as suas energias para as mamas num gesto de enorme vitalidade, dava a conhecer às pessoas do lado de fora da porta uma nova personagem. Algumas pessoas não podem ser classificadas com siglas, precisam de ter nome. Finuras chegara a Lisboa.

[João Silva]

A ver

Os «10 melhores alfarrabistas de 2005», via Almocreve das Petas.

[João Silva]

Broken Flowers



[João Silva]

domingo, dezembro 18, 2005

Pessoas que fazem rir #1


Conan O'Brien

[João Silva]

Conto de Natal (variação neo-realista*)

A mesa estava posta. Com toda a pompa que o momento exigia. As janelas, no entanto, continuavam fechadas para afastar o espírito da excepcionalidade dos curiosos do exterior. Afinal, nem todos os que ali estariam presentes tinham direito a festejar a quadra segundo o regime. O bacalhau, conseguira-o «Domingues», mas arranjara-o Zé Maria. Quem o havia cozinhado continuava em segredo. Tudo indicava que a ceia correria pelo melhor. Ainda embora faltasse muita gente.
-Por mim comemos. - suspirava «Domingues» encostado ao punho - Não como desde ontem.
-Não, que os camaradas ainda cá não estão - respondera alguém mais velho.
-Mas a fome não tem tempo nem tem convenções.
-Então vai comendo uma azevia, «Domingues».
Todos riram. Até que a euforia foi interrompida por duas pancadas secas na portaria da frente. O medo e o riso atropelavam-se mutuamente. Sem fazer barulho, alguém foi ver quem era.

*dedicado a amigos comunistas

[João Silva]

sexta-feira, dezembro 16, 2005

Viagens

Maria Amélia era tão viajada que, chegando a Portugal, só bebia jus d'orange.

[João Silva]

Não querendo ser a Conceição Lino

Por aqui (Setúbal), também se fazem bonitos. Desta vez, num monumento da I Grande Guerra. A Câmara Municipal de Setúbal (CMS), actualmente uma autarquia «da» CDU, decidiu enfeitar um vetusto monumento, erigido em honra dos combatentes portugueses da I Grande Guerra, com luzes e fios, imitando uma árvore de Natal. É, talvez, conhecida a obsessão desta CMS pelos monumentos (lembrar o fálico monumento de homenagem ao «anti-fascismo»), mas enfeitar a memória da guerra de 1914-18 como um pinheiro natalício demonstra um sentido de oportunidade bem agreste. Para não dizer ridículo.

[João Silva]

A Sombra

A Sombra (Estudo sobre a clandestinidade comunista) não é um livro novo. No entanto, este livro de José Pacheco Pereira parece-me intemporal. Pelo menos, enquanto os conceitos (à portuguesa) de ditadura, comunismo, movimento comunista e luta contra o regime perdurarem na memória colectiva. E ainda mais numa altura em que o terceiro volume da inédita biografia de Álvaro Cunhal, por autoria também de Pacheco Pereira, está ainda fresco e abundante nas livrarias. No entanto, para quem procura encontrar neste livro um auto de sátira acerca do Partido Comunista Português ou sobre os operários, poderá ser um livro decepcionante. A Sombra, assim como a biografia de Cunhal, não segue a via do «revisionismo», como algumas recensões têm dito, buscando construir uma aura de controvérsia em redor de obras de investigação.

É natural que jovens idealistas à direita procurem aqui um Revel, mas A Sombra tem outro cariz. Obviamente, é um estudo despido tanto de preconceito pelos militantes de uma ideologia ou utopia oposta (JPP não estuda o movimento comunista nacional há meia dúzia de dias) como de omissões abundantes nas edições Avante!. JPP faz, a partir de um resumo das raízes da formação dos PC's europeus e do leste («A profissionalização dos revolucionários reduz o diletantismo organizativo, a centralização da direcção conduz a uma unidade de acção, o combate às fracções e o recurso sistemático à depuração levam à constituição de núcleos «duros» e de inteira confiança, a persistente utilização de uma concepção militar e militarizada da política [...] induz efeitos de arregimentação e disposição combatentes»), um aprofundamento que se vai afastando, cada vez mais, da política, daquilo que nós, mais novos, conhecemos por acção política, em prática em regimes democráticos. É um aprofundamento, sobretudo, em direcção à vida das pessoas, dos militantes comunistas clandestinos.

Há duas coisas assombrosas acerca dos homens e das mulheres que «mergulham» (entram na clandestinidade, tornando-se outra pessoa na sociedade): primeiro, que é difícil encontrar a linha que divide o comunista da pessoa em si, pois há, simultaneamente, uma coragem e uma devoção cega que moldam a segunda submetendo-a ao primeiro; em segundo lugar, por mais que se «desça» na hierarquia do partido (porque há um hierarquia, mais forte do que em qualquer ideologia conservadora), o «clandestino» é sempre um braço directo do Partido, isto é, está sempre em contacto com a direcção nos seus actos quotidianos, desde o sair à rua como a escolha das «companheiras», mulheres «em missão» pelo Partido.

Por exemplo, repare-se qundo JPP cita um livro de Silva Marques: «Carlos Brito declarou-me então que eu teria de entregar tudo o que possuía do partido. Disse-lhe que estava de acordo. Mas que guardaria alguma coisa para mim. A minha resposta irritou-o, e, já sem nenhum vestígio da sua anterior amabilidade, de dedo em riste apontado para mim, fez-me saber: "Quem decide é o partido"».
Mas esta agressividade natural do Partido Comunista Português tem uma explicação racional, por vezes até exageradamente racional, o que assusta: é um Partido em luta permanente, em permanente desconfiança, em luta contra o Estado e contra a polícia política, em desconfiança das buscas, investigações e métodos da PIDE/DGS, e até mesmo dos próprios «camaradas» de partido. Daí a tenebrosa «naturalidade» com que acontecem denúncias dentro do Partido, denúncias «antes das denúncias» (uma espécie de mecanismo de defesa), e mesmo as famosas purgas.

Para mais, JPP refere, e eu dar-lhe-ia ênfase, a progressiva simetria PIDE-PCP. Tanto a polícia política de Salazar como o Partido Comunista vão criando os seus mecanismos de defesa e padrões de acção segundo o seu oposto. Por cada homem que a PIDE introduz secretamente nas aldeias ou ruas suspeitas, o PCP retira um homem em risco de ser descoberto («emerge», portanto) e coloca-o, ou a outro, noutro sítio qualquer. É uma luta constante, que ultrapassa de longe os trâmites da política, entre essa polícia e esse partido. Uma luta que, como sabemos, tendeu, pouco a pouco, a ir no sentido da «vitória» da PIDE, sem, no entanto, quebrar a incrível resistência dos comunistas.

O «factor clandestinidade» surge, diz JPP, em 1929, com a «reorganização» partidária de Bento Gonçalves. Essa clandestinidade surge, portanto, para ficar. Para muitos de nós, fica apenas como um imaginário roçando a lenda heróica (cf. «Manuel Tiago», por exemplo) ou como um estrato da história de Portugal vedado, por dentro, aos não-comunistas, aos «gentios» segundo a linguagem revolucionária.

Para quem está familiarizado com os métodos da cosa nostra, da mafia siciliana, o perigoso mundo da clandestinidade poderá parecer um mundo semelhante. Na verdade é. Pelo menos num sentido: nunca se sabe quem é o amigo e quem é o inimigo, portanto o perigo pode vir de qualquer lado. A Sombra deixa-nos um misto de curiosidade por um mundo que, tão cedo, o PCP não deixará a olho nu e de uma certa simpatia por homens e mulheres que (no meu caso, pelo menos) advogam um sonho político quase desumano e dão, literalmente, a sua identidade e a sua vida pela luta por esse sonho. Enfim, o mundo da clandestinidade é, sobretudo, um mundo ingrato, ou, como diz JPP: «há a tendência natural para as coisas correrem mal - a lei de Murphy. Um exemplo exagerado é aquilo que acontece nos pesadelos, em que qualquer acção ou tarefa nunca se conseguem acabar ou realizar porque aparecem sempre "coisas que sobram". Uma tradução paranóica destes sonhos encontra-se numa história de Ray Bradbury em que um criminoso quer apagar as suas impressões digitais e, como não sabe bem onde as deixou, tenta obsessivamente limpar tudo, sem nunca conseguir acabar, até que a polícia chega». Como eu dizia, é um mundo ingrato...

[João Silva]

A senhora inamovível

Se a Prisa conseguir impor telejornais de 30 minutos (no limite 40, em casos muito excepcionais), contribuirá para uma revolução nos media. Pior do que a jornalista que se despede, é o perfil de almanaque de escândalos & hipocondria do Jornal Nacional.

Eduardo Pitta, no Da Literatura

[João Silva]

Amor horrível

-Queres dizer que viste Hitler?
-O meu filho também diz isso da mesma maneira: «O meu papá viu Adolf Hitler.» Hitler estava no outro extremo da grande salle.
-Fez um discurso?
-Felizmente, não estava perto. Deve ter feito uma comunicação. Comeu uns bolos. Estava de uniforme.
-Sim, já vi umas fotografias dele com modos sociáveis e numa atitude simpática.
-Uma coisa - notou Fonstein. - Não tinha cor no rosto.
-Nesse dia não estava a matar ninguém.
-Não havia ninguém que não pudesse matar, se quisesse, mas aquilo era uma recepção. Fiquei contente por não ter reparado em mim.
-Acho que eu também ficaria. Até se pode sentir amor por alguém que, podendo matar-nos, não nos mata. Um amor horrível, mas é um tipo de amor.


Saul Bellow, A Organização Bellarosa

[João Silva]

O estado das coisas (versão alternativa)


Mao, um grande humanista num momento de ócio

[João Silva]

O estado das coisas


Steve Vai


[Paulo Ferreira]

Um dia em cinco nomes

Ashley Brookes,Kinzie Kenner,Crissy Moran, Adriana Sage e Crystal Klein.

[Paulo Ferreira]

My most grievous fault

- How long is it since your last confession, my child?
- A long time, father.
- A month, my child?
- Longer, father.
- Three months, my child?
- Longer, father.
- Six months?
- Eight months, father.
He had begun. The priest asked:
- And what do you remember since that time?
He began to confess his sins: masses missed, prayers not said, lies.
- Anything eles, my child?
Signs of anger, envy of others, gluttony, vanity, disobedience.
- Anything else, my child?
There was no help. He murmured:
- I... committed sins of impurity, father.
The priest did not turn his head.
- Whit yourself, my child?
- And... whith others.
- With women, my child?
- Yes, father.


- James Joyce, A Portrait of the Artist as a Young Man

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, dezembro 15, 2005

José Saramago (notas)

Uma das coisas que mais aprecio em José Saramago é a sua capacidade inventiva, ou a sua originalidade criativa. Não digo que aprecie, por exemplo, a forma barroca que Saramago arranjou para escrever os seus livros. Porém, temáticas de livros como As Intermitências da Morte são, pura e simplesmente, brilhantes. Imaginar que chegará o dia em que a morte deixará de matar é, para além de surreal, uma imagem que não pode deixar de inquietar o leitor comum. Ainda mais quando no Público de hoje se noticia que um político regional brasileiro quer impedir os seus cidadãos de morrerem. Com efeito, a morte, nas suas mais variadas formas, sempre foi um assunto recorrente na literatura e na vida em geral. No caso de Saramago, temos a velha morte, vestida de negro, com o seu tenebroso crânio tapado por uma túnica. Temos a velha e funesta morte a fazer greve e a, posteriormente, voltar a matar. Temos a morte que quer voltar a matar mas que não consegue apanhar um simples e pobre violoncelista. Temos a morte que deixa de ser morte porque se apaixona pelo mesmo violencelista. Enfim, temos a morte vista sob várias perspectivas, sempre todas elas interessantes.

Quanto ao Saramago não-escritor, não tenho palavras. Nada do que o senhor diz se parece coadunar com a realidade que me rodeia. Desde as suas opiniões sobre Israel e a América às suas opiniões sobre o mundo político em geral, nada me parece fazer sentido. Nada. Nem Lanzarote me parece fazer sentido. Nada.

[Paulo Ferreira]

Apologia do tabaco

Fumar é um acto cívico. Tão cívico quanto outro qualquer. Minto. Fumar não é um acto tão cívico quanto ler boa literatura (a menos que se consiga conciliar o acto de fumar com o acto de ler).Por outro lado, existem actos que não são cívicos. Por exemplo, comer de boca aberta não é um acto cívico. Dizer o que vem à cabeça também não o é. Mesmo assim, não poucas são as pessoas que comem de boca aberta ou as pessoas que só falam aquilo que lhes dá na real gana. Exceptuando algumas (poucas) excepções, são essas mesmas pessoas que devoram um porco à vista de todos ou que, seguindo os padrões do novo-riquismo, se dão ao prazer de conciliar a combinação de lexemas estrangeiros (pastiche, por exemplo) com o português padrão exigido às pessoas que dizem sempre o que pensam e que pensam sempre o que dizem. Para essas pessoas respeitadoras da forma de viver nacional, fumar não é um acto de civismo. Não. Para essas pessoas, fumar é um acto diabólico, é uma forma repugnável de afronta aos padrões nacionais e humanos. Com efeito, para quem vive a sua vida com hálito de cebola, fumar é um acto repugnável e hediondo que, um dia, acabará por destruir o mundo. Porém, para esses grandes devoradores de pensamento light, digo e repito: fumar é um acto cívico. Tão cívico quanto outro qualquer. Fumar não prejudica a saúde: enaltece o espírito. Fumar, ao contrário do que muito se pensa, não mata, consome. Fumar ajuda a fugir, ajuda a passar o tempo, ajuda a quebrar os momentos de solidão. Enfim, fumar ajuda um pouco a enfrentar esta confusão a que se chama vida.

O acto de fumar é um acto cívico, repito. Quem se esquece disso, esquece-se que, durante a Segunda Guerra Mundial, o melhor amigo do soldado foi o cigarro (ou, noutra perspectiva, a sua arma). Esquece-se ainda que o café sabe melhor quando se fuma. Esquece-se ainda que dá mais estilo. Que torna mais cool andar com um cigarro a roçar a ponta dos queixos. Quando se fuma, é-se James Dean, é-se Elvis, é-se De Niro. É-se cool. Mesmo a ler o jornal, fica sempre bem o cigarro da praxe. Portanto, àqueles sujeitos que dizem sempre o que pensam e que pensam sempre o que dizem (durante o tempo que gastei a mudar de parágrafo, cheguei à conclusão que isso inclui os que comem de boca aberta), deixo uma sugestão: ponham um cigarro na boca e esqueçam lá o fumo e o futuro do ambiente. Ou então deixem de andar de carro.

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, dezembro 14, 2005

O louco II

O louco era louco porque nadava, nadava, nadava, e nunca chegava à sua meta. «Nada, campeão! Dá ao braço!», ouvia ele.

[Paulo Ferreira]

O grande poeta

Ele era um grande poeta. O poeta é caracterizado por combinar uma extrema sensibilidade com um sentimento de grande profundidade emocional. Ora, ele era tão bom poeta que a sua cara era a cara da poesia: enquanto o lado direito da cara olhava, sorria e questionava os transeuntes, o lado esquerdo sofria continuamente, chorava permanentemente os males do mundo, a experiência assimilada. A sua grande dúvida, sentado à escrivaninha, era: com que mão escrever hoje?

[João Silva]

O louco

O louco vivia num país onde trabalhar era difícil. O louco vivia num país onde o conceito de iniciativa era praticamente inexistente. O louco vivia em Portugal, um país onde o Estado é dono e senhor de tudo o que respira e que não respira. O louco era louco porque sonhava. O louco era louco porque pensava, humildemente, que no seu país a iniciativa e a originalidade eram premiadas. O louco era louco. E morreu, asfixiado.

[Paulo Ferreira]

A ler II

A entrevista de José Mário Silva a Enrique Vila-Matas, na edição de hoje do DN.

[Paulo Ferreira]

A ler

O post do meu caro amigo Bruno Alves sobre Jerónimo de Sousa e a (falsa) «viragem» da face política do Partido Comunista. O PCP, não estando a mudar os seus fundamentos, deu, no entanto, a mão ao «pós-fascismo», com um homem mais perto dos militantes, dos «soldados», do que dos «funcionários». Parece um tema e uma constatação óbvia, mas é mais importante do que normalmente se pensa. Fica um excerto signifivativo do post: «O carácter unipessoal da eleição, e a presença de Jerónimo nos vários debates, atrairá sobre si uma atenção, e simpatia, que o PCP, enquanto partido, dificilmente conseguiria atrair. Se é verdade que a sua campanha é feita para fazer passar a mensagem do PCP, é também verdade que o facto de Jerónimo de Sousa se apresentar enquanto "Jerónimo de Sousa", e não como "Secretário-Geral do PCP", facilita o aproveitamento dessa onda de apreço de que tem sido alvo. E que é, diga-se de passagem, algo de extraordinário, conquistado com todo o mérito pessoal».

[João Silva]

poema

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura


- Mário Cesariny, Pena Capital

[João Silva]

Secretárias de sonho


Maggie Gyllenhall

[João Silva]

Aniversário

O casa de osso faz um ano. Parabéns.

[Paulo Ferreira]

terça-feira, dezembro 13, 2005

Estranho mundo

Observando um sujeito que se aparenta com Denis Rodman na forma de vestir e com o excelso Michael Moore na forma de pensar, chego à conclusão que existem formas de vida muito estranhas. Não que, antes de observar esta estranha personagem, não tivesse conhecimento da existência de seres estranhos. Pelo contrário, é observando-me ao espelho que me apercebo do ridículo do meu mundo. O meu mundo é estranho. Eu sou estranho. Provavelmente, o mundo que me rodeia não será menos estranho. Ora, este ser aparentado com Rodman e com Moore apresenta-se a meus olhos como uma figura estranha, quase mais estranha que a maioria dos mortais que me rodeiam no dia a dia. Este ser, dir-se-ia, extraterrestre, por mais que tente ser normal, não consegue. Geralmente, as pessoas ditas «normais» vivem com milhões de deficiências e de problemas relacionados com a loucura. Porém, essas pessoas normais escondem as suas deficiências e os seus problemas. Porque temem o vexame e a humilhação. Temem que, se dessem liberdade à maior parte das suas loucuras, se vissem presas dentro de um hospício. Portanto, essas pessoas que se escondem são normais, precisamente porque se escondem. Já o ser extraterrestre, que tenho vindo a observar durante os dias, não esconde nada. Nada. Todo ele é loucura. Todo ele é demência. Todo ele é um riso louco que, a qualquer momento, pode ferir ou matar. Este ser é um indivíduo perigoso, mais para ele próprio do que para os outros, é certo, no entanto, nada me impede de pensar que um homem que se apaixona pela loucura a este ponto se pode tornar letal como uma bala, funesto como uma peste. A menos que indivíduos como este, que não temem o vexame nem a humilhação, não conheçam os padrões sociais que, segundo alguns, tornam toda esta balbúrdia numa sociedade estável. Quanto a mim, vou pelos Gregos. Vou pelo Pharmakos. Matemos os feios. Acabemos com a loucura. Comecem por mim.

[Paulo Ferreira]

segunda-feira, dezembro 12, 2005

Morte gloriosa

Gombrowicz desejava uma morte gloriosa. Gombrowicz sonhava, aliás, com o dia em que, por exemplo, morreria na cruz, como o Senhor. Numa tarde de calor, Gombrowicz, homem triste por vocação e cómico por acidente, morreu. A palitar os dentes.

[Paulo Ferreira]

O espelho de Oss

O espelho de Oss dava sinais de perfeição. Oss era bem parecido. Oss, diziam as mulheres, era realmente lindo. Oss dizia o mesmo dessas mulheres. Oss era lindo. «No meu espelho vive a cara do amor», dizia. Oss tinha uma dessas belezas de quadro renascentista. Uma beleza ambígua de homem de retrato. Oss não se importava. No entanto, Oss era tão bem parecido que, um dia, o seu vizinho o sodomizou. «És bem parecido», ia dizendo o vizinho enquanto Oss se debatia. No auge do desespero, não conseguiu viver com o peso da dualidade. Comprou um revólver e acabou com a própria vida. Oss ainda é belo. Escusado será dizer que apenas disparou no espelho. Disparou na cara que o olhava do espelho. Oss era meio cobarde, mas há que lhe dar crédito: ao disparar contra a beldade no espelho, Oss mostrava que ainda era um homem, agora em luta contra todos os espelhos que lhe revelem de novo a sua vítima.

[João Silva]

Polaroid

P. era um apaixonado. Aquilo a que alguns chamam um rapaz dedicado ao momento. De facto, P. era tão apaixonado pelo momento que, ao penetrar na boca desprevenida da sua namorada com a língua, dobrava-a para trás com força. Enquanto a rapariga sonhava com amor, P. zelava para que os dois corpos se mantivessem inertes, como se o Céu preparasse um polaroid de um casamento.

[João Silva]

Dois corpos

No passado obscuro, a minha mão perdida, à tua procura. Num futuro apolíneo, as tuas mãos sem vida, amando. Em nós, olhos sem expressão, acompanhando todo o dealbar de um novo beijo que, fogo extinto, será apenas a junção de dois corpos desiludidos.

[João Silva]

domingo, dezembro 11, 2005

elogio do príncipe da dinamarca

coitado do hamlet
assassinado
empurrado
para o sepulcro que é

oculto entre reposteiros
sem paixões
como os ladrões
que lucram trinta dinheiros

coitado do que ele vê
crimes espectros
correctos

coitado do hamlet

- Mário Cesariny, Manual de Prestidigitação

[Paulo Ferreira]

sábado, dezembro 10, 2005

Da casa


Kenneth Branagah

Este senhor faz hoje 45 anos. Um excelente actor condenado a filmes menores. Que ainda terá o seu reconhecimento nesta vida. Espero eu.

[João Silva]

Crane

Crane, atleta brilhante e pensador genial, tinha uma forte tendência para a auto-destruição. Um dia, depois de um momento de glória desportiva, pensou no Homem e na sua triste existência. Refugiou-se em casa e, com uma lâmina, desenhou um estrondoso H nos peitos.

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, dezembro 09, 2005

Bartleby

Há o caso de quem se renuncia a escrever porque se considera ninguém.

- Enrique Vila-Matas, Bartleby & Companhia

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, dezembro 08, 2005

A importância da força

A 7 de Dezembro de 1941, a marinha japonesa efectuava um ataque em massa a Pearl Harbor, num golpe material e moralmente devastador para a estacionária frota americana. No filme Tora! Tora! Tora! é célebre o alerta de um almirante japonês face à euforia da vitória dos seus compatriotas: «Apenas acordámos o urso adormecido». Assim foi. No dia seguinte, a 8 de Dezembro, os Estados Unidos da América declaravam guerra a Hirohito e entravam formalmente na Segunda Guerra Mundial. Um dia que viria a determinar o futuro do Mundo. Um dia que deve ser memorizado quando se pensa na importância de ter um país como os EUA do «nosso» lado.



[João Silva]

Engolir

No debate de hoje, Jerónimo de Sousa afirmou que Mário Soares (durante os anos da sua presidência) «foi um árbitro que engoliu muitas vezes o apito». Só por isso, Jerónimo merece um grande abraço e, para ser franco, uma votação generosa.

[João Silva]

O português típico

Quando me falam do «português típico», penso imediatamente num pacato cidadão que gosta de palitar os seus maviosos dentes, entupidos até às gengivas de saudável bacalhau da Noruega. Penso também em (muito) vinho tinto e no 25 de Abril. Ora, esta pode não ser a imagem mais ideal do português típico. Admito, até, que não exista aquilo a que se possa apelidar de «típico». Com efeito, não acredito que a população portuguesa, na sua generalidade, tenha comportamentos excessivamente padronizados, que se possam incluir naquilo a que, muito alegremente, chamo de português típico. Numa visão um tanto ou quanto inócua, diria que os comportamentos mais padronizados das gentes portuguesas não se encontram em território nacional. Não, encontram-se espalhados por essas saudosas comunidades de estrangeirados da França, da Alemanha , dos Estados Unidos, do Canadá, etc. Quem não conhece a descendente de famílias transmontanas, que se costuma passear no Verão pelas praias portuguesas com as suas pérolas linguísticas do género «Oui Gabi, agora é que dissestes tudo: nem tanto ao mar nem tanto à terra.» Quem não conhece o senhor Navalhadas, antigo ganhador de pão nos Estados Unidos, que passa a vida a chorar pelo pendurar das botas de Eusébio? Enfim, se existe um português típico, esse português não se encontra em Portugal. E, se, por acaso, se encontrar, é porque já passou as passas do Algarve no estrangeiro em décadas anteriores ao presente.

O português típico é muito difícil de avaliar. E, com as modernidades que se têm visto aparecer nos últimos tempos, torna-se cada vez mais complicado descobrir o verdadeiro lusitano. Assim, será português típico o jovem que se deslumbra pelo carro artilhado até aos pneus? Será típico o ex-combatente pós-salazarista que, de tempos a tempos, se lembra que é motorista de autocarros e já não carrasco? Será português típico o senhor que fica doente quando o Benfica não ganha um jogo? Será típico o homem que bate na mulher para que ela não tenha ideias (a isto, chama-se «bater na antecipação»)? Será típica a deslumbrante mulher que, misteriosa, passeia os seus cabelos encaracolados a la Marco Paulo? Ou seja, devido à grande variedade de «particularismos» existentes em torno das pessoas que habitam o solo português, chego à conclusão de que, em vez de existir um típico português, existem vários, cada um diferente do outro, mas sempre com a grande bandeira portuguesa estampada na testa.

[Paulo Ferreira]

A ler

«Calotes», artigo de Francisco Sarsfield Cabral, no Diário de Notícias. Aqui fica a reprodução à Insurgente:

"Dívidas das autarquias asfixiam construtoras", titulava o DN há uma semana. Em causa estão 550 milhões de euros, sendo meio ano o prazo médio de pagamento efectivo. Há câmaras que demoram a pagar mais de um ano. Esta é uma forma de contornar os limites impostos ao endividamento das autarquias. Mas pagar tarde e a más horas não é um hábito apenas dos municípios. O Estado central deve dinheiro a toda a gente. Desde as dívidas aos laboratórios e farmácias, até aos atrasos nos pagamentos aos advogados que prestam apoio judiciário, os "calotes" multiplicam-se. A cultura de mau pagador difundida pelo Estado tem várias consequências. Aumentar a despesa pública é uma delas. As empresas e os fornecedores do Estado previnem-se, levando mais caro para se compensarem dos atrasos. Depois, essa cultura espalha-se a toda a sociedade, uma vez que o mau exemplo vem de cima. Na Europa, as empresas portuguesas são, de longe, as que mais tempo demoram a liquidar as suas dívidas, muito para lá dos prazos legais. Em Portugal apenas uma em cinco facturas é paga dentro do período que a lei determina. Ainda mais grave, esta forma de desmoralização da sociedade reflecte-se no fisco. Vão ser divulgados, e bem, os faltosos que não pagam impostos. Falta publicitar as dívidas em atraso das entidades oficiais. É que, se o Estado não paga a tempo e horas, o contribuinte sente-se moralmente desobrigado de cumprir as suas obrigações tributárias. Aí temos um forte estímulo do próprio Estado à evasão fiscal.Mas, como se viu durante o debate parlamentar do Orçamento para 2006, nem o Governo nem os partidos da oposição se preocupam com este cancro. Indício de como ele se encontra já enraizado entre nós. O que também explica que muitas empresas estrangeiras evitem trabalhar em Portugal.

[Paulo Ferreira]

O Anjo da Tempestade


Antoine Wiertz, A Bela Rosina

[Paulo Ferreira]

Os americanos

Pergunta-me o Paulo o que eu acho disto. Ora, serão os americanos mesmo estúpidos? São. Serão os portugueses realmente iletrados? Claro. E os ingleses, serão ignorantes? Pode-se dizer que sim. Qualquer pergunta ou pseudo-estudo sobre a estupidez dos homens (ou sobre o «fenómeno da ignorância», para quem vive no século) terá, necessariamente, de encontrar uma resposta afirmativa. Repare-se na nossa própria miséria intelectual, num país que recomenda «proteger o que é nosso», o que é português, condenando assim boa parte das artes de há 20 anos para cá à quase nulidade.

Ora, também os americanos têm direito a ter acesso a um amor dedicado ao seu país e, em última instância, aos gostos básicos de qualquer homem ou mulher. Quem odeia realmente o actual Presidente americano (para muitos, os presidentes americanos têm todos a mesma cara e o mesmo nome), e perde noites de sono por causa do meu caro George W. Bush, tam o hábito de dizer que os Estados Unidos (a «Améreca») estão sublimemente representados nos patriotas do Sul do país, amantes de NASCAR, muitos deles apoiantes da NRA e apreciadores (em igual nível) tanto da Super Bowl como dos grandes «rallies» repubicanos. De facto, em parte, a «América» pode, actualmente, ser representada assim. Para quem não conhece o país, estas pessoas simples podem mesmo ser encaradas como a grande ameaça à segurança global. Mas o que dizer, então, de nós, onde o primeiro-ministro assiste solenemente aos jogos de futebol ou a mulher do Presidente veste a bandeira nacional para assistir a jogos da selecção? Ou de um sítio na Europa onde as simples gentes de Canas de Senhorim rasgam a camisa e dão o peito à morte clamando pela independência da vilória?

Todos os países têm uma camada «menos erudita». A cultura do hamburger como a do tremoço, a do NASCAR como a do futebol britânico, assim como também há a causa para a abolição do controle de armas como a causa pela laicidade agressiva do Estado na Europa (valor irrelevante das origens dos Estados Unidos, onde as crenças individuais estão acima da «crença de Estado»).
Porquê troçar então de Charlton Heston ou de Grover Norquist e das suas causas quando em Portugal há gente que, à vista de um barco holandês, corre e salta para o Tejo a gritar: «Eu já abortei!»? A questão é delicada, sobretudo porque falamos de um país (EUA) que terá, talvez, as melhores universidades do Mundo. Afinal, todos os países têm direito a ter a sua tradição popular, o seu patriotismo.

E, enquanto os Estados Unidos não abraçam as ideias «Progressistas» e extremamente «Humanistas» que, por exemplo, na Revolução Francesa se adoptou - exterminar camponeses na Vendeia -, vai-se dando espaço à existência e à escolha possível das tradições populares, simples. Estupidez ou não, essas tradições existem em todo o país conhecido.

[João Silva]

Estou a ver

que te estás a preparar para aparecer sexta-feira no Fox Trot! Muito bem, meu caro, muito bem.

Ah, e subscrevo o teu post com duas ou três ressalvas de pormenor.

[Bernardo Sousa de Macedo]

terça-feira, dezembro 06, 2005

O povo americano é mesmo estúpido?

É típico de gente com uma grande formação em pequenos nadas criticar o «outro». Com efeito, para quem não sabe nada de nada, criticar o «outro» é o melhor desta vida. Por exemplo, a América. Quantos desses grandes especialistas em temas como o amor não correspondido sonham em escrever, um dia, um livrinho de setenta páginas que relate os podres escondidos da sociedade americana? Tendo em conta o número de livros de Noam Chomsky existentes nas estantes da Fnac, diria que muitos. Muitos são, então, os que sonham com a escrita do livro perfeito, com a escrita do livro que contém as «verdades» todas sobre o país de todos os males. Ora, não discuto o facto de os Estados Unidos serem dos países que mais problemas enfrentam neste preciso momento(alguns desses problemas representam, aliás, uma tragédia). Também não discuto o facto de existirem pessoas nos Estados Unidos que, só por si, conseguem tornar dispensável alguma da opinião antiamericana que corre por este paraíso celeste, a que se costuma dar o nome de Europa. Porém, e pensando bem nos problemas que a América tem por resolver neste momento, dir-se-ia que existem (muitos) países em situações bem piores. Olhe-se, por exemplo, para esse grande país qe é, se não me engano, Portugal. Olhe-se para a França, olhe-se para a Itália, olhe-se para a Alemanha. Olhe-se.

Desde que George W. Bush ganhou o seu segundo mandato presidencial que muitas têm sido as vozes a levantarem-se, quase histericamente, contra o país onde, a cada dia que passa, um novo cidadão tem direito a sentir-se amordaçado (Michael Moore, Sharon Stone, Jared Leto, blá, blá...). Chega-se, por vezes, a afirmar que George W. Bush só está no poder porque os americanos são burros ou estúpidos. Chega-se, aliás, a afirmar que só existiu 11 de Setembro porque já se adivinhava uma invasão a um inocentíssimo país muçulmano. No entanto, e esquecendo a argumentação mais bacoca de alguns cronistas que se passeiam por este alter-mundo que é o nosso, muitos são os que se esquecem de olhar para a sua própria casa antes de falarem das casas dos outros. Por exemplo, Sharon Stone. Em que país islâmico é que essa prendada senhora teria oportunidade para mostrar as suas partes íntimas? Jared Leto? Michael Moore? Mesmo dentro do nosso simpático país, que legitimidade tem um senhor que apoia Carrilho e Mário Soares em diferentes eleições, como parece ser o caso do brilhante, e não poucas vezes genial, Eduardo Prado Coelho, para ser contra a América de Bush? Ou para apelidar os americanos de estúpidos? Nenhuma.

Depois, vem a questão da estupidez. Ora , o que se quer dizer com a expressão «os americanos são estúpidos»? A meu ver, esta questão só poderá relacionar-se com o facto de existirem coisas como Yale ou Harvard, ou com o facto de existir um regime político que nunca na sua existência conheceu o cheiro de uma ditadura. Sob o ponto de vista existencial de Eduardo Prado Coelho, admito que a liberdade individual nos Estados Unidos seja muito limitada. Para chegar a esta modesta conclusão, parto do princípio que os americanos possam trocar de carro todos os anos sem grandes desvantagens monetárias. Parto também da tragédia de Sean Penn, homem que teve a oportunidade de ver o seu barco afundar-se em Nova Orleães, enquanto fazia o trabalho das autoridades à sua maneira (pela forma como o barco se afundou, estou em crer que Penn rege-se muito pelas regras portuguesas do «é agora ou nunca»). Brincadeiras à parte, parece ser surrealista afirmar-se, num país apertado como este nosso Portugal, que a liberdade nos Estados Unidos seja limitada.


[Paulo Ferreira]

Saia curta

Ela era tão profissional que, um dia, o seu patrão, encantado, pediu-a em casamento.

[Paulo Ferreira]

Pastiche*

Ele era tão culto que, de cada vez que salivava, caía-lhe um pastiche da boca.

* post com dedicatória

[Paulo Ferreira]

Acherontia Atropos



Acabo de ler As Intermitências da Morte e, surpresa das surpresas, gostei.

[Paulo Ferreira]

Alto risco

Ele era tão engenhoso nos seus envolvimentos sexuais de alto risco que, um dia, viu-se morto. Sequinho.

[Paulo Ferreira]

Tristesse II

Dizia, há tempos, um caro amigo que deplora o facto de se associar a infelicidade pessoal ou privada de um escritor à suposta «genialidade» da sua obra. Isto é, o que esse meu amigo queria dizer era que o escritor «não precisa de sofrer» para ser um bom escritor. De facto, tem razão. E não tem.

O que é, portanto, «sofrer»? Aquilo a que se chama sofrimento tem muitas faces, muitas interpretações, muitas modas. Para uns, sofre quem «não é feliz». Para outros, sofre quem tem dores. Para aqueloutro, sofre quem não tem ninguém. Ainda para uns, sofre quem gosta de sofrer. No fundo, todos têm razão. O «sofrer» é alvo de diversas interpretações, das mais apolíneas, rígidas, às mais natalícias, mais comerciais (sofre quem é feio ou quem não se sabe apaixonar). Mas o sofrimento «pré-destinado» é, parece-me, aquele do qual ninguém se lembra.

É perfeitamente dispensável Mas, no entanto, rodeia certos autores de uma aura mística, inolvidável. É lendária a desgraça pessoal de Dostoiévski, «condenado» a gastar tudo nos locais de jogo (na verdade, o ínfimo conhecimento desse mundo inspirou-lhe pelo menos um livro e inúmeras cenas noutras obras), ainda que fosse considerável a sua fonte de rendimentos. É inesquecível o problema de Hemingway com o álcool e com a boémia. É violenta e marcante toda a vivência, toda a história de Nelson Rodrigues e da sua família no Brasil. Até Jünger pertence a um universo inatingível para a esmagadora maioria dos comuns mortais, visto que se conta que se feriu uma dúzia de vezes na I Guerra e uma dúzia de vezes lá voltou. Curiosamente, Jünger só morreria à beira de completar 103 anos, um pouco como uma concessão, e também uma piada de mau gosto, dos deuses aos bem-aventurados.

O escritor não precisa de «sofrer» publicamente, não precisa de ter podres nos seus assuntos privados, não precisa de polémica, brigas, suicídio, boémia, desgraça ou qualquer outro páthos para se poder dedicar inteiramente a uma escrita que roçe o sublime. No entanto, são esses «males», essas misérias pessoais que os imortalizam, dando à sua obra toda uma outra leitura, toda uma outra vida paralela. E isso está, penso eu, para além da gramática.

[João Silva]

Partes tenras

O «atracão», que eu pratico com denodo e impunidade nessas ruas pejadas de gente quando há arraial na terra, é maneira mais em voga de inspirar simpatia, ternura ou paixão à mulher. Torcer entre dois dedos, rangendo os dentes, a ponta dum seio ou a polpa duma nádega, é uma gentileza, um piropo, uma galantaria. Herdei talvez das Conquistas o hábito de escolher a fêmea como se escolhe o melão na praça: amachucando-lhe as partes tenras.

- José Rodrigues Miguéis, As Harmonias do «Canelão»

[João Silva]

segunda-feira, dezembro 05, 2005

O estado das coisas



Depois de uma conversa com amigos, surge uma conclusão. Para cúmulo da minha infelicidade, esta oportuna imagem de Prince é a que parece melhor caracterizar o estado da criatividade aqui em casa.

[João Silva]

A velha (variação em torno de um mesmo texto)

A velha entra no supermercado com ideias de comprar um pedaço de carne. Um pedaço. A velha tem rugas, pêlos, varizes. A velha tem dores. Mesmo assim, a velha deseja ardentemente um pedaço de carne. Para o mastigar (ou para se esquecer das dores).

[Paulo Ferreira]

A velha

A velha entra no supermercado com ideias de comprar um pedaço de carne, sem saber que o pedaço que encontrar sairá do corpo do seu defunto marido.

[Paulo Ferreira]

Gonçalo M. Tavares II

Através de uma breve troca de impressões, descubro que Ernst Jünger, nome que serve de título a um texto do livro Biblioteca, também é o preferido de M. Tavares.

Ernst Jünger

Mesmo debaixo da batalha existia um quarto reduzido, onde um escritor (um homem que pode desperdiçar tempo) se demorava três frases sobre o modo como a bala ou a bomba entram em certas cartilagens bípedes.
Contudo, a mistura entre o metal e a carne é tão antiga como o Homem. Morre-se com metal no coração ainda antes de se saber que o Homem tinha coração.
Eliminar antes de compreender. E se queres conhecer algo sobre esta espécie animal aqui tens um bom resumo.

- Gonçalo M. Tavares, Biblioteca

[Paulo Ferreira]

Gonçalo M. Tavares I

Passo pela Almedina para arrancar algumas (preciosas) palavras ao meu escritor português preferido e consigo. Vinte minutos à conversa com Gonçalo M. Tavares. Só eu e ele. Os dois. Os pêlos dos braços arrepiaram-se.

[Paulo Ferreira]

Desabafos de um escritor

Afinal, a crítica literária ainda serve para alguma coisa.

[Paulo Ferreira]

Miguel Esteves Cardoso

Se não estivesse a escrever sobre um autor que muito aprecio, seria capaz de exclamar, a plenos pulmões, um grande ufa! de alívio. Afinal de contas, não é todos os dias que se acaba de ler «toda» a obra de um autor. Felizmente, como a obra em causa é a obra de Miguel Esteves Cardoso, não sinto qualquer tipo de alívio ou de contentamento por ter acabado de ler todos os livros que ele escreveu. Pelo contrário, sinto-me triste, terrivelmente triste por não poder comprar livros de Miguel Esteves Cardoso que ainda não tenha lido. Esta sensação de impotência, que a partir de hoje me acompanha, é similar àquela sensação do jovem apaixonado que, no momento em que os beijos lhe sabem melhor, vê o seu par romântico fugir-lhe entre os dedos sem nada poder fazer.

Neste momento poderia estar a escrever uma elegia dedicada a Esteves Cardoso, repleta de perfumes cientificamente literários. Porém, como não me vejo capacitado nem com vontade para fazer tal coisa, limito-me a reafirmar a minha extrema devoção por um escritor/cronista com quem tanto aprendi. Não digo que tenha sido bastante influenciado por Esteves Cardoso na minha forma de escrever ou de pensar, até porque seria um acto deveras pretensioso da minha parte julgar-me herdeiro de Esteves Cardoso. Assim, e para que não surjam confusões , escrevo que não, que não me sinto suficientemente dotado sequer para me sentir leitor de Esteves Cardoso. Com efeito, o autor de livros como Os Meus Problemas ou O Cemitério de Raparigas é um vulto superior da cultura contemporânea portuguesa. Sem dúvida. Logo, parto do princípio que não existam muitas pessoas com capacidade suficiente para se tornarem vultos de uma cultura nacional, seja ela de que país for. Eu, sendo um mero imberbe nestas coisas, apenas me posso congratular por ter acesso a uma das figuras que mais gosto me fez ter pela leitura. No entanto, se tivesse que acabar agora este pequeno texto, e com certeza que o vou acabar daqui a poucas palavras, diria que Miguel Esteves Cardoso é aquele escritor que eu gostaria de ser um dia. Que gostaria de ser. Um dia. Sem hipóteses para lá chegar, bem sei. Mas, mesmo assim, gostaria.


[Paulo Ferreira]

domingo, dezembro 04, 2005

Novo blog

A senhora dona Ana tem um novo blog: o Simples Sopros.

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, dezembro 02, 2005

Estilo

Zeca era tão sensual que, entre a hora de sair do emprego e a hora de deitar, atacava em chuveirinho.

[Paulo Ferreira]

Final de tarde

Ela entra no carro. Perdida. Uma lágrima percorre-lhe a face. À sua espera encontra-se um homem. Alto, gordo, feio, mau. No outro extremo da cidade. O homem encontra-se no outro extremo da cidade à sua espera. Com uma faca escondida no casaco. Com uma faca escondida no bolso para a matar. É mau, o homem. Um verdadeiro assassino à antiga. Ela sabe o caminho para o outro extremo da cidade. É para lá que conduz o seu automóvel. A toda a velocidade. Para o outro extremo da cidade. Vai morrer, a mulher. Perdida.

[Paulo Ferreira]

O amor (prelúdio à Primavera)

O amor é um de muitos fenómenos celestes que, à semelhança dos extraterrestres, pouco ou nada se deixam mostrar. É nas noites mais frias (ou solitárias) que contemplo, à distância, certos fenómenos celestes. Contemplo. Só. Contemplo, sem com eles conseguir interagir. O amor. Que bonita expressão. O amor. Poderia ficar uma noite inteira a escrever repetidas vezes essa expressão. Nada se alteraria. Eu não chegaria a ele nem ele chegaria a mim. O amor, enganador sentimento que faz com que o Homem cometa as maiores loucuras. O amor, ferida aberta que nunca deixa de doer. O amor, que torna as pessoas meros rótulos nos quais se inscrevem coisas como wanted ou not wanted. O amor.

[Paulo Ferreira]

Frases que fazem despertar

«Ainda não sei bem quem é Co Adriaanse. Mas sei quem é Jorge Costa e é muito pouco digno o que se passou em relação à saída do capitão. O Bruce Willis de Ermesinde.»

- Francisco José Viegas, n'A Origem das Espécies

[João Silva]

O ciclo racional

Quatro homens viviam em conjunto. Felizes. A determinada altura um dos homens decidiu convencer outros dois a eliminar o quarto elemento do grupo. «Ele tornou-se perigoso. De qualquer forma, ficaremos com os seus bens», disse. E assim foi. Mataram o quarto elemento. No entanto, os outros dois aproveitaram e eliminaram também o terceiro no momento. Este terceiro, concordaram eles em segredo, «era um sujeito perigoso, vingativo. Tinha de ser morto antes que nos virasse um contra o outro». A ameaça desapareceu. Ficaram, também com os bens do terceiro, assim como do quarto elemento. Acabava de nascer, portanto, o pensamento racional.

[João Silva]

Mal


Eric Fischl, Bad Boy, 1981

[João Silva]

Nota de curto adeus

O A Vida dos Meus Dias acabou em grande (com Raúl Brandão). Esperemos que este abandono da caríssima senhora Ana Gomes Ferreira não seja prolongado e, claro, que não abranja o resto da família.

[Paulo Ferreira]
[João Silva]

A ler

«Da nossa poesia mais actual», post de Luís Carmelo, no Miniscente.

[Paulo Ferreira]

Civilização

A nossa civilização só se desenvolveu no plano material. Perdeu a alma.

- Fernando Namora, A Cavalgada Cinzenta

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, dezembro 01, 2005

Pensamento do dia

Massagista é aquela pessoa que começa fazendo massagem e acaba masturbando o massageado.

[Paulo Ferreira]

Tristesse I

Há tempos, numa entrevista, uma inexpugnável representante da mentalidade popular (sob a forma de «entrevistadora») perguntava, num jornal qualquer, a Pedro Paixão: «porque é tão infeliz se ganha bem e tem uma boa vida, um bom emprego?». Para a jornalista, a pergunta já trazia a resposta. Era uma pergunta do género daquelas que apenas querem dizer «nem-acredito-nem-me-interessa-vou-só-perguntar-para-ver-o-que-este-parvo-responde». Pedro Paixão era, para ela, uma crua representação do escritor que «se faz triste». A jornalista era, para mim, uma crua representação da felicidade eterna: Deus não salva, o «homem tem de se salvar a si mesmo, ser feliz todos os dias».

Eu diria que a divisão entre as mentes hiperactivas e as mentes que se julga «cinzentas» é muito ténue. Um homem não é triste porque não consegue o que quer. Um homem não é «desiludido» porque teve desilusões, porque uma mulher se foi embora e não voltou, porque o pai ou a mãe lhe batiam ou se batiam. Se tudo fosse assim tão simples, não valia a pena esperar por bons escritores e boas obras. Estariam em todo o lado: todo o homem despedido de um emprego escreveria um Crime e Castigo brilhante, todo o namorado traído produziria um Werther, provavelmente até Bryan Adams, pobre diabo da música ligeira, debitaria imensos volumes da poesia mais lírica e desiludida, odes ao profano verão de 1969.

A jornalista, ao perguntar a Paixão porque razão não atinge a Felicidade, se tem um «um bom emprego», uma «boa vida», deitou por terra quilómetros de biblioteca, rasteirou as pernas de todo o homem ou mulher que vê o mundo, não voluntariamente triste para a fotografia, mas de olhos semi-cerrados, simplesmente cansados, nada mais. Perde-se a vivacidade, odeia-se a vida, perde-se a réstia de optimismo pela raça humana, mas não se corre para um penhasco nem, necessariamente, se junta a uma brigada revolucionária. Nem a vida perde «interesse», mas sim apenas «razão de ser». Mesmo as histórias tristes dos homens têm interesse, se não forem as únicas que têm.

Tenho quase a certeza que Celan não hesitou, antes da sua morte: «e se a minha vida, afinal, for realmente boa?». Não, muito longe disso - tristeza é, apenas, cansaço. O grande cansaço.

[João Silva]

O génio IV

Ele pensava. Ela não.
Ele lia. Ela folheava.
Ele sabia qualquer coisinha. Ela queria saber.
E por isso, para ela, ele era genial.

[João Silva]

A grande fraternidade

O que Johnson nunca pôde imaginar é que a sua morte o tornaria uma espécie de Werther nova-iorquino, pois a cidade, de manhã à noite, imitando Paris, povoou-se de jovens suicidas que, deslumbrados por aquela morte com bule de prata barroco, atiravam-se das pontes suspensas, não sem antes escreverem divertidas cartas aos juízes, expondo-lhes os mais variados motivos para abandonar esta vida.

- Enrique Vila-Matas, História Abreviada da Literatura Portátil

[João Silva]

SMS da noite

«Arschloch».

[Paulo Ferreira]

Fernando Namora


Fernando Namora


Segundo um vetusto senhor meu conhecido, Fernando Namora tinha, acima de tudo, um grande coração. Para além de ser um grande humanista, no sentido mais abstracto da palavra, Fernando Namora tinha, então, uma bondade inesgotável para com o próximo. Ora, não sendo a bondade de Fernando Namora algo relevante para a compreensão da sua obra, é, sobretudo, um bom começo para aquilo a que apelido de «a desmistificação da assombração». Com efeito, quando se pensa num escritor de esquerda, pensa-se, sob o ponto de vista politicamente incorrecto do jovem direitista com traços conservadores, no demónio, na maldição de esquerda que a todo o momento poderá fabricar meticulosamente uma chacina ou uma hecatombe sanguinária. Porém, e observando artistas como Namora, chega-se à conclusão de que observar um escritor sob o ponto de vista político é, simplificando as coisas, pura patetice. Fernando Namora foi um grande escritor. Para quem se tenha esquecido disso, Fernando Namora continua a ser um grande escritor. Os seus livros ainda se encontram, felizmente, disponíveis nas livrarias certas. A sua prosa e poesia ainda se encontram no mercado.

É certo que olhando para escritores como Alves Redol, a situação muda um pouco. O mesmo se passa com o Álvaro Cunhal ficcionista que, para mim, pouco tem de ficcionista. Ou seja, existem escritores nos quais se pode encontrar um traço político inapagável. No entanto, o caso de Fernando Namora é diferente. Em Namora, não há política, há angústia, há depressão urbana, há ironia pessimista, há utopia benemérita. Enfim, há um contraste latente entre aquilo a que se chama de mundo imaginado e realidade vivida. Mas, politicamente falando, não se encontra em Fernando Namora o voto escondido.

[Paulo Ferreira]

Elizabethtown



[Paulo Ferreira]

Vida barata

Se a vida não se pode interromper, que mais restará? Só o sono. Logo a única coisa que se ganha em prolongar. Não é preciso chegar aos seis anos de idade para descobrir que mesmo os sonhos mais parados divertem mais que os pontos mais altos da realidade. Saem mais caros, reconheço. Mas a vida, em contrapartida, é demasiado barata para ser tão boa como nos querem fazer acreditar.

- Miguel Esteves Cardoso, O Cemitério de Raparigas

[Paulo Ferreira]