terça-feira, novembro 29, 2005

Silêncio como ar puro

Fernando Namora, numa entrevista (quase milenar) para o Diário Popular, conduzida por Jacinto Baptista, quando questionado sobre o seu ambiente de trabalho, responde muito simplesmente: Preciso de isolamento, preciso de silêncio.( O ruído, para mim, é das piores poluições do mundo de hoje.) Há anos a esta parte, a ambiência que me é mais favorável é a aldeia. Os meus últimos livros, na sua montagem e redacção finais, foram escritos na aldeia.

Ora, tendo sido Fernando Namora um grande escritor, é natural que o leitor de uma resposta como aquela não fique surpreendido por ter tomado conhecimento do facto de o romancista precisar de silêncio para criar a sua «obra». Julgo, até, que não é necessário ser-se Fernando Namora para se chegar à conclusão de que o silêncio é essencial no acto de criatividade literária, qualquer que ele seja. Porém, nos tempos que correm, é cada vez mais difícil encontrar um pequeno espaço onde se encontre silêncio. Nas grandes cidades é impensável. Nas aldeias, nas tais aldeias de que falava Namora, julgo que as grandes ofertas de silêncio e de ar puro já tiveram melhores dias. Pelo menos se se partir do pressuposto de que as aldeias portuguesas actuais, descontando honrosas excepções, já não consistem somente na velhinha dos bigodes d'ouro nem no Chico da Loja. Não. Agora a maioria das aldeias, numa tentativa de acompanhar o progresso citadino, usa e abusa do barulho e do ruído. Com efeito, pelas aldeias abundam os carros artilhadinhos até aos pneus, abundam as festas anuais consagradas a qualquer santo padroeiro, abundam os foguetes, entre outras coisas não menos desprezíveis. Portanto, se a cidade não é ambiente de refúgio para ninguém, a aldeia também não parece ser a melhor solução. Nesse caso, o escritor que queira escrever descansadamente terá, quase obrigatoriamente, que optar por uma terceira via, que talvez passe pela imigração para o Tibete.

[Paulo Ferreira]

Vacas premiadas

Pedro Mexia escreve, na sua crónica habitual no Dn, um artigo deveras interessante. Aqui fica um excerto:

Mas a minha experiência em júris de textos originais (assinados com pseudónimo), leva-me a crer que um texto é quase sempre bom ou mau sem grande margem para dúvidas. É verdade que nesses concursos raramente há consagrados. Mas às vezes há surpresas. Ou nem são exactamente surpresas temos tantos escritores consagrados que nem todos podem ser escritores conseguidos. O nosso problema não está nos grandes talentos esquecidos mas nos medianos talentos empolados.

[Paulo Ferreira]

O estado das coisas



[João Silva]

A ler

Eduardo Pitta sobre Ezra Pound e os Cantos.

[João Silva]

O vilão

Num estúdio de Hollywood discutiam-se, em reunião magna, os retoques finais a dar a uma história que ia ser filmada, quando alguém objectou ao facto de ser mexicano o vilão do enredo: estava-se em guerra, em plena Política da Boa Vizinhança, e o México - vizinho, bom amigo e aliado - podia melindrar-se. A que nação atribuí-lo, então? A discussão prolongou-se, até que uma inteligente secretária-dactilógrafa sugeriu que se consultasse o rol dos países compradores de filmes da empresa. Verificou-se que o quadragésimo e último freguês da lista era Portugal, pequeno mercado, e o vilão, com grande alívia para todos, virou português.

- José Rodrigues Miguéis, É Proibido Apontar

[João Silva]

segunda-feira, novembro 28, 2005

Na estante


José Rodrigues Miguéis


Assim de repente, lembro-me de alguns nomes de escritores portugueses que, com o passar dos anos, vão ficando cada vez mais esquecidos. Destaco, particularmente, os nomes de José Rodrigues Miguéis, de Fernando Namora e de Vergílio Ferreira, que, para meu grande júbilo, figuram todos, uns mais outros menos, entre as modestas estantes da minha casa. Com efeito, Portugal estima pouco os seus escritores, principalmente os seus grandes escritores, como é o caso dos nomes atrás referidos. Tanto José Rodrigues Miguéis, como Fernando Namora ou, até, o próprio Vergílio Ferreira, parecem ser daqueles casos, mais frequentes do que seria desejável, de escritores condenados a serem vendidos em feiras do livro. Bem sei que, por exemplo, Vergílio Ferreira costuma ter os seus livros espalhados um pouco por tudo quanto é livraria, mas, o certo é que, se se fizessem algumas contas práticas, verificar-se-ia que não existe correspondência entre o número de compradores da sua obra e o número de leitores dessa mesma obra. Calculo que fique sempre bem a um qualquer magnata do ramo imobiliário compor as suas prateleiras domésticas com livros de um escritor que dá pelo nome de Vergílio Ferreira (até porque este nome publicou muitos livros, o que permite que o comprador avulso encha muito espaço sem que tenha que conhecer muitos nomes de escritores). Por outro lado, tanto os livros de Rodrigues Miguéis como os de Fernando Namora vêem-se condenados a não serem vendidos e , por conseguinte, a serem recambiados para as luxuosas casas de comércio geridas pelos famosos alfarrabistas.
Com isto, não quero afirmar que ser alfarrábio não seja um luxo. Pelo contrário, julgo até que qualquer escritor que se preze deve sonhar com o «almejado» alfarrábio. Mas, e deixando-me de ironias, é triste que o esquecimento se abata sobre escritores tão bons como Fernando Namora, Rodrigues Miguéis ou Vergílio Ferreira.

[Paulo Ferreira]

O estado das coisas


Maya Kulenovic: "Man",2004

[Paulo Ferreira]

Frases incontornáveis

Ter vergonha é uma virtude muito maior que ser sincero.

- Miguel Esteves Cardoso, O Cemitério de Raparigas

[Paulo Ferreira]

domingo, novembro 27, 2005

Animação cultural

Fernando Namora sempre foi um escritor politicamente preocupado com o mundo que o rodeava. Os seus Cadernos de um escritor são exemplo disso. Porém, e apesar de se virar para um espaço político que nunca será o meu, Namora escrevia, para além de excelente ficção, coisas bastante pertinentes:

A animação cultural, portanto, nesta fase de rudimentarismo das populações, deveria ter em vista fundamentalmente a sensibilização dos espíritos aos seus próprios valores, Ensinar as pessoas a servirem-se dos seus sentidos, a entenderem, a interferirem, a reconhecerem, afinal, o significado e a relevância dos actos que as testemunham. Como escreveu Michel Guy: "dar ao público os meios de se identificar." O convívio com obras de arte, a romagem a monumentos e museus, a organização de exposições, palestras, festivais, de pouco valem, ou o seu vinco será efémero, se as pessoas se sentirem de "fora", se não tiverem sido gradual e insistentemente preparadas para um desfrute genuíno. Daí que a cultura, para ser assumida e dinamizada, precise de veículos mais diversos. E não dispense nenhum dos domínios da actividade humana, a escola, a oficina, o recreio. Em todos eles deverá erguer-se uma antena que capte e transmita esse estremecimento pujante que vibra num povo inteiro quando tem alguma coisa a escutar e a dizer-nos.
Educar, revelar, adestrar o gosto. Mas, primeiro que tudo, incitando as iniciativas espontâneas dos interessados. De contrário, desenharemos abstracções num papel impávido, edificaremos templos mortos, como parece ter sucedido à maioria das Casas da cultura com que muitos países, ditos civilizados, julgaram satisfazer as necessidades culturais dos cidadãos.


- Fernando Namora, A Nave de Pedra

[Paulo Ferreira]

A Invenção de Morel

Só por inspirar-se em Bioy Casares já merece link.

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, novembro 25, 2005

By What Means Redmond Barry Acquired the Style and Title of Barry Lyndon



Saiu hoje, com a revista Sábado, um dos mais belos filmes de sempre: Barry Lyndon, de Kubrick. É favor não deixar escapar.

[João Silva]

melencholia

tardará muito a noite atrás das pedras
pardas, ou quase nada, mas
não se sabe ao certo. tardará

muito alguma coisa
a chegar de viés, imperceptível, ave-
ludada. o anjo espera sentado

e apoia
a cabeça na mão, entre
surdas geometrias

e usadas metáforas, como a prata
delida da tarde pelos olhos
do mastim agonizante.

o anjo aguarda e faz as contas
enquanto entras, nua e neutra,
de cabelos molhados, uma das mãos

cruzando o peito, a outra
a cobrir o púbis, o olhar
semicerrado e tenso,

convidando a foder. lá fora
as estações sucedem-se
impelidas pelos ventos, as marés

regressam sem espuma ao seu encaixe
no silêncio das luas. também os homens
passam e flectem

a coluna, abrigando-se. noite, ó noite
insuportável, rasgada
pelo brilho

dos livros a
aquecerem
os banhos da cidade.


- Vasco Graça Moura, o concerto campestre

[João Silva]

Invenção

Promessa: «A Invenção de Morel» vai ser um blogue muito mais literário do que político. Com esta me convenceu: entra directamente para os links do Lusitano.

[João Silva]

Serge

Serge dedicava-se, de há tempos para cá, às inspirações líricas. Serge não escrevia mal, mas ninguém o publicava. Adoptou, por isso, uma velha técnica: fazia por se «esquecer», voluntariamente, dos seus rascunhos nos cafés literários.

Da primeira vez, deixou lá o caderno durante duas horas. Voltou. Ninguém lhe havia, sequer, mexido.
No segundo café, deixou cair o caderno perto de um editor conhecido e ficou à espreita da janela. O editor pisou-os sem ver.
Da terceira vez, «esqueceu-se» do caderno num café bem frequentado, durante toda a noite. Pensaram que a mesa estava ocupada. Ninguém lhe mexeu.
Desistiu. Ao passar pela tasca do Gafanhas, comprou tabaco e saiu. Só em casa se apercebeu: o caderno tinha ficado com o Gafanhas.

Ao voltar, não estava no sítio. Em vez disso, Gafanhas piscou-lhe o olho e palitou os dentes: «pensei que era lixo». Gafanhas alertou o grupo da sueca: «olha o poeta, olha». Serge saiu a correr em direcção a casa. Da varanda, atirou-se para a rua. Mas sempre lhe faltou uma certa pontaria: caiu no quintal de um vizinho emigrado. Uma vez mais, ninguém reparou na sua obra estatelada no chão. O mortou permaneceu invisível e imóvel durante duas semanas.

[João Silva]

quinta-feira, novembro 24, 2005

Hispânico

T. achava-se bonito. T. negava-o, mas eu quase juraria que ele se achava lindo de morrer. T. costumava dizer que as mulheres preferiam os «latinos», como ele. Gostava tanto de si mesmo que, um dia, depois de contemplar demoradamente a sua tez morena ao espelho, tomou a suprema decisão: inscrever-se-ia nas lições de Latim. O seu sonho: ter uma completa formação latina. No primeiro dia de aulas, T. foi o único a esquecer-se de Vergílio. Na mala, em vez do livro: uma toalha de praia e um bronzeador. T. desistiu. Anda, de momento, no ginásio Malhar.

[João Silva]

Violência

Uma rapariga num corredor: «Hoje não estudo. Esta semana é a Semana da Violência.»

[João Silva]

As intermitências da morte

Quando se quer tentar perceber algumas das polémicas que, de tempos a tempos, vão circundando a literatura, o melhor é ler-se sempre a crítica literária de quem a sabe fazer. Por isso mesmo, limito-me a citar Nuno Júdice, que escreveu, na Atlântico, um bom artigo sobre o mais recente livro de José Saramago:

Pródigo de invenção e de escrita, este romance de José Saramago pode ser inscrito desde já no campo dos grandes textos alegóricos da nossa cultura.

[Paulo Ferreira]

Estar

Ela precisava de ser, no sentido em que só se é quando se está aqui. Ela era importante. Um pouco como a noite, dando aos meus dias um início e um fim. No caos, dando-lhes a certeza do anoitecer.

[João Silva]

terça-feira, novembro 22, 2005

Soares

Tenho amigos que já bufaram de desesprezo ao saberem que me oponho completamente à candidatura de Mário Soares. Tenho outros que vibram de alegria so saber que eu também me oponho à candidatura do dr. Soares. Mas sempre clarifiquei logo após essas reacções: eu gosto de Mário Soares. Não o quero é como Presidente da República. Penso que é compatível. Tal como há diversas pessoas execráveis que formariam governos bem melhores do que o que temos actualmente.

[João Silva]

O homem que viveu duas vezes

A julgar pelo que os seus apoiantes têm dito acerca da saúde de Mário Soares, ainda o vamos ver, antes das eleições, a dar uma perninha num clube de futebol qualquer.

[João Silva]

Ódio à hierarquia

Os professores têm tarefa ingrata. São, inevitavelmente, a parte mais importante da hierarquia da educação, se excluirmos os pais e demais tutores da equação (nem vamos falar de gestores e reitores). No caso dos «bons» professores, sobretudo, há uma tarefa ingrata: está nas suas mãos, e sentem a responsabilidade, de arcar com os meliantes universitários. Quer queiram quer não, os mais irritantes ali estarão sempre, sendo a sua assiduidade inversamente proporcional ao desagrado demonstrado pelo docente em relação à sua presença. Na verdade, o conflito entre «nós» e «eles», tradição milenar, é especialmente acarinhado entre os portugueses.

Os portugueses não gostam que mandem neles. Mesmo quando se inserem voluntariamente num grupo ou «comunidade», cofiam o bigode de desconfiança até terem o patrão, chefe ou superior bem debaixo de olho. Aliás, o único sítio da sociedade portuguesa onde o português realmente se insere é o quartel: na tropa, uma boa parte dos portugueses aprende a obedecer por alguns meses, isto devido ao berro e ao murro - dignos representantes dos bons velhos tempos da obediência. Já as praxes, no trabalho, na escola ou na universidade, são uma sôfrega mas triste e vã tentativa de repetir e reviver o institucional rebolar na lama. Afinal, o português só consegue obedecer se pensar: «um dia serei eu a mandar, e aí...».

As escolas sempre foram um local privilegiado para criar personagens burlescas dos «superiores», neste caso de quem «sabe mais». Os professores são o objecto dessa caricatura. Tomemos o exemplo, exclusivamente, das universidades. Diz o menino Zé Martinho a um colega: «O Pedrosa anda-me a passar a perna». Isto pede, obviamente, ao colega que alimente a raiva ao senhor: «Eu nunca topei o gajo, tu põe-te a pau». É claro que a substituição do professor por um leviatã (ou leviatão, as opiniões dividem-se) exige uma substituição do nome: «O Zezé é uma seca». Aliás, até em tempos de ditadura os portugueses, mesmo os mais aficionados do salazarismo diziam apaixonados do seu líder: «o Botinhas não é mau de todo, mas em mim não manda». Todo o português detesta a hierarquia. É assim que se fazem as revoluções. É assim que, por vezes, se começam nações. Ou muito me engane, também seria assim que Portugal rejeitaria a Constituição Europeia. Basta apanhar-nos num mau dia...

[João Silva]

segunda-feira, novembro 21, 2005

Ainda

«Eles são assim
tristes como eu e tu»
- escreveste-me
num postal de aniversário
há mais de dez anos.

Ainda somos tristes
como os gatos do postal
ainda há postais
ainda estamos aqui.


- João Lopes, Poemas de Guerra

[Paulo Ferreira]

domingo, novembro 20, 2005

O Futuro e o Progresso

Ana Sá Lopes , na sua crónica habitual no Público, escreve, escandalizada, sobre um assunto que passa ao lado do «mundo livre», isto é, escreve«sobre as práticas de tortura autorizada pela administração de Washington para o combate ao terrorismo». Ora, Ana Sá Lopes, num artigo que poderia ser bastante pertinente para uma hipotética discussão sobre um assunto que nos aflige a todos, limita-se a despejar meia dúzia de ideias feitas sobre uma administração política já suficientemente demonizada pelos meios de comunicação em geral.

Em primeiro lugar, Ana Sá Lopes começa por referir o seguinte: Não saber, não perguntar. É desta maneira que o mundo «livre» tem optado por reagir às notícias sobre as práticas de tortura autorizadas pela administração de Washington para o combate ao terrorismo. Ora, ou muito me engano, ou o tal «mundo livre» de que fala Ana Sá Lopes só parece conhecer casos de tortura nos Estados Unidos de George W. Bush. Tenho a impressão, aliás, de que todas as mais variadas práticas de tortura, que antigamente abundavam em paraísos como o norte-coreano, se concentraram unicamente no regime tirânico de Washington.

Posteriormente, Ana Sá Lopes refere uma coisa muito curiosa : Na «suja» prisão da baía de Guantánamo, a ONU foi, na sexta-feira e mais uma vez, impedida de entrar. Os Estados Unidos recusaram que qualquer dos inspectores viessem a ter contacto directo com os prisioneiros - o que, obviamente, tornava inútil a missão das Nações Unidas. Para Washington, a guerra é a guerra e a ONU não tem que ter voto na matéria. A China, onde os inspectores das Nações Unidas se deslocam a partir de 3 de Dezembro, aceitou essa condição básica que os Estados Unidos recusaram. Pelo que Ana Sá Lopes dá a entender, a China, o bom aluno do desenvolvimento progressista, faz aquilo que os Estados Unidos não fazem, ou seja, abre as suas portas à ONU. Acontece que a China não é exemplo para ninguém a nível de direitos humanos, nem sequer vive constantemente ameaçada por ataques terroristas, como é o caso dos EUA. Além disso, não sei que papel poderia desempenhar a ONU num país democrático, livre, rico e generoso como os Estados Unidos. Bem pode ser verdade que se pratique tortura nos EUA, mas também pode ser verdade que a ONU, organização que roça os mais absurdos limites do politicamente correcto, só tem legitimidade para se prestar aos papéis que se presta porque tem a América de Bush a alimentá-la.

Finalmente, vem a questão da tortura enquanto conceito moral. Ana Sá Lopes, seguindo a linha de raciocínio politicamente correcta do flower power, parece, através daquilo que os seus escritos levam a entender, repudiar qualquer tipo de violência. E, para manter essa linha de raciocínio, Ana Sá Lopes coloca na lista das coisas extremamente desumanas actos tão simples e tão humanos como a tortura. Ora, bem sei que a violência não agrada a ninguém e que a tortura não será a melhor forma de lidar com algumas situações. No entanto, não deixo de acreditar que, nalguns casos (e penso concretamente na prisão para terroristas de Guantánamo), a tortura deixa de ser um imperativo moral para ser uma necessidade. Afinal de contas, que tipo de informação ultra-secreta se consegue retirar de terroristas que desejam morrer estoicamente? Através da palavra e da negociação? Ou através da coacção física? Ou seja, não querendo afirmar que a tortura é a melhor das formas que os humanos têm para conseguir comunicar entre si, acredito que, por vezes, a necessidade obriga a que se recorram, infelizmente, a actos extremos como a violência. A guerra é exemplo disso.

[Paulo Ferreira]

95 anos


Vitória Futebol Clube. Nascido a 20 de Novembro de 1910 com o nome de Sport Vitória.

[João Silva]

Latino

Ele era tão bonito que, quando saía de casa, sentia-se violado.

[Paulo Ferreira]

A ler

Um bom post do «nosso» amigo Bernardo. Como não foi neste pequeno blogue que o Bernardo escreveu, aqui fica o link. Estamos conversados, por agora.

[Paulo Ferreira]

sábado, novembro 19, 2005

Esqueçam as conversas de balneário masculino

Agora o que está a dar é proclamar de forma orgulhosa: "O meu politicamente incorrecto é maior que teu".

[Bernardo Sousa de Macedo]

Pausa para cultuar


Famke Janssen

[João Silva]

Por quem tomba

A ler o post do meu caro amigo Bruno no Desesperada Esperança. Devo dizer que o subscrevo. Palavra a palavra.

[João Silva]

A acreditar

no que se diz por essa blogosfera fora, se Cavaco Silva perder as próximas presidenciais a culpa é de Constança Cunha e Sá. Com uma perninha de Vasco Pulido Valente.

[Bernardo Sousa de Macedo]

Ridendo castigat mores

«Confesso que, embora o episódio tresande a discriminação, não me provocou "a habitual erecção escandalizada dos mentores do politicamente correcto". Mas talvez isso se deva - hélas! - à minha provecta idade»

Júlio Machado Vaz, a propósito da crónica de ontem de Miguel Sousa Tavares

[Bernardo Sousa de Macedo]

O estado das coisas



[Paulo Ferreira]

Génio II

O génio sentou-se numa pedra e, como Moisés, pensou: e nós, seremos livres?

[Paulo Ferreira]

MTV

Aproveitando a iniciativa da RTP de transmitir os prémios MTV, decido dar uma espreitadela. Passados cinco minutos de emissão, chego à conclusão de que a geração MTV é realmente extraordinária. É que para além dos gostos musicais sublimes que o canal global faz questão de impingir aos milhões e milhões de cérebros adolescentes, que dariam a vida, como se tivessem muitas, para assistirem a um simples concerto de Six By Seven, existem ainda uns quantos seres dotados que, aproveitando o facto de serem estrelas rock e de venderem muitos álbuns, fazem questão de demonstrar que toda a sua erudição é absolutamente genial. Um exemplo, durante esses cinco minutos de emissão a que tive a infelicidade de assistir, vejo uma personagem magnificiente (Jared Leto) subir ao palco para gritar as palavras da praxe: War, Peace, George Bush. A reacção do público foi, como se poderá calcular, espectacular. Com efeito, depois das primeiras reacções de amor, carinho e solidariedade, veio o ódio. O ódio contra Bush. O ódio contra o tirano. Depois, e para acalmar os corações em sangue, veio a música de System of a Down. Melodia pura. Estava capaz de jurar que, na altura, vi meninas de 17 aninhos a chorarem com olhinhos de quem não se importaria de passar uma noite com uma estrela.

[Paulo Ferreira]

Génio

O génio meditou, suspirou e disse: a civilização é um fracasso. A multidão chorou baba e ranho.

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, novembro 18, 2005

Nunca mais

Que tolice, disse Ângela muito firme estatutária. Bárbara não voltará mais. Nunca mais. Ela nunca existiu. Eu existo. E ficou a olhar-me muito séria a existir. Mas nós não nos amamos, disse eu horrivelmente. E ela disse-me não me beija outra vez? E eu beijei-a e senti uma certa transmutação do meu corpo no seu corpo que chegava também ao meu transversalmente e era real e estúpido na irrealidade do meu sentir. Olhei-a depois no que ficara nela de mim, o rosto um pouco ruborizado, os olhos quebrados na sua dureza azul, um breve sorriso de piedade. Tomou-me as mãos sem me desfitar. O amor aprende-se, disse-me ainda, e tem isso assim uma grande importância? Ou inventa-se, que é o mesmo. Dou-lhe o meu número de telefone, para o caso de precisar, disse-me ainda. Ou quer aparecer à mesma hora? Ou procura-me em casa às cinco. Temos muito que conversar.

- Vergílio Ferreira, Na Tua Face

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, novembro 17, 2005

Como se fosse um cavalo lusitano

Uma simpática leitora decidiu, não sei se inspirada pelo nome do blogue, apelidar-me de machista. Bem sei que tenho alguma tendência para aqui debitar algumas das minhas taras e manias em relação ao sexo feminino. Bem sei que já cheguei a referir-me ao sexo feminino como o sexo fraco. Mas, devido a qualquer traço genético que devo ter herdado dos meus pobres pais, sou um sujeito dado a essas coisas da chalaça. Admito que raramente consigo fazer uma chalaça com piada, no entanto, e apesar de todos os defeitos que em mim consigo vislumbrar, não me considero um machista. Talvez um cavalo lusitano, mas não machista.

[Paulo Ferreira]

Still standing

O Babugem faz dois anos. Um dos meus blogues preferidos, destacando o louvável e impermeável gosto nos filmes. Parabéns Ricardo Gross.

[João Silva]

O génio III

B. não tinha rival. Um dia alguém lhe perguntou: «e amanhã, o que acontecerá?». B. apenas sorriu e bafejou o cigarro com um efeminado virar de pescoço. Aliás, B. era tão genial que toda a gente se deu satisfeita com a resposta.

[João Silva]

O génio II

B. era tão inteligente que, ao soprar para o ar de enjoo, havia gente que fazia notas em pequenos caderninhos.

[João Silva]

O génio I

B. era genial. B. era, dizia-se, o homem mais genial da sua pequena comunidade. Fazia, por isso, por evitar discutir assuntos menores. B. era genial, mas o facto é que nunca ninguém o tinha ouvido dizer nada genial. Na verdade, nunca ninguém lhe tinha ouvido uma palavra que fosse.

[João Silva]

quarta-feira, novembro 16, 2005

Monica Bellucci

Para dar por terminado este meu périplo em torno de mar tão imenso, escrevo sobre a deusa das deusas: Monica Bellucci. Quem me conhece na intimidade, saberá com certeza que deliro constantemente com a figura divinal da actriz italiana.Com efeito, Monica Bellucci é, na minha modesta opinião, nada mais nada menos que a mais bela de todas as mulheres vivas. Contudo, julgo que este post seria completamente desinteressante se me limitasse a exprimir a minha inquietação com tão bela mulher. Assim sendo, prossigamos com uma breve divagação sobre uma das melhores interpretações de Bellucci.

Malena, filme de Giuseppe Tornatore que dá nome à personagem de Bellucci, não é um grande filme. Porém, não me sentindo habilitado a escrever sobre cinema, sob a perspectiva do homem que gosta de contemplar a beleza, Malena é um filme que roça os limites mais extremos do pecado, é um filme cheio de voluptuosidade, é um filme cheio de carne. Isto é, ver Monica Bellucci no papel de Malena, uma mulher que vê o seu marido partir para a guerra e que, por isso, se vê obrigada a prostituir-se, torna-se algo, digamos, um tanto ou quanto maléfico. Aliás, agora que me consigo imaginar sentado no sofá a observar Malena, penso que a sensação que acompanha o fã de Malena deverá passar perto da sensação do burro que tem uma cenoura à sua frente sem nunca a conseguir apanhar. Morde-se, morde-se, morde-se, mas nada se sente senão ar. E ilusão. É, se me consegui exprimir claramente, essa a sensação que me acompanha de cada vez que vejo o filme de Tornatore.



[Paulo Ferreira]

Fenómenos

Por que razão é que uma pessoa que entra no Google com a frase «Não me vem o período!» acaba por entrar neste humilde e recatado blogue?

[Paulo Ferreira]

terça-feira, novembro 15, 2005

Demi Moore

Se Nicole Kidman junta a beleza ao talento para a representação, Demi Moore junta a beleza ao seu grande jeito para fazer com que o mundo deixe de gostar de cinema. Mas não é sobre o talento artístico de Demi Moore que me interessa escrever. Interessa-me mais escrever sobre uma coisa que me deixa deveras intrigado, que é o facto de Demi Moore só se sentir bem consigo mesma quando está em pelota, como dizem os nossos amigos brasileiros. Com efeito, não raras são as vezes em que dou comigo distraído, a olhar para o infinito e, de repente, zás!, lá aparece Demi Moore nua numa televisão de café ou numa revista do social. Com isto não me atrevo a afirmar que Moore seja uma grande desavergonhada, até porque não conheço a sua vida íntima ao pormenor. Demi Moore até pode ser das pessoas mais respeitáveis que existem à face da Terra. Mas não é disso que se trata.

A nudez incomoda muita gente. Por vezes, embora não o pareça, até a mim me incomoda. Todavia, sendo Demi Moore uma muito má actriz, só se pode concluir que o que a salva é o corpo e, claro, um antigo casamento com esse grande Bruce Willis, a quem eu aproveito aqui para mandar um grande abraço. Assim, a constante nudez de Demi Moore, não constituindo nenhuma afronta moral a meus olhos, é das coisas mais bonitas que se têm visto nos últimos anos. O problema são mesmo os filmes.Mas isso não é problema meu.



[Paulo Ferreira]

Strictus sensus

Até estava com vontade de vir falar acerca do candidato presidencial que apoio. Mas, ao alertarem-me para o facto de eu não ter formação jurídica, deicidi adiar para outro dia esse post.

[João Silva]

No café sem Eduardo Prado Coelho

Nunca pensei que, depois de uma semana sem ler jornais, sentiria a falta do café com céus violeáceos.

[Paulo Ferreira]

Nicole Kidman

Quem estiver a pensar que este é um post sobre cinema, esqueça. Como alguns amigos mais chegados sabem, recuso-me veementemente a escrever sobre algo que me dá total prazer contemplativo, como é o caso do cinema. Infelizmente para mim, que não escrevo sobre a sétima arte, vejo-me muitas vezes obrigado a recorrer a certas coisas que, de tempos a tempos, vão ocorrendo na «grande tela». A belíssima Nicole Kidman é uma dessas coisas a que recorro frequentemente, não para dar asas aos pensamentos mais obscuros que possam passar pelas cabeças dos leitores mais experimentados, mas simplesmente para contemplar a beleza. Caindo no risco de afirmar algo um tanto ou quanto francês, quando olho para Kidman, olho para a beleza, para a pureza, para o mistério, para a simplicidade das formas. Enfim, quando olho para Kidman, sonho com algumas das impossibilidades da vida.

Nicole Kidman pertence àquele género de pessoas que, por mais que tentem, não conseguem ser feias. Julgo que nem a fazer de Virginia Wolf a senhora ficou feia. Por outro lado, fica mal a seres tão divinais quanto este fazerem de tudo para conspurcar a sua imagem angélica. Com efeito, a efémera relação com Lenny Kravitz só veio mostrar ao mundo o quanto uma pessoa perfeita se pode sujar ao lado de figuras, digamos, marginais. Já o seu casamento com Tom Cruise parecia feito de outro modo. Parecia uma espécie de hierogamia, em que dois deuses perfeitos se juntam para tomar conta dos restantes mortais. Na relação que manteve com Kravitz, Nicole Kidman sujou-se. Literalmente. E não escrevo isto motivado por alguma orientação racista. Escrevo isto apenas por considerar Kravitz uma pessoa pertencente a uma classe inferior à classe de Nicole Kidman. Isto é, sendo Kravitz um pobre membro da plebe, não tem direito a tocar na singela aristocrata.



[Paulo Ferreira]

segunda-feira, novembro 14, 2005

Clap, clap

O Observador faz dois anos. Parabéns!

[Paulo Ferreira]

The Interpreter



Acabo de ver mais uma boa interpretação desse grande actor que é Sean Penn. Bem sei que a realidade, por vezes, inibe os melhores cérebros de confessarem aquilo que é óbvio (neste caso, de confessarem que Sean Penn é um grande actor, embora com tendências para o exagero melodramático). Porém, e para que fique escrito: a maior tragédia de Penn é a vida real e o que ela comporta. Não os filmes.

[Paulo Ferreira]

Epimeteu e Prometeu

Epimeteu e Prometeu eram dois jovens irmãos muito diferentes um do outro. Epimeteu era bondoso e voluntarioso. Prometeu deixava tudo para o fim, embora fosse provido de algo que faltava em abundância ao seu irmão. Refiro-me a inteligência. Epimeteu, sendo pouco inteligente, quando foi necessário criar o Homem, já tinha gasto todos os bons atributos com os animais. Prometeu, vendo a falta de discernimento do seu irmão, conseguiu recuperar aquilo que Epimeteu não havia entregue aos animais: o pensamento, a inteligência. Além disso, Prometeu, o herói, num acto de extrema bondade, roubou um pouco de fogo ao Sol para dar aos humanos. Por causa disso, foi condenado por Zeus a ver o seu fígado devorado diariamente. Por seu lado, Epimeteu, o burro, viu-se condenado a não figurar nos castigados de Zeus, já que não havia praticado nenhum crime.

Conclusão: Epimeteu e Prometeu, embora de diferentes maneiras, conseguiram provar que a triste alma lusitana vem de mitos muito antigos, muito anteriores a Viriato.

[Paulo Ferreira]

domingo, novembro 13, 2005

Ironia

«ironia é isto: à porta de um wc ocupado, encontrar o sr. marcel duchamp, aflito para urinar.»

José Mário Silva, no letra minúscula

[João Silva]

Rir

B. não conseguia conter o riso. Um riso triste e vazio. Ria demasiado alto para achar sinceramente piada às coisas. E ria de uma forma demasiado estridente para um homem. Quando a namorada o deixou, disse: «o riso de B. não me satisfaz». No fundo, o mais triste em B. era a forma como ria das coisas, como se desafiasse o próprio destino.

[João Silva]

sábado, novembro 12, 2005

Stanislaw, o patife

Stanislaw era mulherengo. Jacob gostava de mulheres. Sobretudo, Jacob, boa alma, gostava da sua própria mulher. Já Stanislaw, era tão patife quanto mulherengo - e, como tal, via na mulher de Jacob a alternativa escatológica da sua vida sem sentido.
Jacob não gostava de Stanislaw e evitava-o. Stanislaw não gostava de Jacob e, por isso mesmo, perseguia-o no emprego, sorrindo. Ao ver Jacob com a mulher, Stanislaw olhou para o amigo. Os seus olhos pareciam dizer: «Será minha».

Certo dia, à chegada ao emprego, o escritório estava cabisbaixo. Alguns dos mais novos davam risadas envergonhadas e segredavam. Stanislaw indagou. «A mulher deixou-o», disseram. E, a um canto, lá estava Jacob, o traído - uma mulher traída transmite sempre uma imagem de uma fúria imensa prestes a emergir, mas um homem traído é um homem sem roupa, nu e envergonhado perante os outros, de mãos na cara. Por esta razão, Stanislaw teve pena do amigo. Resolveu confortá-lo. No entanto, a natureza do homem não tem surpresas. Chegando-se ao pé de Jacob, Stanislaw só conseguiu dizer: «Não te preocupes, não consegui nada dela». Jacob despertou da apatia. O punho cortou o ar. No chão, Stanislaw sangrava imenso. Arrastando-se até ao corredor, só a sua cabeça despenteada, agora imperfeita, surgiu da porta, perto do chão: «Viram?? Eu bem vos disse que ele não era boa pessoa!».

[João Silva]

Frases que se tornam instituições

«Volto sempre a Maria Velho da Costa». Que já não vejo há algum tempo*.

*Uma provocação amigável para uma pessoa amigável

[João Silva]

sexta-feira, novembro 11, 2005

Things that matter the most


Julie Delpy

[João Silva]

Livros leves

Para quem gosta de sugar, avidamente, frases seguidas de um qualquer livro no café (eu incluído), a distinção resulta natural, inconsciente: há livros para o café e livros para um ambiente isolado (casa, digamos). Mas, se quisermos falar de livros e não de literatura de cordel, temos de afastar neologismos redutores. Um desses conceitos condenáveis é o «livro light».
Eu diria facilmente que não há livros light. Mesmo compreendendo o porquê da afirmação e o grau de respeitabilidade que não deixa, normalmente, de se atribuir ao autor, é-me difícil passar da noção de «livro de café» para uma categorização como a de livros light.

Não há livros light de determinado autor. Há, isso sim, «autores light» (para ser politicamente correcto, diria que até isso apenas depende do leitor, da sua leveza ou não de intenções na leitura). Por outro lado, a escrita é um universo único. Spielberg, por exemplo, esse sim, tem filmes light e filmes «épicos». Curiosamente, até são os filmes mais desprendidos que me agradam mais. Schindler's List é um filme muito bom e memorável (ainda que seja trabalhado para a lágrima), mas bastaria Catch Me If You Can para - não numa completa abnegação de gosto - mostrar que é um bom realizador. Saving Private Ryan é um marco importante no género, mas é The Terminal que não cansa ver muitas vezes, com um Tom Hanks menos forçado, mais único.

Já George Steiner, digamos, não tem livros light. Os seus livros são livros despretensiosos sobre temas modernos, um pouco virados para a abordagem «anti-académica», mais humana, mas não deixam de ser (todos) livros de um humor erudito e de um erudito. É normal a sua naturalidade em todos os domínios, mas abandoná-la por um pouco nem é pecado. Penso que não há frases leves para sugar à pressa «antes das cinco da tarde», tudo depende da seriedade com que encaramos certo livro de certo autor. Pessoa, por exemplo, poderia ser vítima das interpretações mais contraditórias. Mas penso que não há autor (entre os «bons» escritores) que escreva deliberadamente para mentes menos preparadas. Aliás, como dizia Steiner numa entrevista há uns tempos atrás: alguém que ame deveras o ser humano não tem qualquer condescendência para com ele; sabe aquilo de que ele é capaz.

[João Silva]

Novas crenças

Deus está morto. Um homem lamenta-se: «Deus me perdoe». A sua namorada é que não lhe perdoa: «Já ninguém acredita em Deus! Como podes acreditar nisso? É por coisas dessas que eu raramente deixo que nos vejam juntos em público».

[João Silva]

Velhas leis

Lei de Talião. Uma senhora na rua puxa uma nota aguda: «Vinte anos prá mãe d'a Joana!». Ecoa: «Vinte? Haviam era de lhe fazer o que ela fez à filha!».

[João Silva]

quinta-feira, novembro 10, 2005

The Third Reich

Para todos aqueles que se interessam pelos pequenos pormenores históricos relacionados com o III Reich, encontra-se disponível numa qualquer Bertrand lisboeta, a um preço quase hilariante, o Dictionary Of The Third Reich, de James Taylor e de Warren Shaw.

[Paulo Ferreira]

Eterno marido

Eterno marido é o título de uma obra de Dostoiévski. Eterno marido é também uma definição simpática para indivíduos que passam a vida a ser traídos pelos seus cônjuges, sem o saberem. É óbvio que, à partida, não existem personagens-tipo que representem o sujeito constantemente humilhado pelo seu parceiro. Isto porque, normalmente, quem é traído não sabe que o é. Por outro lado, quem vive no exterior de uma relação consegue, nem que seja à base da suposição e do exagero, decifrar se A trai B ou se C vai para a cama com D. Dir-se-ia que, para os amigos do hipotético corno (por hipotético corno, leia-se todos os indivíduos que tenham o azar de ter uma relação amorosa com alguém bonito), a traição é um facto histórico inamovível. Porém, como se sabe, nestas coisas do amor e da traição os amigos são péssimos conselheiros. É por serem péssimos conselheiros que os amigos pensam ter grandes capacidades de adivinhação, no que se refere à facadinha no matrimónio (e aqui reside uma pequena esperança para quem se sente traído). Mas, geralmente, essa capacidade não existe.

Por outro lado, acredito que exista uma espécie de «corno pré-definido». Ora, o «corno pré-definido» é aquele sujeito alegre e prestativo que morre de amores pela sua mulher e que, por isso, a mima excessivamente de carinho; é aquele sujeito que se sujeita a vários tipos de humilhação com uma subserviência conjugal deprimente. No entanto, a existência de um «corno pré-definido» não implica a existência do corno enquanto personagem-tipo, já que, como escrevera Fourier, o corno pode assumir dezenas ou centenas de formas diferentes. Por exemplo, tanto se pode encontar um sujeito traído a assumir a dor publicamente como se pode encontrar um corno mentiroso, que renega os factos como a criança que esconde a boca da colher de sopa.

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, novembro 09, 2005

Os bons, os maus e os vilões

Nem só os campos verdejantes e floridos influenciam o ar que respiramos. Há todo um lado «negro», um «outro» lado, no mundo que temos. Na verdade, todos nós, chegados a determinada altura da vida (uns na juventude, outros na velhice), apercebemo-nos da monotonia das personagens melodiosas sempre em harmonia com o que rege a nossa ideologia dominante. O «outro» lado é sempre mais atraente. Negá-lo é mentir.

Por exemplo, dizer que os líderes comunistas não devem ser estudados por quem não seja comunista ou admirador do profundo humanismo de Stalin equivale a dizer que Hitler não merece (mais) uma biografia que não seja um manifesto ou uma homenagem escondida. É uma concepção adormecida da História. Vejamos, Franco Nogueira seguiu o conselho, inadvertidamente, por respeito e conhecimento (e admiração) - e, embora a sua extensa obra sobre Salazar seja admirável, não deixa de ser uma boa literatura nocturna para adormecer sonhando com os mais nostálgicos valores da pátria, um pouco na linha de uma vetusta personalidade que, todos os dias, desda há uns largos anos, adormece com um canto ou alguns versos d'Os Lusíadas.

Portanto, também o «outro lado» precisa dos seus símbolos. Para «eles» e, consequentemente, para nós. Símbolos, no entanto, que fascinam mesmo os mais veementes opositores das suas «obras de vida». A doença de Hitler, a (referida em correspondência) batotice de Napoleão a jogar às cartas em Santa Helena, ou o sapato de Kruchtchev na mesa das Nações Unidas fazem vibrar até o mais preguiçoso dos liberais.
Até mesmo os «heróis» (na História como na ficção) têm adversários, rivais, némesis, equivalentes no outro lado da trincheira. Wellington tinha Napoleão, Aron tinha Sartre, Lord Mountbatten tinha Heydrich (que se diz ter apagado com uma pedra o nome judaico de sua mãe, Sarah, do túmulo maternal) ou Skorzeny (oficial do III Reich com 1.98m, cuja grande cicatriz na cara chegou-se a dizer ter sido o próprio a fazer para ganhar respeito entre os subordinados). Em 1940, dois homens de grande porte (esquecendo, por momentos, o inesquecível Hugh Dowding) olhavam-se através do Canal: Churchill e Göring. Enfim, Rousseau era a antítese do próprio homem.

Aliás, como já se referiu neste blogue, os heróis não são perfeitos, (im)perfeição essa que dependerá, até, dos tempos que correm. Pois, tal como Satanás ou os «vilões» da História, os «heróis» têm uma parte burlesca que é comum a ambos. Afinal, até Zeus, grandioso símbolo da potência sexual masculina, acabou por não resistir aos encantos homoeróticos de Ganimedes, raptando-o enquanto maltratava Hera, a sua própria mulher.


O «gigante» Otto Skorzeny com Adolf Hitler

[João Silva]

Raskolnikov e a vida urbana

Falar de Dostoiévski sem falar de Raskolnikov é como falar de Homero sem entrar no mítico mundo dos deuses olímpicos. No meu caso particular, Raskolnikov foi a primeira personagem com a qual entrei em contacto no mundo do escritor russo. Raskolnikov foi a primeira personagem que me marcou profundamente (marcou tanto que, quando acabei de ler o fascinante Crime e Castigo, apeteceu-me ser como o estudante revoltado que mata a velhota à machadada).

A vida urbana, com o stresse e as depressões a ela adjacentes, tem muito da personagem lendária de Dostoiévski. Desde os loucos aos mendigos, existe na cidade um pouco de Raskolnikov espalhado por tudo quanto é sítio. Mesmo em locais que, à partida, estariam isentos daquilo a que se convencionou chamar de loucura, existem grandes probabilidades de deflagrar uma grande tragédia. A família, por exemplo, é um núcleo que, de um momento para o outro, pode implodir a partir dos seus pilares mais básicos, ou seja, através dos paters, ou dos chefes de família. Com efeito, não raros são os casos em que um bom chefe de família se deixa apanhar pelas garras do desespero e foge com uma qualquer concubina de esplanada. Noutros casos, há os irmãos que se matam à facada, o pai que mata a filha depois de a violar, o pai que se desgraça na bebida, o filho rebelde que rouba para pagar a heroína. Enfim, os exemplos são muitos.

Num certo sentido, poder-se-ia argumentar que Raskolnikov representa a loucura humana levada aos seus extremos. É certo que, depois da loucura, vem a redenção e o castigo. Pelo menos no caso do jovem Raskolnikov. Contudo, se num caso limite, como parece ser o caso do jovem estudante russo, a loucura se pode metamorfosear em algo menos anormal, menos sanguinário, chega-se à conclusão de que a loucura é um estado transitório, provocado por condições de degradação física ou mental, e que pode ser controlável pelo crime (atropelar velhinhos de noite pode ser aliviante para alguns), quando a medicação falha ou não existe. Assim sendo, se a loucura redime, não é doença: é terapia. Olhem para alguns escritores.

[Paulo Ferreira]

Cinco crianças

Cinco crianças deitaram gasolina sobre um homem que dormia numa estação de autocarros, e lançaram-lhe fogo. Ficaram depois a contemplar as chamas. Disseram mais tarde que era «belo», a coisa mais bela que tinham visto em toda a sua vida.


- Herberto Helder, Photomaton & Vox

[Paulo Ferreira]

terça-feira, novembro 08, 2005

Joie de vivre

Para alguns indivíduos mais apaixonados pela contemplação da beleza etérea, viver é uma alegria que deve ser exacerbada ao máximo. Para esses indivíduos de espírito juvenil, a vida é uma festa. Seguindo a velha máxima do carpe diem, vive-se o momento para que não seja o momento a viver-nos. Porém, quem olhar para essa rapaziada tem a tentação de pensar que a alegria de viver o momento não passa de uma grande ilusão. Com efeito, o adolescente que gosta de ser olhado como janado ou o quarentão com pinta de bonacheirão, quase marialva, vivem uma alegria aparente, que, como o estado de espírito em que julgam viver, se derrete com o momento. No fundo, pode-se pensar num certo livro de Luciano ( Eu Lúcio, Memórias de um Burro) e pensar-se que se é um burro orgiástico, que se vive para a decifração de alguns dos muitos enigmas sexuais que partilham este mundo connosco, pobres e ingénuos mortais. Mas a verdade é outra. A verdade é que por detrás dos sorrisos escondem-se as olheiras, o cansaço, as insónias, a humilhação, o vexame, a vergonha. A alegria metamorfoseada em felicidade é um momento que se esbate com o passar das ilusões e dos sonhos. Não existe utopia alguma que possa contrariar a dor, a tristeza, o pensar.

É certo que, em determinados momentos, alguns indivíduos conseguem atingir alguma alegria ou felicidade. Todavia, não se pode querer tornar algo que é transitório ou efémero, como a felicidade e a loucura a ela associada, numa coisa eterna, imutável, inexorável, já que a felicidade, como o amor, é um daqueles conceitos quase inatingíveis para o Homem.



[Paulo Ferreira]

segunda-feira, novembro 07, 2005

Nostalgia pessoal



[João Silva]

domingo, novembro 06, 2005

Terra queimada

Júlia resolveu abandoná-lo. Para quebrar todos os laços, fez com que o marido a traísse primeiro, para logo depois, por sua vez, traí-lo também. Não chorou. Transformou a luxúria em vingança. Abandoná-lo-ia, mas sentia-se agora uma mulher íntegra. César, por seu lado, chorava - estava perdido, sentiu que todo o amor deixava de existir. Afinal, no seu cruel e acertado sentido de humanidade, Júlia sabia isto: ninguém sabe amar a culpa.

[João Silva]

Heróis de sangue

Um requisito essencial para que se chegue ao herói é, por mais estranho que pareça ao leitor, a deficiência física. A deficiência física faz com que o herói se torne um indivíduo com defeitos, problemas e doenças físicas, tal como o ser humano comum. Reconheço que existam certas personalidades que, pelos seus feitos, consigam figurar no alto panteão dos heróis impolutos, inexoráveis. De certa forma, heróis brilhantes como Alexandre da Macedónia nunca me disseram nada. Seguindo a mesma linha de raciocínio, também nunca tive grande fascinação por certos heróis que, por serem tão perfeitos fisicamente, chegam a roçar os limites estéticos da efeminação. Páris, herói-vilão da Ilíada é exemplo de uma personagem (literária, é certo) que nunca me agradou. Por outro lado, e permanecendo ainda dentro da Ilíada, sempre tive uma certa fascinação por Aquiles, o homem quase perfeito que tinha o grave problema de ser frágil nos seus calcanhares (tanto que morreu com uma seta espetada no calcanhar, o que não deixa de ser caricato).

Sendo, então, para mim requisito essencial que um herói tenha certas debilidades físicas, não posso deixar de mencionar, a este propósito, a figura impar de Lord Nelson, o herói do Nilo e de Trafalgar. Com efeito, como já aqui referi por demasiadas vezes, Lord Nelson liderou a estratégia britânica em Trafalgar apenas munido de um braço e cego de um olho. Para além de todos os contributos históricos que esta personagem possa ter dado para a permanência do mos maiorum britânico, a verdade é que Lord Nelson é um herói enorme devido ao facto de ter combatido sempre com grandes debilidades físicas. Se Nelson fosse um herói sem sangue, perfumado, perfeito, não teria, com certeza, a projecção que ainda hoje tem no seu país e um pouco por toda a Europa Ocidental.

[Paulo Ferreira]

Trimalquião

Desconheço as razões que me levam a pensar isto, mas ando com a sensação de que sou uma espécie de Trimalquião. Bem, antes Trimalquião do que Gíton.

[Paulo Ferreira]

Vidas no Café X

Escrever sobre algumas das minhas vivências, enquanto frequentador assíduo de quase todo o tipo de cafés, é algo que, na minha simples opinião, deve ser feito jocosamente. O acto de escrever sobre as minhas idas diárias ao café tem de ser, então, feito como se se tratasse de uma nota pessoal hiperbólica, desconjuntada. Uma nota pessoal, embora seja pessoal, pode ser transmissível. É, alías, esse um dos grandes objectivos das notas pessoais: a transmissão. Uma nota pessoal, se não fosse transmissível, resumir-se-ia a um post-it colado na mesa de cabeceira de cada um, com mensagens do género «Não esquecer de gostar da Ana!». Porém, uma nota pessoal, se se resumisse apenas a um post-it que contivesse o óbvio (mensagens que nunca ninguém se esquece), não teria piada alguma. Normalmente, uma nota pessoal tem de ser lida por alguém que não o autor dessa mesma nota, dado que quem escreve uma nota também quer uma resposta que não seja a sua. Assim, escrever sobre vivências num café pode ser um acto etimulante, assim como pode ser um acto deveras embaraçoso. Tudo depende do estado de espírito de quem as escreve. Tudo depende da carga emocional, sexual, erótica, sarcástica, sádica de quem as recebe.

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, novembro 04, 2005

Vidas no Café IX

«O café é um local de entrevistas e conspirações, de debates intelectuais e mexericos, para o flâneur e o poeta ou metafísico debruçado sobre o bloco de apontamentos. Aberto a todos, é todavia um clube, uma franco-maçonaria de reconhecimento político ou artístico-literário e presença programática. Uma chávena de café, um copo de vinho, um chá com rum assegura um local onde trabalhar, sonhar, jogar xadrez ou simplesmente permanecer aquecido durante todo o dia. É o clube dos espirituosos e a posterestante dos sem-abrigo.»

George Steiner, A Ideia de Europa

[João Silva]

Cousin Nancy

Miss Nancy Ellicott
Strode across the hills and broke them,
Rode across the hills and broke them -
The barren New England hills -
Riding to hounds
Over the cow-pasture.

Miss Nancy Ellicott smoked
And danced all the modern dances;
And her aunts were not quite sure how they felt about it,
But they knew that it was modern.

Upon the glazen shelves kept watch
Matthew and Waldo, guardians of the faith,
The army of unalterable law.


T.S. Eliot, Prufrock e outras observações

[João Silva]

quarta-feira, novembro 02, 2005

A Ler:

«Barely Legal», texto de Eduardo Pitta.

[Paulo Ferreira]

And death shall have no dominion

And death shall have no dominion.
Dead men naked they shall be one
With the man in the wind and the west moon;
When their bones are picked clean and the clean bones gone,
They shall have stars at elbow and foot;
Though they go mad they shall be sane,
Though they sink through the sea they shall rise again;
Though lovers be lost love shall not;
And death shall have no dominion.

And death shall have no dominion.
Under the windings of the sea
They lying long shall not die windily;
Twisting on racks when sinews give way,
Strapped to a wheel, yet they shall not break;
Faith in their hands shall snap in two,
And the unicorn evils run them through;
Split all ends up they shan't crack;
And death shall have no dominion.

And death shall have no dominion.
No more may gulls cry at their ears
Or waves break loud on the seashores;
Where blew a flower may a flower no more
Lift its head to the blows of the rain;
Though they be mad and dead as nails,
Heads of the characters hammer through daisies;
Break in the sun till the sun breaks down,
And death shall have no dominion.


- Dylan Thomas, A Mão ao Assinar Este Papel

[Paulo Ferreira]

Leis insípidas

Soube pela televisão que se vai proibir o sexo a menores de dezoito anos (a menos que a dita lei, que apenas conheço superficialmente, permita que os jovens se entreguem à luxúria entre si). Diz-se por aí que, assim, as criançinhas ficarão mais protegidas. Resta saber quem vai proteger os sensaborões dos pervertidos dos ataques das pobres crianças.

[Paulo Ferreira]

terça-feira, novembro 01, 2005

Anarquistas

De repente, sinto-me um pouco afectado pela onda anarquista que gira à minha volta. Sem pensar muito, lembro-me de sete indivíduos meus conhecidos que só conseguem dormir com uma foto de Mikhail Bakunine na mesa de cabeceira. Há ainda um incómodo vizinho que faz questão de passar as suas noites a relacionar gaiolas com liberdade e a confundir haxixe com tabaco. Enfim, triste mundo anarquista este que me rodeia.



[Paulo Ferreira]