domingo, outubro 31, 2004

Vazio

Para muitas pessoas, o casamento não é apenas um sonho, é o principal (leia-se único) objectivo de vida. Ora, na minha modesta opinião, essas pessoas, que se julgam capazes de atingir a felicidade eterna, são doentes. Nem mais.
A vida, seja lá o que for, não se deveria resumir apenas à felicidade proporcionada por uma telenovela feliz, ou por um “happy end”. Afinal de contas, o conceito de felicidade não passa de um bom eufemismo que o Homem arranjou para esconder o vazio em que vive enterrado, a dor, o sofrimento e, até, a sua própria ignorância. Viver no sofrimento, na dor e na ignorância é o nosso destino. É para isso que nós, seres infelizes!, fomos concebidos. Para sermos infelizes, na solidão. Mesmo que essa solidão seja atenuada pela companhia de um nosso semelhante, é essa a verdadeira essência do Homem.

A felicidade, o amor e, se se desejar mais um termo piroso, a ternura, são conceitos que ajudam a reconfortar a existência do Homem. Mas, não existem; não passam de uma grande ilusão; não o conseguem definir correctamente. Falar de felicidade ou de amor é o mesmo que dizer a alguém que, para se perceber Hobbes, é necessário ler Rousseau. É o mesmo que gritar-se ao mundo “sou feliz porque sou ignorante”! Aliás, é esta a verdadeira definição de felicidade, a ignorância. A ignorância que vive feliz por ser ignorante, por não conhecer, por não querer conhecer.



[Paulo Ferreira]

If Bush goes, we go

No artigo de Mark Steyn, nesta edição da Spectator:

What’s up with Hawaii? Two polls in two Honolulu newspapers over the weekend showed George W. Bush with a small lead over John Kerry. That’s not supposed to be happening. Hawaii’s solidly Democrat. It’s a swing state only in the sense noted by Elvis (‘And when she starts to sway/I gotta say/She really moves the grass around’). Neither candidate has bothered looking in on the joint, or even advertising there. Instead, Senator Kerry’s been frantically bouncing around the Great Lakes — Ohio, Michigan, Wisconsin. It’s gonna kill him if he’s got to zip halfway across the Pacific every other day to shore up his base with a hastily arranged coconut-shooting expedition on the beach at Waikiki.

One poll would have been easy to dismiss. But two make a trend. And so, for Bush, as the old song says, ‘Hello, Hawaii, How Are Ya?’ Whereas for Kerry, as the even older song says — 1878, written by Queen Liliuokalani — it’s ‘Aloha Oe, or Farewell To Thee’. Since joining the Union, Hawaii has voted for the Democrat presidential nominee by some of the largest margins in the land every election day except two: in 1972 they went for Nixon and in 1984 for Reagan. So one could argue, as some psephologists are doing, that this is in line with Hawaii’s tendency to vote for Republicans when they’re incumbents (George Bush Sr being the exception to that rule).
(...)

As if to demonstrate the meaninglessness of their game, last week the pollsters at Harris released their latest findings in two versions. Using the model of likely voters that proved accurate in 2000, Bush led Kerry by 51 to 43. However, if you discard that model and use some new model factoring in a lot of folks who didn’t bother to vote in 2000, Bush leads Kerry only by 48 to 46. Which is accurate? The first? The second? Neither? Harris can’t say. Is there a third model that shows Kerry leading by 73 to 26? Doubtful. If there was, some pollster would surely have come up with it by now. Maybe some other model entirely is the one to use, but it seems unlikely any one will devise it before next Tuesday.

So my hunch that that first Harris poll is the correct one is only that — a hunch that Bush is ahead outside the margin of error. Unfortunately, on election day, he also has to be ahead outside the margin of lawyer, which is a tougher call. The Democrats already have thousands of chad-chasers circling the courthouses in Florida, Ohio, New Mexico and even New Hampshire, alas. It’s important for Bush to win big enough both to compensate for Democrat fraud and to deter litigation.


[João Silva]

sábado, outubro 30, 2004

Anti-herói: antítese do «bom selvagem»



A especificidade de Travis Bickle (Taxi Driver, 1976) no seio da sociedade americana não é, apenas, um marco do cinema. É um marco da aparição do Homem a si mesmo. Para os mais novos (como eu), é a primeira vez que nos vemos ao espelho como Homem. Como Ser tendencialmente racional, mas impregnado de raiva, ódio, vergonha, inveja e de um profundo desalento perante a própria solidão no Mundo. Bickle, como uma personagem dostoievskiana, constata a sua solidão a cada momento de humilhação na sua vida. O eterno falhanço, o erro, a loucura, a irracionalidade inconsciente são parte importante do seu devir existencial. Daí ao sentir-se «sozinho no Mundo», acusado pela sociedade, é um pequeno passo. Porque a sociedade realmente quer acusá-lo de algo, ao longo de pequenas recusas, pequenas humilhações.

É, precisamente, por ser um falhado consciente, que se torna um herói. A sua raiva e baixa auto-estima, contrastando com as brilhantes luzes da cidade à noite, com o movimento constante, com os grupos de amigos e foliões bebendo e cantando, é a perfeita constatação do «homem que pára para pensar na sua inapelável e inevitável solidão». A personagem principal de Notes from underground, de Dostoiévski, encarna a mesma situação. A auto-humilhação, a baixeza das suas acções e pensamentos, paralela à tão comum vontade de realização, separam-no de todo um mundo de festa, felicidade e continuidade. O mundo dos idealizados «amigos da folia». Estes, ao tenderem a repeli-lo ou a enfiá-lo numa camisa-de-forças, estão a recusar a própria natureza: a inveja do que está por cima.

Travis Bickle é um homem louco e com maus instintos face a um Mundo igualmente mau e repleto de mais maus instintos. Entre eles está uma ténue linha de generosidade que passa imperceptível aos olhos de Bickle. Depois disso, dá-se o desencontro entre os dois, e o conflito. Mas a diferença entre ele e o ser vulgar reside na capacidade de conflito dentro de si mesmo. O eco de um incessante clamor de espadas dentro da sua cabeça, uma luta entre o caminho do Bem e o caminho do Mal, que, no fim, se transforma numa forma de fazer o que acha «correcto», mas da forma «incorrecta» (o Bem através do Mal). Em Notes… o mesmo se passa. O livro começa com uma reflexão que todos nós, de manhã, poderíamos, num dia cinzento, fazer ao espelho: Sou um homem doente… Sou um homem mau. Um homem repulsivo, é isso que eu sou. Dostoiévski não tinha ilusões. Eu também não.

[João Silva]

Cruelty

O dilúvio que se abate sobre esta casa cinzenta. O ruído dos cães. Uma voz. Uma canção foleira. Os passos da multidão faminta de sangue. Um funeral. São tudo reminiscências de uma vida anterior, na qual nunca chegaste a entrar.

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, outubro 29, 2004

Hoje

Sete da manhã. Saio de casa apressado, sem saber por que razão. Apenas saio. A correr. Para me deixar levar pela rotina dos transportes públicos. Corro incansavelmente. As ruas estão vazias. Procuro algo. Talvez alguém. Encontro uma respiração, cansada, disposta a tudo para não enlouquecer. Observo-a. Corre vertiginosamente pela rua da solidão. Tento apanhá-la, em vão. É demasiado rápida para mim, a respiração.



[Paulo Ferreira]

O Presidente americano

Imaginemos que, numa manhã sobressaltada, me levantava da cama e me punha a perguntar quem seria, neste momento o melhor presidente para os Estados Unidos. Bush ou Kerry? Provavelmente, a unanimidade, gritaria, insultada com a minha oprobriosa questão, “Kerry, Kerry!”.

O mundo parece pedir paz, felicidade e sossego. A Europa deseja prosperidade e poder. Para isso, nada melhor que Kerry, dizem “eles”, infelizes seres pouco dotados de memória. Porém, mal sabem “eles” que Kerry não é melhor que o imperfeito Bush. Que o mundo continuará igual, se Bush perder. Que a violência e a guerra existirão enquanto o Homem existir. Que o Homem não é bom e que o progresso é uma treta. Mas, isso é lá com “eles”, infelizes seres pouco dotados de memória, que já nem sabem que o problema deles não é o presidente americano, mas sim a própria América.

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, outubro 28, 2004

Reflections of one's own shroud



[João Silva]

Joan Of Arc

Well, I'm glad to hear you talk this way,
you know I've watched you riding every day
and something in me yearns to win
such a cold and lonesome heroine.
"And who are you?" she sternly spoke
to the one beneath the smoke.
"Why, I'm fire," he replied,
"And I love your solitude, I love your pride."


Leonard Cohen

[João Silva]

Em tempos de «progresso»...

A Luz ao fundo do túnel antropológico é conhecida. O Iluminismo, a «religião racionalista» adoptada, efectivamente, no século XVIII, é a matriz ainda hoje idealizada por uma maioria. O «homem iluminado». Jaime Nogueira Pinto identifica alguns efeitos desse «aperfeiçoamento» do Homem:

Para os racionalistas de Paris, estes aldeões simplórios [vendeanos], crentes, rudes, afastados e inimigos das Luzes, constituíam uma espécie de inimigo natural. Como se procura mostrar num ensaio expressivamente intitulado A Vendeia e as Luzes: as origens intelectuais do extermínio, no mundo altamente intelectualizado e retórico dos revolucionários de Paris, os camponeses vendeanos são designados como «ferozes aldeões», «malfeitores», «malfeitores fanáticos», 'tigres famintos do sangue dos franceses», «horda», «horda de escravos», «bárbaros», «raça rebelde», «monstros», «monstros fanatizados famintos de sangue e carnificina».

O processo de utilização da linguagem revela essa ideia de excluir os rebeldes vendeanos do mundo politicamente correcto dos cidadãos. (...) Estes camponeses rebeldes, que persistem nas suas «superstições» religiosas, que rejeitam as Luzes, a Razão, a Liberdade, não são dignos de viver, porque, em última instância é duvidosa asua humanidade, privados que estão de vida política e social. Temos aqui um destes processos de desumanização ideológica, de retirada de dignidade a todo um grupo social, (a expressão «raça» é utilizada) independentemente das suas acções concretas ou da sua responsabilidade subjectiva (as crianças serão chacinadas, sistematicamente, com os pais).

Há assim, entre a cidade-luz da Revolução, convencida e orgulhosa dos seus direitos de fundadora de uma idade da Razão, e aquilo que ela vê como o «campo» atrasado, reaccionário, ignorante, uma antinomia brutal e violentíssima.

Jaime Nogueira Pinto, A direita e as direitas

[João Silva]

quarta-feira, outubro 27, 2004

A Cavalaria Rusticana

Durão Barroso chegou a ser «aqui da casa». Pela convicção reformadora, pela determinação liberal (determinação que se tornou, depois, num novelo de «emoções» e ideologias oblíquas) e pela forma como erguia o punho na Assembleia. Gostava do senhor. Mas algo sobressaíu nele, depois de 2002, que não estava patente no «Durão da oposição»: um PC (politicamente correcto) que, por vezes, movia partido e Governo. O PC em relação à comunicação social (em entrevistas) mas, sobretudo, o PC em relação à «Europa». Durão Barroso está agora na Comissão Europeia e tem, nas mãos, a tarefa de formar uma Comissão Europeia forte. O PC continua lá. Uma certa fraqueza perante as «vozes indignadas» num mundo que se indigna por muito pouco.

A matriz jacobina da Europa que se quer formar e consolidar cada vez mais e em maior espaço foi reafirmada esta semana. A Europa do «multiculturalismo» e da multiplicidade de crenças cai por terra quando se fala de tradição. O único pecado (sem ironia) de Rocco Buttiglione é, precisamente, ter exposto as suas crenças individuais perante um grupo de deputados. O italiano é cristão convicto. Como tal, disse que a homossexualidade, como habitualmente expresso pela Igreja Católica, é um pecado (sic). Buttiglione disse que tinha uma visão pessoal quanto à questão da sexualidade. Visão pessoal com algumas convicções, mas visão política completamente isenta, o que é algo imperceptível aos senhores e rapaziada deste Parlamento, que, por momentos, se assemelhou à Convenção (Convenção Francesa de 1793, note-se). Acreditar na igualdade de todos os homens perante Deus (Deus, ao que parece, morreu à porta do Parlamento Europeu) e perante a Lei tornou-se secundário em relação à necessidade de todos os homens serem efectivamente iguais por amor à «Europa». Ou seja, matar o individual em favor do colectivo. A diferença entre convicção pessoal e convicção política não existe nos corredores da «Europa», já que há a necessidade de moldar o que é «ser um europeu decente». Moldar um homo europeus.

O que Durão Barroso fez foi aceder às tais «vozes indignadas». Em vez de submeter a escolha que acha correcta (e que deveria ser correcta, visto que essa seria a sua primeira função: formar uma Comissão forte) a uma votação, Durão recuou perante a «maioria invisível», a maioria dos apupos e do punho no ar. O novo Presidente da Comissão Europeia explicou: concluí que, se for hoje realizada a votação, o resultado não será positivo nem para as instituições nem para o projecto europeu. Nestas circunstâncias, decidi não apresentar uma nova comissão à vossa aprovação hoje.
Esta é a ideia de funcionamento entre países e, sobretudo, entre instituições europeias, que reina naquelas hostes: todos trabalhando para o «progresso do Homem», à maneira francesa. No seguimento da demonização de Gomes da Silva (não poderia ter mais razão quem o fez) e de todo o mecanismo em redor do «caso Marcelo Rebelo de Sousa», a situação inverte-se quanto às «opiniões» de Rocco, mas, desta vez, pegando em coisas que não interessam para nada. Lá está. Todos os homens são iguais, mas uns são mais iguais que outros.

[João Silva]

A vitória jacobina

A decisão de Durão Barroso de adiar a votação da sua equipa é, no mínimo, lamentável. Não só por ter cedido às ameaças do mundo eurocrata, mas também por não ter tido coragem de sujeitar a equipa, por si escolhida, a votação. Durão revelou falta de carácter e, de igual modo, uma vontade imensa de agradar a todo o mundo jacobino, mundo esse que repudia tudo o que vá para além do seu entendimento.

Como se sabe, a principal causa de discórdia é Rocco Buttiglione, um filósofo conhecido pelas suas convicções catolicistas, que não representa nenhuma ameaça às liberdades cívicas do povo europeu. Mas que o italiano não representa perigo algum, todos o sabem. Nem é isso que está em causa. O que está em causa é o facto de Buttiglione ser católico (sem aspas, como referia ontem o meu amigo Bruno Alves); é o facto de Buttiglione ser indiferente aos ideais progressistas, ideais esses que permitem que um indivíduo seja, simultaneamente, católico, homossexual e, quem sabe, muçulmano. Enfim, puro jacobinismo.

[Paulo Ferreira]

Em leitura


[Paulo Ferreira]

Noite Escura um filme de João Canijo

Uma família dona de um bar de alterne e metida em negócios obscuros, vê-se forçada a vender a filha mais nova (a qual só sonha em ser cantora) à máfia de leste, de modo a pagar uma dívida.
É este o tema por onde toda a estória gira. Com um quarteto de actores, Rita Blanco, Beatriz Batarda, Fernando Luís e Cleia Almeida, cada qual com uma interpretação fabulosa, com principal menção a Beatriz Batarda e Fernando Luís (actor o qual, eu pessoalmente não aprecio, mas que aqui tem uma interpretação excepcional), este filme de João Canijo apresenta-se como uma realidade que para nós é totalmente fora da realidade.
Com planos providenciais de todo o espaço do bar, este filme apresenta-nos uma visão intimista dos interiores dos bares de alterne. Quem nunca, como eu, havia alguma vez entrado em tal estabelecimento, deixa de se poder gabar (ou não) de tal facto. Em “Noite Escura” nós entramos no bar, bebemos uns copos, e temos umas senhoras como companhia e no meio de tudo isto, ainda perseguimos a verdadeira tragédia greco-aportuguesada dos quatro elementos da família.
Num local onde a inocência se perde logo após o nascimento, todos, de uma maneira ou de outra, acabam por morrer para a vida, cada qual à sua própria maneira.
“Noite Escura” apresenta-nos uma outra noite, uma menos clara à que estamos habituados. O nome não é inocente, e o filme é decididamente a não perder.

[Tiago Baltazar]

terça-feira, outubro 26, 2004

Sombra



Por vezes, pergunto-me quanto tempo nos separa.
Quanto tempo separa a minha casa da tua.
Quantos degraus terias de descer para saberes que continuo no ponto onde ficámos, ignorando que querias dar a volta ao Mundo.
Quantos dos teus demónios se juntaram a mim na multidão.
(Pergunto-me)
Quanto tempo te separa da sombra que continua comigo?

[João Silva]

Chelsea Hotel No.2

I remember you well in the Chelsea Hotel,
you were talking so brave and so sweet,
giving me head on the unmade bed,
while the limousines wait in the street.
Those were the reasons and that was New York,
we were running for the money and the flesh.
And that was called love for the workers in song
probably still is for those of them left.

Ah but you got away, didn't you babe,
you just turned your back on the crowd,
you got away, I never once heard you say,
I need you, I don't need you,
I need you, I don't need you
and all of that jiving around.

I remember you well in the Chelsea Hotel
you were famous, your heart was a legend.
You told me again you preferred handsome men
but for me you would make an exception.
And clenching your fist for the ones like us
who are oppressed by the figures of beauty,
you fixed yourself, you said, "Well never mind,
we are ugly but we have the music."

And then you got away, didn't you babe,
you just turned your back on the crowd
you got away, I never once heard you say,
I need you, I don't need you,
I need you, I don't need you
and all of that jiving around.

I don't mean to suggest that I loved you the best,
I can't keep track of each fallen robin.
I remember you well in the Chelsea Hotel,
that's all, I don't even think of you that often


Leonard Cohen

[Paulo Ferreira]

segunda-feira, outubro 25, 2004

Europa

Numa entrevista concedida ao "Público" e à Rádio Renascença, Rui Vilar, presidente da Fundação Gulbenkian, a certa altura, afirma: "A Europa tem de salvaguardar uma relação transatlântica indispensável para a sua segurança. Não vejo a Europa como uma potência militar - não vejo que os parlamentos votem orçamentos de defesa elevados e a economia tenha recursos. Mas deve afirmar-se como referência de valores contra uma deriva unilateralista e ter um papel acrescido como interlocutor em determinados teatros de conflitos. Temo-nos apoucado em conflitos como o do Médio Oriente. E devemos recuperar a visão de Barcelona, a que não esquece a fronteira sul, a que fica do outro lado do Mediterrâneo."

Rui Vilar, nesta entrevista, reconhece que a União Europeia tem muitas fragilidades . Só por isso demonstra alguma sensatez. Afinal de contas, poucos são os eurocratas que o reconhecem. Porém, o presidente da Fundação Gulbenkian, mesmo sabendo que a UE não passa de um anão político, acredita que esta última tem todas as condições para "afirmar-se como referência de valores contra uma deriva unilateralista e ter um papel acrescido como interlocutor em determinados teatros de conflitos." A afirmação ganha contornos surrealistas, se se tiver em conta que Rui Vilar não vê a Europa como potência militar.

Este tipo de bacoquices, que grassam por todo o continente europeu, já não chocam ninguém. Pelo contrário, são cada vez mais levadas a sério, principalmente pelo mundo eurocrata, que prima pelo multilateralismo. Basta ler as seguintes afirmações de Mário Monti, comissário europeu demissionário, para perceber a essência desse multilateralismo: "A única alternativa política para os Estados que não ratificarem a Constituição Europeia será deixar a União para não condenar os outros à impotência." Por mim, tudo bem. Mas, pergunto, onde está a potência? E, já agora, quem é que pediu uma Constituição Europeia?

[Paulo Ferreira]

A propósito de Rocco Buttiglione...

Recomenda-se a leitura deste artigo de Mário Pinto, no "Público". Aqui fica um pequeno excerto:

"(...) Sucede que partilho as convicções católicas de Rocco Buttiglione, e gostaria de saber se isso é um impedimento para o exercício de funções políticas governativas (em certas áreas... só por enquanto). Não que seja candidato, mas só para saber qual é o meu estatuto cívico. Isto é: a democracia do século XXI não excluiria ninguém, por delito de opinião, do exercício dos seus direitos políticos, excepto os católicos coerentes. Coerentes são os que livremente estão em união (de inteligência e de vontade) com a doutrina e a autoridade da Igreja - porque há muitos, e até padres, que fazem uma administração autónoma da doutrina e se importam pouco com os mistérios (isto... digo eu).
Neste terceiro milénio, o único crime de opinião seria então o de ser católico; e a pena correspondente a de exclusão de funções políticas por suspeito em matéria de direitos humanos. Nunca, na Europa ocidental do pós-guerra, nenhum comunista convicto das suas convicções marxistas-leninistas, as quais negavam o conceito ocidental dos direitos humanos como direitos universais, foi assim pública e internacionalmente julgado num fórum parlamentar como indigno de confiança política! Álvaro Cunhal (político sempre tão elogiado pela sua coerência), disse claramente a Portela Filho, numa célebre entrevista à revista "Opção" (nº 45), que ele via as situações de liberdade "com espírito de classe, não com critérios gerais e universais". Ora, jamais ouvi que por isso o ilustre comunista devesse ser impedido de ser ministro ou deputado. Buttiglione não disse nada que se parecesse."


[Paulo Ferreira]

sábado, outubro 23, 2004

Desilusão

Uma coisa que me transtorna bastante, é assistir à transformação de um actor ou de um músico em activista político. Por mais frequentes que se tornem os casos de actores ou de músicos conhecidos que se deixam levar pelo obscuro mundo da bacoquice, não me consigo habituar à ideia de que essa gente também tem o direito de pensar e de exprimir as suas opiniões.
Na minha retrógrada mentalidade, mentalidade essa deveras influenciada pelas crónicas de Nelson Rodrigues, o artista não pensa. Limita-se a desempenhar as suas funções, enquanto actor ou músico.

Porém, se, há muitas décadas atrás, o artista apenas estava capacitado para levar o público à comoção, através da representação, ou mesmo através de autênticos espectáculos musicais, nos dias de hoje, poucos são os artistas que não sentem necessidade de influenciar, politicamente, o «público» com as suas insopitáveis opiniões. Opiniões essas que, na maior parte das vezes, são inócuas, vazias de sentido e que, no fundo, acabam por condicionar a adoração que o «público não-massificado» possa ter pelo próprio artista.

[Paulo Ferreira]

Vinicius de Moraes

Há dias em que estes quatro versos não me saem da cabeça:

Por que me faltas, se te procuro?
Por que me odeias quando te juro
Que te perdia se me encontravas
E me encontrava se te perdias?


[Paulo Ferreira]

Desilusões

Este corpo fantástico vota Kerry...


...este fantástico actor também...



Paciência...
[Paulo Ferreira]

sexta-feira, outubro 22, 2004

A União pluralista

Muito afastados da Europa devem estar os que culpam George W.Bush pela divisão europeia. Tão afastados que nem sabem que a União Europeia não precisa de ajuda externa para se dividir.

Rocco Buttiglione, Neelie Kroes, Lászlo Kovács, entre outros candidatos a comissários europeus, podem até defender valores que o vasto mundo progressista repudia. Porém, nenhum desses valores impede que políticos como, por exemplo, Buttiglione, defensor acérrimo do catolicismo, realizem um bom trabalho ao serviço da Comissão e, por conseguinte, da União Europeia. Aliás, opiniões não exprimem políticas. No entanto, parte dos membros que compõem o Parlamento Europeu (instituição que tem poder para aprovar ou reprovar a composição da Comissão Europeia, através de uma votação parlamentar) não pensa da mesma maneira.

Ao que parece, a esquerda está profundamente chocada com a escolha de alguns dos nomes que Durão Barroso escolheu. A título de exemplo, Graham Watson, Presidente dos Liberais, preocupado com o futuro das liberdades cívicas na Europa, afirmou há uns dias que Buttiglione deveria retirar-se. Muitos outros políticos, tais como a extraordinária Ilda Figueiredo, que parece nunca ter lido um livro com mais de dez páginas, e António Costa, um político menor, também se demonstraram procupados com a situação. Todavia, tudo isto parece não passar de puro facciosismo. É verdade. Puro facciosismo. Pelo menos, se se tiver em conta que nunca houve tanta contestação, por parte da esquerda, à Comissão liderada por Romano Prodi ( Comissão essa muito suspeita), se se tiver em conta que a possibilidade de corrupção já foi uma realidade quase não contestada pelos que a temem agora.

Quem fica a perder com toda esta confusão é a própria União.

[Paulo Ferreira]

Os meus problemas - Burocracia

O Estado «à portuguesa», ao longo dos tempos, indiferentemente dos tipos de governo ou dos modelos de estadistas ou governantes, sempre esteve (séc. XX) confinado a uma coisa: a burocracia. Esses tentáculos, indispensáveis à manutenção do nosso apego aos subsídios e facilidades do Estado socialista, são a nossa única ligação com o topo da hierarquia. A democracia representativa não tem grande influência nas nossas relações com os funcionários do Estado. Da porta das repartições para dentro, rebobina-se a construção civilizacional e a evolução das instituições civis - reinicia-se o «estado de natureza». Contra a função pública, e concorrendo contra outros pretendentes à gentil mão subsidiária do Estado, não há dúvidas: é a luta de todos contra todos.

No entanto, a única maneira de unir dois homens, ou mulheres, simples (secretário de Estado e o indivíduo que pedincha) é através do «papel». O «papelinho», como dizem as malogradas «doutoras da portaria». «Desculpe, mas vai ter que levar este papelinho ao Sr. Meireles ao Departamento Alternativo para carimbar, mas diga que vai da parte da Dona Manuela que ele despacha-lhe isso», e continua: «e tem, ainda, de passar na repartição das finanças para que lhe validem este requerimento para que possa cá voltar e pedir uma declaração extraordinária que lhe permitirá tirar senha para ir à secretaria e falar com alguém lá que lhe dará um papel com o que precisa para pedir os documentos para que possa ir para a fila que vai dar a outra fila que vai dar a uma sala onde vai esperar que lhe deixem entrar para uma salinha onde vai esperar que lhe digam se pode ou não vir cá entregar-me esse papel que aí tem na mão, está bem?». «Está bem», condescendemos nós, os totós, e lá iniciamos a nossa aventura.

No fim das filas e repartições, lá obtemos a permissão e voltamos à Dona Manuela. Ao lá chegarmos, um minuto atrasados, provavelmente encontramos a Dona Manuela levantando-se para o almoço. Correndo e chamando, ainda conseguimos a atenção dela. «Dona Manuela! Já cá tenho o papel, ainda bem que a encontro aqui! É só entregar!». Ao que ela responderá: «Mas o senhor está a brincar? São 13.01, hora de almoço. É que a gente trabalha aqui, não andamos aqui a brincar, ouviu? Ora esta, com a mania que é doutor...». Ainda perguntamos «não pode só aceitar isto e poupar-me uma tarde de trabalho?». Na asserção final, a Dona Manuela nunca disse nada tão correcto: «Desculpe, mas não posso! Portugal fecha à uma!».

[João Silva]

As chagas de Castro

Loyola de Palácio, vice-presidente da Comissão Europeia, identificou a data da morte de Fidel como a primeira viragem, em Cuba, na direcção da democracia. Não estando essa data iminente (ao contrário do que o leitor pensa, não torço por tal), outro azar bateu à porta do Estaline Barbudo. Fidel Castro espalhou-se. Literalmente. A figura divina das Caraíbas, perante as câmeras e um vasto público pleno de crentes, tropeçou e deu uma espalhafatosa queda que o mandou (de urgência, parece) para o hospital. Como em todo o bom regime comunista, chorou-se muito...

[João Silva]

quinta-feira, outubro 21, 2004

Dress Rehearsal Rag

Four o'clock in the afternoon
and I didn't feel like very much.
I said to myself, "Where are you golden boy,
where is your famous golden touch?"
I thought you knew where
all of the elephants lie down,
I thought you were the crown prince
of all the wheels in Ivory Town.
Just take a look at your body now,
there's nothing much to save
and a bitter voice in the mirror cries,
"Hey, Prince, you need a shave."
Now if you can manage to get
your trembling fingers to behave,
why don't you try unwrapping
a stainless steel razor blade?
That's right, it's come to this,
yes it's come to this,
and wasn't it a long way down,
wasn't it a strange way down?
(...)

Leonard Cohen

[João Silva]

Autodeterminação

"As pessoas - pelo menos algumas - estão dispostas a morrer pela independência das suas nações. Seria errado ignorar uma força tão poderosa como essa.Ainda assim, a autodeterminação nacional continua a ser uma das invenções mais infelizes do direito internacional. Ela atribui direitos a povos quando os direitos deviam ser sempre atribuídos a indivíduos. Como resultado, convida os usurpadores a reivindicarem esse direito para povos em cujo nome falam, enquanto, ao mesmo tempo, esmagam minorias e , às vezes, os direitos civis de todos."

-Ralf Dahrendorf, Reflections on the Revolution in Europe

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, outubro 20, 2004

Já agora...

Não há ninguém que impeça Caetano Veloso de cantar músicas dos Nirvana?
[Paulo Ferreira]

Beautiful Helena



Homens batalharam-se em Tróia por uma Helena...

[João Silva]

Frase socialista do dia

«Sem fotografia, não existem.»

[João Silva]

Filho da burocracia

Um rapaz veio ao Mundo debaixo dos olhos atentos dos pais. Os rasgados sorrisos abriam-se sincronizadamente ao longo do corredor enquanto o pequeno português era carregado ao colo numa viagem real para outra sala. Os pais já sorriam e diziam: «o David nasceu». Seria esse o nome dele. Não havia outra maneira. Sem hipóteses de recuperar a tradição cortesã para festejar o nascimento do pequeno sangue-azul, os pais e familiares, de uma classe média pobre, saudosista mas de olhos reais, abraçavam os enfermeiros e o povo comum.
No entanto, nos meandros do registo civil, os jacobinos conspiravam. David é nome proibido. Sionista, diziam. Ainda por cima filho de ricos. «Como é que se chama o filho do sô engenheiro?». «Acho que é Davi», responderam. «Lê-se com dê, é Davide». «É isso sim». E assim foi. Os doutores da calçada (Dra. Gina, Dra. Amparo, Dra. Sãozinha, Dr. Memé) criavam, num rasgo humorístico, um nome muito português. Sem origens latinas, gregas, asiáticas, orientais, o nome Davide tinha uma nova origem: era um nome da República Portuguesa. Um filho do socialismo. Um filho, sobretudo, da burocracia.

[João Silva]

terça-feira, outubro 19, 2004

A divisão europeia

Para muitos europeus e,imagine-se!, americanos, George W.Bush, actual Presidente dos Estados Unidos, é o maior responsável pelo afastamento entre os Estados Unidos e a União Europeia. Pior, para muitos, o principal causador das divisões na "Europa", tem sido George W.Bush. Nada mais absurdo!

Como se sabe, a Europa nunca primou pela união. Muito menos pela harmonia. As duas funestas guerras que se abateram sobre o território europeu demonstram bem a fragilidade de um continente constituído por países interessados na sua própria promoção. Todavia, poderá afirmar-se que a Europa, nos últimos cinquenta anos, tem-se esforçado na cooperação, no desenvolvimento económico, entre outras coisas. Isso não deixa de ser verdade. Porém, a realidade é que, quando os interesses nacionais falam mais alto, a cooperação e o desenvolvimento passam a ter um papel secundário e, aí, cada um fala por si. A França e a Alemanha que o digam.

Sobre a divisão atlântica, recomendo a leitura deste post, no Observador.

[Paulo Ferreira]

Um artigo sobre "Jakki"

A não perder, na Spectator, um artigo de Rod Liddle sobre Jacques Derrida.
Aqui fica um pequeno excerto:

"Our problem comes, as ever, with the French. You think the ‘death’ of ‘Derrida’ is philosophically problematic? Just wait until Jacques Lacan dies. Believe me, we won’t know whether we’re coming or going. Lacan makes Derrida look like Paul Gascoigne."

[Paulo Ferreira]


segunda-feira, outubro 18, 2004

Territórios de Jardim

Alberto João Jardim acaba de ganhar, mais uma vez, as eleições na Madeira. Nada menos surpreendente, se se tiver em conta que o populismo combina sempre bem com o eleitorado.

O populismo de alguns políticos, tais como Alberto João Jardim, nem sempre é coincidente com os interesses do «povo». Muitas vezes, esse populismo é apenas a forma mais fácil de ganhar eleições. Nada mais fácil que apresentar «uma Madeira desenvolvida» e «distante das confusões do Continente» para ganhar eleições. Porém, quando esse desenvolvimento e essa harmonia são suportadas por casos desconhecidos de corrupção, silenciamentos constantes de partidos da oposição e da pouca imprensa que se opõe, o caso ganha contornos preocupantes. A democracia, garante dos direitos civis, fica em risco, e a propensão para a adoração do líder carismático torna-se maior. Em suma, a Madeira, território conquistado por João Jardim, representa ,mais um, daqueles casos-limite em que não se sabe bem onde acaba a democracia e começa a ditadura.

Ontem, o meu amigo Bruno Alves disse e bem que «o que se passa na Madeira não é um exemplo de uma aberração. É um exemplo da fragilidade da democracia. E perceber isto é o primeiro passo para manter uma democracia saudável... ». Porém, não posso concordar com ele quando, a propósito da vitória de João Jardim, refere:«Espantam-se as boas consciências, e preocupam-se os líderes do PSD. Quanto a estes últimos, percebe-se. Ter que lidar com o senhor da Madeira, e pior, ter que lidar com as (justificadas) reacções às habituais e inqualificáveis declarações do dito, deve ter tirado muitas horas de sono a qualquer um que tenha passado pela liderança daquele partido.» Pelo menos, não posso concordar com ele enquanto existirem governantes que façam elogios a Jardim. A concordar, teria que possuir uma visão populista da coisa. E, isso, felizmente, não tenho (nem ele).

[Paulo Ferreira]

Regresso do Inverno / Regresso do sarau

...depois de uma amena discussão, chegou-se à grande vencedora:


[Paulo Ferreira]

domingo, outubro 17, 2004

A guerrilha corriqueira



Alberto João Jardim em campanha. Haverá espectáculo mais corriqueiro, mais rude e, no entanto, mais eficaz que o montado pelo «líder» do PSD e da Madeira? Ataca os adversários políticos de uma forma exclusiva em Portugal - sem «politicamente correcto», e também sem educação, Alberto João arrasa a oposição. Acusa o Governo de colonialismo. Faz do governo autónomo um órgão central do próprio partido. Comporta-se como um Caudillo. Arranca o microfone aos outros na campanha e põe os líderes do PSD a dançar La Bamba, num triste retrato caricatural do que são as relações entre Madeira e Continente.
Sem debate directo com a oposição (facto que é imagem de marca das décadas de liderança de Jardim na Madeira), o PSD/Madeira lá consolidará a sua posição no Arquipélago. Cimentada, pela mão grosseira de Alberto João Jardim, a estranha democracia madeirense, provavelmente aumentar-se-à um pouco mais, hoje, o governo autónomo que se poderia chamar de a «Muralha do Atlântico».

[João Silva]

sexta-feira, outubro 15, 2004

Take This Longing

Leonard Cohen está de regresso com um novo álbum, para grande felicidade de todos os seus ouvintes, nos quais me incluo. Para muitos, Dear Heather (nome do álbum) não deveria ter sido lançado, já que nada traz de novo à vastíssima obra de Cohen. Não poderia estar mais em desacordo com essas vozes saudosas, que ansiavam por algo diferente ou superior a obras como The Future, Songs of Love and Hate, I’m Your Man ou New Skin For The Old Ceremony.
Afinal de contas, Leonard Cohen é dos autores mais repetitivos de que há memória (assemelhando-se nesse aspecto a Woody Allen). Se me fosse permitido caracterizar toda a sua obra numa simples frase, diria que todos os seus trabalhos pertencem todos ao mesmo álbum. Quem muda são os nomes dos temas, das personagens. O sentimento e a poética, essas permanecem inalteráveis.
Se por algum motivo, os ouvintes de Cohen não conseguem gostar de Dear Heather, a culpa não será, obviamente, de Cohen, mas sim do esquecimento dos próprios ouvintes. Passo a explicar: Quem não consegue dar o devido valor a um álbum que consegue superiorizar-se a muitos dos outros álbuns anteriores, esqueceu-se de que gosta de ouvir Cohen.

[Paulo Ferreira]

Dark side of the moon

Ao que parece, John Kerry afirmou, no último debate presidencial, que ouvir George W. Bush a falar de assuntos fiscais «é o mesmo que ouvir Tony Soprano a falar da lei». Com todas as reservas que tenho quanto à visão do Presidente Bush em relação às finanças americanas, poderia também referir-me ao ponto mais fraco do candidato democrata: ouvir John Kerry a falar de política externa é o mesmo que ver Fredo Corleone a tratar dos negócios da Família.

[João Silva]

quinta-feira, outubro 14, 2004

The only cat



[João Silva]

Os meus problemas - Cinema

Ir ao cinema é uma distracção. É? Claro que não. O cinema tem duas funções que estão na génese da própria invenção dos Lumière: uma é distrair, outra é fazer com que o espectador saia do cinema a saber um pouco mais sobre qualquer coisa que seja. Mesmo que não ensine nada de novo, cria dúvidas e causa problemas mentais e sociais. Atrai-nos para coisas banais nas quais nunca pensamos. No entanto, o cinema não pode ser apenas um suporte para outras coisas. Não pode ser para «passar tempo». Certas pessoas não deviam poder entrar no cinema.

Uma dessas pessoas é o «brincalhão» (o palhaço). O «brincalhão» não vê a vida mais colorida ou mais alegre que as outras pessoas, simplesmente gosta de se auto-humilhar sendo o centro das atenções, sendo a piada. No escuro do cinema, privado das suas capacidades mímicas (não podem ver as caras que faz), tem de partir para as piadas verbais. Como tal, não se cala. Olha este, parece fulano! - diz o engraçado. Granda máquina! - diz o menino. Ó Manel, aquele pareces tu, pá! - e o rol de possíveis intervenções é interminável e imprevisível. O pior deste estatuto, de «engraçadinho», é que não nos podemos queixar. Com os queixumes, as suas piadas aumentam o volume, e mais, adquirem um alvo humano. A sua existência é uma tortura.

Outro caso, menos grave, mas igualmente irritante em diferentes graus, é o do casal de namorados. Encostam as cabecinhas no meio das cadeiras impedindo a visão dos outros. Dão beijinho quando a música triunfal surge no ecrã. Coram e abraçam-se quando há promessas de amor e confiança no ecrã. Não interessa se um dos dois anda a ouvir música triunfal fora do namoro, porque, no cinema, o amor torna-se meloso e nauseante. E ter de gramar com ecos e cochichos (as promessas de amor eterno) da rapaziada é deveras maçador. Mas isto só acontece com namoradinhos. Para eles, só há uma solução: casem-se.

As pipocas também são irritantes. Ou podem ser, não sendo sempre. Eu sou um deles. Sou o das pipocas. Obviamente não tenho o hábito de mastigar de boca aberta nem de atirar pipocas, mas tenho, em mim, um miúdo a fazer birras se toda a gente estiver a entrar na sala com pipocas menos eu. Uma vez ou outra, não resisto, e junto-me, também, à turba da irritante gentalha das pipocas.

Para além dos meninos mal-comportados, obviamente filhos de quem não sabe ler as letras mais pequenas (M/6, M/12), não há remédio. Fazem-me sentir velho, e a mais, na sala de cinema. Mas o pior, o pior de tudo, é o «rapaz teleponto». Há uma semana atrás, fui ver um filme, «acidentalmente», a um Cinema Lusomundo (às profundezas do Vesúvio). Atrás de mim, sentou-se uma voz. A voz veio de fora, mas sentou-se, na enormidade do cinema, precisamente atrás de mim. Uma mulher acompanhava a voz. Estou muito agradecido à voz. Graças a ela, fiquei a saber, depois de ler Kennedy International Airport, que era mesmo isso que estava lá escrito. Para o caso de ter dúvidas ou de me distrair, lá estava a voz para me inteirar do filme. Obrigado. Nos momentos mais «emocionantes», a voz ajudava a expectativa geral indagando, alto e bom som: O que é que ele vai fazer?. E depois, com a desilusão do romance, um sonoro mas lacrimejante Olha... Obrigado, voz. No fim, para não haver dúvidas, declamou: Acabou! Porque nunca se sabe se não haverá algo mais. Quando me levantei, a voz tinha desaparecido. Não vi ninguém. Não tinha reflexo físico. Um demónio incorpóreo (no mínimo um) parece deambular, sempre, pelas salas de cinema dos Lusomundos e afins zonas populares. Uma questão continua: nunca cheguei a ver a voz. Seria real?

[João Silva]

Surpresa II

Ontem, para meu grande espanto, descobri que um cantor pimba está de partida para o Iraque. Hoje, descubro que José Raul dos Santos, Presidente da Câmara de Ourique, tem uma coluna semanal no "Diário de Notícias". Será que os portugueses perderam o juízo?

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, outubro 13, 2004

Surpresa I

Toy, o grande criador de "Estupidamente apaixonado", vai, segundo uma notícia avançada pelo "Diário de Notícias", cantar no Iraque.

[Paulo Ferreira]

Engrimanço

Duas da manhã. Toda a cidade envolve-se num sono comovente. Eu, constantemente afectado pela falta de sono, passeio pelas ruas vazias. Comigo vem o silêncio. Um silêncio cansado, pronto a morrer.

[Paulo Ferreira]

terça-feira, outubro 12, 2004

Esclarecimento à tripulação

Lusitano significa, no caso deste blog, "ser português". Porém, "ser português" é muito redutor e pode dar azo ao preconceito. Por conseguinte, passo a esclarecer algum mal-entendido que possa, hipoteticamente, surgir em relação a este pequeno espaço blogosférico: "ser português" não é sinónimo de "ser fascista" ou "ultra-nacionalista". Exemplo disso são estes quatro seres portugueses, que pouco gostam de Portugal e do sonho romântico português, mas que se juntaram para criar um blog chamado "Lusitano".

[Paulo Ferreira]

The genius underneath the work



[João Silva]

segunda-feira, outubro 11, 2004

Review on Brooklyn

Acerca do último post - Brooklyn is everywhere - recebi algumas objecções. Uma delas foi acerca de De Palma. Ou seja, que eu afirmei que o realizador era «mais recente» que Scorsese e Coppolá, não sendo (eram da mesma universidade). O que eu afirmei era verdade...e não era. Passo a explicar. De Palma «surgiu», para mim, com Scarface (o Scarface de Pacino). Anteriormente, já tinha introduzido Robert De Niro com Wedding Party e Greetings, dois filmes menores de comédia. Mas só com Scarface adquiriu uma certa linha nos filmes policiais, e de acção (cuja inspiração vem, naturalmente, da sua «escola», que é a mesma de Scorsese). É neste que, na minha opinião, solidifica a sua visão destas histórias, visão que atinge o auge em Carlito's Way - na minha humilde opinião, um dos maiores filmes de sempre do género.

Também referi a «técnica», e aqui haverão equívocos. Disse que Tarantino e De Palma tinham técnicas mais apuradas, mas não era isso que eu queria dizer. Como devem saber, Scrosese é, para mim, intocável, e a técnica é uma das razões. O que eu queria dizer era que tanto De Palma como o realizador de Pulp Fiction exploram mais os chamados clichés, e aí exageram muito as perspectivas: os slow-motions, o behind view, e alguns «truques» que fazem a diferença num filme de acção decente. A técnica, aí, é «refinada». Os filmes são posteriores a um grande quantidade de filmes de Scorsese e, à excepção do terceiro da saga, a Godfather. Os clichés nas cenas de De Palma são deliberados, os exageros físicos e na violência em Tarantino são, à sua maneira, caricatos e geniais - Tarantino é um revolucionário que tem o seu mérito (e nem vou muito com os inovadores).

Quanto a Leone, que acharam supérfluo no conjunto, têm razão. Tem uma influência desmesurada nas cenas de acção do cinema americano (Tarantino é um herdeiro descarado), mas não pode ser inserido na «escola de Brooklyn». Uma vez mais, há equívocos de ambos os lados. Falei em legado de Leone juntamente com os outros, mas no que refere ao tema: vingança. Aí Leone é, até, para além dos outros quatro, inultrapassável, especialmente no que toca à passagem do Once Upon a Time para o cenário dos Estados Unidos (Brooklyn, of course), culminando no Once Upon a Time in America (bendito De Niro). Espero que não haja mais divergências.

[João Silva]

domingo, outubro 10, 2004

Geoge Steiner em debate

Amanhã, pelas 18h30, haverá um debate sobre a obra de George Steiner na Fnac do Chiado. O único “handicap” será a presença do conhecido Inquisidor-geral da República, Eduardo Prado Coelho.

[Paulo Ferreira]

Brooklyn is everywhere



Não sou um perito em cinema. Não vejo filmes por obrigação. Sou impaciente quando «aguento» horas de um filme horrível (não sendo, no entanto, capaz de sair a meio, como o capitão que se afunda juntamente com o seu vaso de guerra). Tenho, no entanto, uma infância que coincidiu com a era da «chuva» de cinema de Hollywood, a era da sobrepopulação cinematográfica. Os filmes choviam, muitos e maus. Os maiores realizadores já se haviam retirado. No entanto, uma tradição imperou e sobrevivera, imponente e elegantemente violenta, mesmo que permeável à unanimidade burra: a tradição do cinema italo-americano. Dizer que Scorsese é o seu maior expoente será algo romanceado e tendencioso, mas não hesito em pô-lo no topo. Talvez Leone e Coppola igualem a intemporalidade do legado de Martin Scorsese apenas com as sagas A Fistful of Dollars e Once Upon a Time..., do primeiro, e Godfather, do segundo. Quentin Tarantino e Brian De Palma já são, por outro lado, diferentes, mais recentes, e com técnicas mais apuradas. Que é o mesmo que dizer que pertencem a outra «era». Sobretudo, as personagens destes últimos dois realizadores adquirem dimensões caricaturais, menos humanas/desumanas e mais sublimes, seja procurando o bem próprio ou apenas um objectivo ironicamente insignificante, como a sobrevivência, ao contrário da similaritude rancorosa e vingativa das figuras de Scorsese e Coppola, tementes a Deus. Mas em todos eles há um fundo inspirador do ambiente e das personagens. Uma necessidade de sobreviver e uma necessidade de voltar sempre ao local onde tudo começou. O local em que nasceram e cresceram muitos ícones do cinema (e, naturalmente, da realidade) do séc.XX. Inequivocamente, esse ambiente é: Brooklyn.

[João Silva]

sábado, outubro 09, 2004

Os meninos

Os meninos são aqueles sujeitos que acabaram sair de uma adolescência recheada de mentiras (alguns prolongam o final da adolescência até à velhice). Estes meninos são facilmente reconhecíveis: vestem roupas da moda, votam no Bloco ( dizem que é contra o Sistema), não têm tempo para ler, não gostam de George W.Bush e usam sempre penteado caprichado (um penteado caprichado pode variar, tudo depende do gosto do indivíduo, mas a tendência é para usar cabelinho à Cristiano Ronaldo).
Os meninos, ingénuos que são!, julgam-se autênticas fontes de conhecimento (conhecimento musical, literário, artístico, histórico, etc.). Nem mais. Autênticas fontes de conhecimento. Porém, os meninos não sabem nada, embora eles tenham grande dificuldade em reconhecer que deambulam por entre os meandros da ignorância. Chegam ao cúmulo de se acharem mais capacitados que o Presidente dos Estados Unidos. Veja bem, caro leitor, que o Presidente dos Estados Unidos.
Ora, não me irritaria com a existência de meia dúzia de parolos, se esses parolos não fossem mais que meia dúzia. Todavia, esses parolos estão em todos os cafés, em todas as ruas, enfim, em todo o lado em que haja uma pobre alma humana para chagar.

[Paulo Ferreira]

Everything just feels like rain

Raindrops

Silence is here again
The silence is here again tonight
Will the love ever come back?
Will the love ever come back?
I know I've been pushing you away
I know it's been going on for days
Those awkward little things
So endearing
Those awkward little things
Wear on me

See, what we got here is a tired love
What we got here is a lazy love
It mooches around the house
Can't wait to go out
What it needs, it just grabs
It never asks
We sit and watch the divide widen
We sit and listen to our hearts crumble
With our only chance to jump
Neither of us had the guts
Maybe we're just too proud
To say it out loud
Silence is here again tonight

Tindersticks

[Paulo Ferreira]



quarta-feira, outubro 06, 2004

Out of control 2

No entanto, para além da esquerda, o governo toma sentidos bizarros. Não é apenas Louçã que está fora de controlo.

[João Silva]

Out of control

Acerca de Marcelo, diz Louçã: Na ânsia de controlo da comunicação social [o governo] está disposto a tudo, até a atropelar Marcelo Rebelo de Sousa. (...) Faça o que fizer, custe o que custar, esta maioria quer o poder e não quer nenhum debate crítico. Vinda de um tirano em potência, a afirmação até parece partida de Carnaval.

[João Silva]

Sadistic view of mankind

O Homem é mau. Essa é uma convicção que nem todos poderão ter. Ou, se muitos a têm, grande parte ainda tem esperança de descobrir a suprema virtude humana que derrubará todos os pilares da teia de «maldade» que impera nos corações, ou melhor, que impera na sociedade. O Homem é bom? Não sei. Ninguém o saberá realmente, mesmo havendo provas de que não o é. A realidade é que, na confrontação com a vida em sociedade, o Homem procura a maneira mais subtil de conciliar alianças para destruir a oposição à sua própria felicidade. Ao longo dos tempos tem sido assim. A besta (o Homem) dominada por um jugo falível mas, em geral, eficaz: a lei.

No entanto, em Sade, uma nova dimensão se nos apresenta. Não sendo um insuspeito de ideias bizarras, o marquês de Sade posiciona, no entanto, as personagens numa duplicidade social que é tudo menos um elogio à Humanidade. Nessa duplicidade, a personagem (inúmeras vezes homens de «posição» como nobres e bispos) vive uma vida pública de virtude enquanto se submete à mais desmesurada volúpia e sadismo no «mundo de Sade». Nessa realidade subterrânea, assumem-se como criminosos, tarados e fazem corresponder a sexualidade a uma simples e mecânica interligação de corpos. Essa mecanização, ou «objectização», do ser humano, é uma das características mais vincadas de Sade, que, esgueirando-se por entre a miopia reinante do séc. XIX, descobriu isto: o Homem precisa de destruir algo para se sentir, ele próprio, inteiro, e que nem a mais aperfeiçoada lei conseguirá impedi-lo de o fazer. Esse é o grande fardo que a Humanidade terá de carregar até ao seu fim. Sade apenas aceitou esse fardo e fez dele, não castigo, mas clímax.

[João Silva]

"Here comes the flood"

Por mais depressa que o tempo passe, há coisas que, infelizmente, ficarão para sempre na memória. As recordações de uma adolescência rebelde são exemplo disso. Não há nada como uma noite bem dormida para reavivar todas aquelas recordações infantis, tais como o cheiro do perfume da ninfeta que, julgava eu, passava por mim todos os dias com um sorriso provocador. Porém, todas essas experiências passadas, que contiunuam «recalcadas» na memória cheiram a tragédia; ameaçam a minha triste existência, já que as lembranças de uma adolescência ignorante, como a minha, nunca se poderão comparar a um presente monótono, quase inexistente.

[Paulo Ferreira]

Elizabeth Shue: quarenta e um anos de existência



[Paulo Ferreira]

terça-feira, outubro 05, 2004

O regresso da peste bubónica

Nos últimos dias de férias, não há nada mais triste/deprimente do que assistir a um “Jornal Nacional” da TVI. E, se se assistir a vários, o caso piora.
Mas, que aquilo é mau já todos sabem. E, o que me realmente incomoda nem é a péssima qualidade informativa. O que realmente incomoda são os sinais premonitórios da desgraça portuguesa: o grassar da hepatite B e da diabetes, o aumento de crimes passionais, as doenças cardiovasculares. Enfim, todo um conjunto de coisas que sempre existiram, mas que os jornalistas adoram exacerbar. Para eles, o apocalipse está perto.

[Paulo Ferreira]

A meditation in time of war

For one throb of the artery,
While on that gold grey stone I sat
Under the old wind-broken tree,
I knew that One is animate,
Mankind inanimate fantasy.

W.B.Yeats
[Paulo Ferreira]

segunda-feira, outubro 04, 2004

O Sonhador

O sonhador, herói trágico do livro Noites Brancas de Dostoiévsky, é um ser intemporal, que vive alheado da realidade que o rodeia. Para este ser sonhador, a realidade objectiva confunde-se com o sonho. E, quando digo “sonhador”, não me refiro apenas a um ser romântico (lamechas). Refiro-me a autênticas aberrações sociais, sonhadoras, alheadas de toda e qualquer realidade, que se vão esquecendo progressivamente das suas fraquezas, das suas dificuldades em relacionar-se com o sexo oposto e, por conseguinte, acabam por perder o seu lugar no mundo.
Assim, a pouco e pouco, o sonhador começa a desinteressar-se pelos interesses comuns, começa a viver uma vida real no sonho. Ou melhor, mergulhado numa profunda solidão, o sonhador começa a transpor os seus sonhos e as suas ilusões para o mundo real, para a vida. É nesse momento que o sonho, que começou por imitar a vida, se torna nela.

O herói trágico de Dostoiévsky, apesar de representar um caso extremo de “sonhadorismo”, quase de insanidade mental, reflecte-se ainda hoje em muitos de nós, seres mortais, incapacitados biologicamente para o confronto com o objecto de atracção.

[Paulo Ferreira]

domingo, outubro 03, 2004

A descoberta da semana



[Paulo Ferreira]

sábado, outubro 02, 2004

A corrosão humana

«Rousseau – O verdadeiro último moicano da esquerda. Mais do que Hegel e Marx. Ele institui-a no seu último reduto: o optimismo antropológico, «o homem bom». Como os homens não são bons, Sade descreveu-os melhor

- José Pacheco Pereira, O Nome e a Coisa


Para lá do interesse pornográfico que as obras de Marquês de Sade possam, hipoteticamente, suscitar, vale a pena ler algumas coisas do autor. Vale a pena, se a atitude do leitor não for meramente brejeira.
Apesar de tudo o que se possa pensar sobre livros, tais como A Filosofia na Alcova, poucos foram os autores que descreveram melhor o Homem que Sade. Sade, nos seus livros, diz-nos abertamente que o Homem é mau, que consegue ser autor dos mais hediondos crimes só para satisfazer os seus caprichos. Em toda a obra do autor, o pessimismo antropológico é latente.

Há um outro aspecto na obra de Sade que é menos evidente e que quase ninguém evidencia: Sade conseguiu, mesmo que metaforicamente, reconstruir todo aquele processo bárbaro que se abateu sobre os operários durante a Revolução Industrial. De facto, na minha opinião, toda aquela mecanização sexual, na qual os corpos interligam-se barbaramente, é uma reconstrução quase perfeita do ambiente operário. Basta imaginarmos que, em vez de sexos fétidos e devassos, encontraríamos, na obra de Sade, operários em fila, a transpirar de cansaço, a colocar peças, por exemplo, de um carro em cima de uma plataforma ; basta imaginarmos que, em vez de criados obrigados, por ordens do patrão devasso, a propagar raivosamente sífilis pelas beatas de aldeia, veríamos corpos apodrecidos numa fábrica a submeterem-se a ordens de capatazes. Exemplos não faltam.

[Paulo Ferreira]

Ribeiro e os patetas

Assisti ao primeiro «debate» entre Bush e Kerry. Na verdade, assisti, até, através da estação esquerdista da CNN. Mas, entre SIC Notícias (onde Nuno Rogeiro parecia asfixiado entre três afincados anti-Bush) e o dito canal, prevaleceu a CNN e a «versão original» e não-adulterada do debate. Ainda assim, sem filtros de linguagem, foi possível, realmente, aperceber-me de alguma brandura da parte de George W. Bush. No entanto, hoje de manhã, ao abrir o jornal Público, deparo-me, imediatamente, com os cabeçalhos escolhidos por Pedro Ribeiro: «Kerry venceu Bush mas faltou-lhe o "KO"»; «Visto do Upper East Side "Bush parecia um pateta!"» e, ainda, algumas frases que demonstram a clara posição do repórter Pedro Ribeiro. Como, por exemplo, quando realça as «gaffes» do Presidente Americano em toda uma página dedicada ao «teatro anti-Bush».

Não posso censurar Pedro Ribeiro pela sua posição definida. Não só acho que o jornalismo deve ser declaradamente «humano» e, portanto, com ódios e admirações, como compreendo que, vivendo nos EUA (Nova Iorque é a cidade menos americana e mais worldwide do país), Ribeiro tenha contacto directo com as mais variadas opiniões, mesmo que de leigos, acerca do Presidente e do candidato democrata. No entanto, o meu desagrado resume-se ao seguinte: porque insistem em fazê-lo «enviado especial», ou jornalista, ou repórter? Pedro Ribeiro merece uma coluna. Eduardo Prado Coelho tem uma. Porque não criar uma coluna especialmente para Pedro Ribeiro, à imagem da coluna Linhas Direitas do Diário de Notícias? Em vez disso, lá teremos, durante imenso tempo, o «repórter» espalhando mentira e opinião em páginas de reportagem no Público, como se estivesse fazendo graffitis em casas de banho.

[João Silva]

To the red rose upon the rood of time

Red Rose, proud Rose, sad Rose of all my days!
Come near me, while I sing the ancient ways:
Cuchulain battling with the bitter tide;
The Druid, grey, wood-nurtured, quiet-eyed,
Who cast round Fergus dreams, and ruin untold;
And thine own sadness, whereof stars, grown old
In dancing silver-sandalled on the sea,
Sing in their high and lonely melody.
Come near, that no more blinded by man’s fate,
I find under the boughs of love and hate,
In all poor foolish things that live a day,
Eternal beauty wandering on her way.

Come near, come near, come near – Ah, leave me still
A little space for the rose-breath to fill!
Lest I no more hear common things that crave;
The weak worm hiding down in its small cave,
The field-mouse running by me in the grass,
And heavy mortal hopes that toil and pass;
But seek alone to hear the strange things said
By God to the bright hearts of those long dead,
And learn to chaunt a tongue men do not know.
Come near; I would, before my time to go,
Sing of old Eire and the ancient ways:
Red Rose, proud Rose, sad Rose of all my days.


W.B.Yeats

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, outubro 01, 2004

Sedentos de sangue

Napoleão Bonaparte foi, e continua a ser, um homem odiado pela humanidade, aterrorizada pelo sangue derramado e por inúmeros planos maquiavélicos. Todavia, poucos devem ser os que não ficam espantados com a ascensão meteórica de Bonaparte. Aliás, poucos devem ser os que não almejam atingir a grandiosidade de Bonaparte; poucos devem ser os que não gostariam de ter milhões de vidas nas mãos.
Ora, as minhas convicções impedem-me de idolatrar personagens como Bonaparte, assim como me impedem de fazer vénias a qualquer outro tirano. Porém, a verdade é que o vicio do poder é intrínseco ao ser humano. Até o mais desgraçado dos humanos sente fome de sangue, de poder. Raskólnikov é exemplo disso.

“(...) Não foi para ajudar a minha mãe que matei, isso é um disparate! Não matei para, obtendo dinheiro e poder, me tornar benfeitor da humanidade. Disparate! Matei, simplesmente, matei por mim, só por mim: depois, tornar-me benfeitor de alguém, ou então apanhar toda a gente na teia durante toda a vida, como uma aranha, e sugar sucos vivos, era-me indiferente nesse momento!...”

- Fiódor Dostoiévsky, Crime e Castigo

[Paulo Ferreira]

Tédio

É naquelas tardes solarengas, em que me apoio no parapeito da janela, que me apercebo que o tédio mata o Homem. É através dessa janela sombria que sinto a aproximação do “grande tédio” de que falava George Steiner. No fundo, o Homem é acção, movimento, destruição, luta, conquista. Sem essa acção, sem essa conquista, o Homem enfastia-se, entrega-se a uma indolência perigosa. E, indolente, o Homem tem medo de não existir.

[Paulo Ferreira]