segunda-feira, fevereiro 28, 2005

Mo Cuishle



Nunca pensei dizer isto, mas o óscar de melhor filme e melhor realizador foi bem entregue. Martin Scorsese continua a transportar a angústia e a humilhação de viver às portas da consagração «oficial» sem nunca as passar. Um ícone do cinema «perdeu» para outro. Clint Eastwood merecia este prémio. Em 2005 vejo oficializado aquilo que já pensava: Million Dollar Baby é um dos melhores filmes dos últimos anos e Clint Eastwood está imparável e inigualável na sua mestria na maior forma de arte, o cinema.

PS- e, ao que parece, Martin Scorsese irá voltar aos filmes que fizeram dele um mito. Espero que sim. You don't make up for your sins in church, you do it on the streets.

[João Silva]

domingo, fevereiro 27, 2005

Shame on you

Hoje, à partida, não devia ser um dia para reflectir sobre a política portuguesa, até porque esta está em fase de ressaca, mergulhada num estéril interregno que durará até surgirem as primeiras opiniões e apoios sólidos do «topo» de cada partido da oposição.
O Partido Socialista mantém um sensato silêncio, até porque António Vitorino deixou, com modos de esfinge anã, um enigma no ar para a comunicação social. José Sócrates continua no estúdio de maquilhagem em preparação para aperecer com «pose de estadista».
Não é por ser Domingo de futebol, e nem pela oração de Fátima. Mas sim pela cerimónia dos Óscares.

Parece já longínqua a esclarecida afirmação anti-Bush de Michael Moore, a saber, o realizador (de) Canadian Bacon. Portanto, este ano, mesmo continuando politicamente correcto, ao menos não será de esperar grande alarido político interligado com filmes. Não é uma cerimónia ideal para os amantes de cinema, pela fama (merecida) de grande farsa que é. Mas continua a ser uma razão para, pelo menos em Portugal, passar uma noite sem dormir. E é isso mesmo que vai acontecer. Hoje, em Portugal, não há política.



[João Silva]

A ler

A ler o excelente artigo de Vasco Pulido Valente, hoje, no Público:

«A demissão de Portas não foi o grande gesto que toda a gente por aí gabou. Nem ele, nem Nobre Guedes, nem Pires de Lima querem perder quatro anos em S. Bento, à frente de um PP moribundo e supérfluo.»

[João Silva]

Momento MEC II

«O que mais notabiliza o assassino português é já estar morto. Ou pelo menos preso. Os nossos homicidas matam-se e entregam-se mal estejam despachados. Os assassinos estrangeiros fazem questão de continuarem vivos. Combinam premeditadamente os seus crimes, planeiam fugas, arranjam alibis, dão luta aos investigadores. Os nossos, está quieto. Os assassinos estrangeiros voltam ao local do crime: os portugueses nem sequer se dão ao trabalho de abandoná-lo.
A sequência tipicamente portuguesa é esta: um homem de poucas posses descobre que a mulher ou a amante (ou ambas) estão a enganá-lo. Vai para a taberna, embebeda-se e anuncia a todos os presentes o que vai fazer. Um deles tenta impedi-lo, recebendo ou não um tiro pelos seus esforços. De seguida, o assassino dirige-se à barraca em que mora, sita num bairro onde os vizinhos são unânimes em não o considerar “boa rés”. Abre a porta ao pontapé, grita “Ah minha puta, que andaste a desgraçar-te a ti e aos teus filhos!”, envolve-se numa breve escaramuça e depois mata a mulher e os filhos. Geralmente com uma caçadeira ou, sabe-se lá porquê, com um machado. Finalmente, mata-se ou entrega-se. Acorrem os populares e cai o pano.»


-Miguel Esteves Cardoso, Último Volume

[Paulo Ferreira]

Reichstag burns down

A 27 de Fevereiro de 1933, os nazis incendiavam o Reichstag, acusando os comunistas por tal feito. O certo é que, com o incêndio, os comunistas ficaram impedidos de votar e, por conseguinte, os nazis alcançaram uma maioria de 2/3 necessária para a lei relativa aos plenos poderes.



[Paulo Ferreira]

Momento MEC I

«Não temos remédio. Mas também não temos cancro. Eis a doença portuguesa. Falta-nos a tragédia como nos sobra o drama. Não temos salvação possível mas, por outro lado, não chegámos a estar condenados. A nossa condição é incerta desde o dia em que nascemos. »

-Miguel Esteves Cardoso, Último Volume

[Paulo Ferreira]

sábado, fevereiro 26, 2005

Presbitismo

Como tem sido referido um pouco por todo o lado, o PSD precisa de uma grande limpeza. Para que essa limpeza aconteça, todos os esforços são poucos. Admito que sou avesso à mudança, no que respeita a quase tudo. Porém, há mudanças que são necessárias para o bem de um país.

Contudo, para que houvesse uma mudança no partido, mais de metade dos militantes desse mesmo partido teriam que ser expurgados, à boa maneira estalinista. Ora, como é inadmissível , nos tempos que correm, que se pratiquem actos aviltantes que ponham em causa a liberdade individual, essa mudança torna-se quase impossível, tanto num futuro próximo como num futuro longínquo. Um dos maiores entraves à mudança é a existência de juventudes partidárias, existência essa que mais não faz que corromper as milhares de jovens almas que nelas se inscrevem . De facto, a maioria desses milhares de jovens, ao abdicarem de uma aprendizagem essencial, que não é oferecida apenas pela Universidade, têm apenas dois objectivos, que não são, na maior parte dos casos, inteligíveis para eles mesmos: o dinheiro fácil e a fama. Assim, é a partir destas juventudes partidárias que o chamado “aparelho” consegue reunir condições para se eternizar, até porque muitos dos políticos que hoje desfilam pelas televisões, como se fossem actores de uma qualquer peça teatral tiveram como escola a “J” ( e é essa mesma “J” que explica muito do que se passa hoje na vida política nacional).

[Paulo Ferreira]

O bom Esquerdista

É a recomendação do Contra a Corrente.

[João Silva]

After Long Silence



Speech after long silence; it is right,
All other lovers being estranged or dead,
Unfriendly lamplight hid under its shade,
The curtains drawn upon unfriendly night,
That we descant and yet again descant
Upon the supreme theme of Art and Song:
Bodily decrepitude is wisdom; young
We loved each other and were ignorant.


-William Butler Yeats

[João Silva]

sexta-feira, fevereiro 25, 2005

Marques Mendes – uma questão sentimental

A minha simpatia para com Marques Mendes é inapagável. Desde muito cedo que fui aprendendo a admirar o senhor. É por admirá-lo há muitos anos que não ficarei descontente se o dito senhor chegar a líder do PSD. É por respeitá-lo que todas as criticas, que aqui lhe possam ser dirigidas, são feitas a contragosto. De qualquer forma, a minha admiração por Marques Mendes deve-se muito ao facto de ele nunca ter chegado ao “poder”. Já fez parte do poder, mas nunca o liderou. Agora, Marques Mendes tem a possibilidade de liderar o seu partido e também de, daqui a uns anos, chegar ao poder. Fico preocupado. Sei que, se isso chegar a acontecer, Marques Mendes governará mal e que eu ficarei infinitamente desiludido.

A culpa não é de Marques Mendes, assim como não era de outros que me desiludiram (diga-se que Santana Lopes nunca chegou a iludir-me). Marques Mendes é um político que foge à mediocridade nacional. A culpa é mesmo do “ poder”, e da forma como ele é visto no nosso país. De facto, o “poder” faz com que os bons políticos se transformem em péssimos políticos. É por isso que prefiro ver Marques Mendes na Assembleia da República, sentado no seu lugar do costume.

[Paulo Ferreira]

O desgoverno dos sonhos

já não te aguardo,
adio-me

valter hugo mãe, três minutos antes de a maré encher

[Paulo Ferreira]

A Direita

Como se sabe, a Esquerda tem ganho terreno nos últimos anos em Portugal. Porém, esse crescimento esquerdista não se deve inteiramente ao seu próprio mérito. Grande parte da responsabilidade por esse crescimento deve-se à Direita. De facto, a Direita em Portugal tem demonstrado uma grande incapacidade para lidar com os grandes problemas do país. Essa incapacidade deve-se , de certo modo, a uma ignorância arrogante que faz com que os “membros” dessa mesma Direita percam toda a lucidez necessária ao pensamento.

A Direita em Portugal, em vez de primar pelo individualismo e pelo pensamento reformador, prima pelo colectivismo (à boa maneira de Marx) e, como não poderia deixar de ser, pelo populismo. Quando se fala dos problemas concretos que este país enfrenta, a Direita, em vez de encontrar boas respostas para esses problemas, esconde-se com subterfúgios. Um exemplo bem visível de tudo isto é o CDS, um partido político que, devido à sua relativa projecção nacional, deveria afastar-se da radicalização que parece minar as mentes portuguesas. Outros exemplos de radicalização ignorante (se é que existe radicalização que não seja ignorante) são o PPM e o PNR. Estes dois partidos, mais o segundo que o primeiro, primam, nos nossos dias, pela extrema ignorância (o PNR, por exemplo, parece só saber argumentar através de conceitos racistas). Dir-se-ia, até, que são dois partidos radicais e assaz extremistas (por serem extremistas é que encontram tantas semelhanças, embora pareça ridículo, com os partidos de extrema-esquerda).

Não se pode deixar de referir que há muito boa gente neste país que , embora se sinta de Direita, não partilha estas premissas radicais com os revolucionários, ditos, de Direita. Porém, essa gente, mais não pode fazer do que olhar para este país com grande angústia e, claro, cepticismo.

[Paulo Ferreira]

Lido

«A história do anti-semitismo é tão longa e tão sangrenta que o próprio facto de as fábricas de morte terem sido alimentadas com material “preferencialmente” judeu obliterou um pouco o carácter único da “operação”. Mais ainda, o anti-semitismo nazi deu provas de uma terrível falta de originalidade; tanto na expressão ideológica como na propaganda, não encontramos nele um só elemento que não tenha já animado os movimentos anteriores e não tenha sido já um cliché da literatura do ódio escrita contra os judeus, antes ainda da entrada em cena dos nazis. A legislação contra os judeus da Alemanha hitleriana dos anos 30, que atingiu o seu ponto culminante com a promulgação das leis de Nuremberga em 1935, constituía sem dúvida um fenómeno novo por comparação com os acontecimentos dos séculos XVIII e XIX, mas não era novo se o referíssemos ao objectivo declarado dos partidos anti-semitas da Europa ou à história mais recuada dos judeus

- Hannah Arendt, Compreensão política e outros ensaios

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, fevereiro 24, 2005

...e da esquerda

Interessante, também, a coluna de hoje de Eduardo Prado Coelho. Um EPC, por fim, um pouco claro na sua opinião, mesmo que pejada do preconceito próprio e natural de um irritante francófilo. Um texto cheio de lugares-comuns, mas que vale a pena ler...

[João Silva]

A «renovação» vista da direita...

Hoje, não passem sem ler o artigo de José Pacheco Pereira no Público. A temática é inevitável: PSD.

[João Silva]

A Lenine o que é de Lenine, a Deus o que daí restar

Para os mujiques analfabetos da Ucrânia e para os nómadas do Kazaquistão, Deus, qualquer que fosse a sua forma indígena, legitimava o Czar. Quando se fuzilou esse delegado do Altíssimo e a respectiva família, teve de se arranjar um novo princípio legitimador. O princípio que se arranjou foi o materialismo científico, uma religião secular com dois profetas alemães e um deus russo, embalsamado no Kremlin. O materialismo científico conferia ao papa do momento o inestimável dom da infalibilidade, porque a ciência é certa; e, mesmo quando por acidente se matavam uns milhões de kulaks, os erros do cientista não abalavam a teoria, assim como a ignorância dos médicos não abala a medicina ou, noutro plano, as actividades de Alexandre VI e de Lucrécia Bórgia não obrigaram a Igreja a rever os mandamentos.

-Vasco Pulido Valente, Às Avessas (O Independente, 31/03/1989)

[João Silva]

Subscrevo

O artigo de Pedro Mexia no "DN".

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, fevereiro 23, 2005

Líderes, Messias e Sonhadores

Menezes nunca desistirá. Essa é uma verdade inquestionável. Menezes nunca desistirá da «ascensão» no interior do partido. Não me surpreendo (aliás, só um cego o faria) - Luís Filipe Menezes é o típico populista autarca-cacique-oportunista. Não se trata de uma ofensa pessoal. O senhor não me causa repulsa. Estar associado ao PSD ou a um partido de esquerda é-me igual, tal como será, provavelmente, igual para o próprio Menezes, que vê no partido um «emprego» seguro. O que me ofende é que Menezes se esteja, de momento, a preparar para aliciar os caciques sociais-democratas abaixo de si na «hierarquia» (normal nos partidos «mais perto do centro») e, pior, que se sinta capaz de ganhar apoios, depois das incontáveis campanhas que promoveu contra Lisboa e contra tudo o que não lhe agradava no PSD (e contra tudo o que não lhe era favorável).

Manuela Ferreira Leite, para além de ter a minha simpatia pessoal, e o meu apoio cívico e político, é, por outro lado, a «candidata perfeita» do ponto de vista das reformas. Mas será que essa «perfeição» faz parte do perfil adequado de momento? A Ferreira Leite, eminente Ministra nos últimos governos do PSD (Cavaco e Durão), falta-lhe, talvez, algo que Marques Mendes, entre outros, terá como prioridade: o «ataque político». Ferreira Leite é auto-confiante, teimosa, trabalhadora, pouco crente em milagres e muito leal à perseverança, sua e dos que a rodeiam. Mas é uma personalidade de trabalho, «cavaquista», pouco dada, parece-me, a liderar uma oposição. Mesmo que essa tarefa não implique o «confronto directo» na Assembleia e nos locais próprios, confronto esse muitas vezes deixado para alguns deputados e para o «líder da bancada». Manuela Ferreira Leite não é a «Dama de Ferro portuguesa», alcunha ridícula que lhe tentam associar. Mas é, actualmente, a opção mais forte no seio da experiente elite do partido. Infelizmente, e também porque, provavelmente, não se irá candidatar, não terá o sentimento «agressivo» e determinado que será necessário na Assembleia.

Por isso, volto a Marques Mendes. Sem fé, e sem a cínica admiração pessoal, vejo em Marques Mendes uma personalidade forte e essencial para dar ao partido o núcleo forte que se precisa. Discordo do meu caro amigo Bruno Alves quando afirma, em relação a Marques Mendes, que «Talvez pudesse permitir bons resultados nas autárquicas, mas o PSD que o país precisa não é um que têm apenas em mente ganhar eleições». Há que não desvalorizar a «capacidade de ganhar eleições», capacidade essa imprescindível nas «equipas» de grandes líderes. Visto que, em Portugal, não temos e, ao que parece, tão cedo não teremos, «grandes líderes», resta-nos a «esperança» na constituição ou orientação de um partido de direita mais próximo do «ideal» de direita que falta em Portugal: uma direita séria, liberal, moderadamente conservadora (Portugal é, irremediavelmente, o próprio Estado - já não vivemos sem ele). E, num eleitorado mais devoto à demagogia dos partidos de esquerda, há que ter meios para fazer as pessoas reflectir e acreditar numa via diferente. Mesmo que Marques Mendes tenha uma tendência para as relações próximas com os representantes locais do partido (bom para as eleições autárquicas), estou confiante na sua capacidade para gerir influências e moderar as atenções para com os caciques (bom para a organização e integridade do PSD).

Falar de qualquer um destes candidatos é, simplesmente, falar sobre uma direita que se quer. E tenho a certeza que Menezes não faz parte de uma direita «que se quer», tal como Santana (o Pedro de Luís Delgado...) não fazia. Pelo menos para mim. Mas há, ainda, tempo para ver quem chega e quem se apresenta disponível para a liderança. Temos de esperar para ver.

[João Silva]

Luís Filipe Menezes

Até estaria assustado com o facto de Luís Filipe Menezes ser candidato à liderança do PSD, se a personagem não fosse tão ridícula. Já todo o mundo sabe quais são os resultados de uma liderança partidária irresponsável, errática e populista. Para quem não souber ou, por acaso, não se lembrar dos maleficíos causados por políticos demagogos, eu faço questão de lembrar: o resultado é a catástrofe e, talvez, o progressivo desaparecimento do PSD como partido de "poder". Não é necessário o aparecimento de um novo Santana, para que se perceba o quanto o partido e, principalmente, o país sofreu.

A maneira irresponsável e populista de fazer política, tão ao estilo de Menezes e de Santana, pode ser comprovada por um acontecimento insólito a que tive, ontem, oportunidade de assistir no "Jornal Nacional" da TVI. Nesse "programa de carácter informativo", Menezes inicia, lançando meia dúzia de premissas obtusas para o ar, a sua campanha partidária ao anunciar a sua candidatura à liderança do PSD.Ora , se Menezes primasse pela decência, não escolheria um telejornal para anunciar a sua candidatura. Porém, Menezes escolheu.
[Paulo Ferreira]

terça-feira, fevereiro 22, 2005

A ler

O post «Revelador», do Bruno Alves, sobre os discursos de Santana Lopes.

[João Silva]

Ensino «simpático»



De facto, como bem sabemos, a maioria daqueles a quem entregamos os nossos filhos nas escolas secundárias, a quem pedimos orientação e exemplo na academia, pouco mais são que amigáveis coveiros. Trabalham para reduzir os alunos ao seu próprio nível de fatigada indiferença. Não «revelam» Delfos - obscurecem-no.

-George Steiner, As Lições dos Mestres

[João Silva]

A nova oposição

Ver José Magalhães a debater na Sic-Notícias, e ver o vidente Mário Soares a falar sobre as eleições legislativas é bizarro. Magalhães ainda não adquiriu, ao longo destes anos, uma «consciência de governo» (a sua expressão favorita é «hecatombe da direita», o que significaria, se soubesse o que dizia, um «sacrifício de cem animais sagrados»). E Soares parece ter perdido qualquer consciência que tivesse anteriormente, dizendo tudo o que lhe vem à cabeça. Esquerda ou não, estou disposto a tirar o chapéu se José Sócrates conseguir fazer o que é pedido, no mínimo, a cada novo Executivo: impedir que Portugal piore ainda mais. Pelo menos algo já conseguiu dar à esta direita da blogosfera: a vantagem de estar na oposição, posição inédita desde que os blogs se generalizaram. E não há algo que a direita goste mais de fazer do que falar mal de um governo de esquerda. Infelizmente, haverá muito que falar nos próximos anos.

[João Silva]

Le roi est mort

Li hoje, afinal, que António Borges afirmara no domingo que não será candidato à liderança do PSD no próximo Congresso extraordinário do partido, ainda sem data definida. O leque de possibilidades fica, então, ao mesmo tempo reduzido (considerando personalidades com hipóteses de renuir apoios e condições para fazer uma boa oposição), mas também «aberto», pois Borges reunia consenso por diversas pessoas do PSD que agora poderão sentir a responsabilidade avançar sozinhos.

Soube, também, hoje que Santana Lopes desistiu do seu cargo à frente do Partido Social-Democrata. Rui Rio, provavelmente, não terá a sua hora, ou pelo menos não avançará «sozinho», pois o tempo escasseia na perspectiva de outras eleições, e não me parece que seja homem para as politiquices que se avizinham. Manuela Ferreira Leite, que é outra pessoa «capaz» e conhecedora dos meandros da política interna do PSD, ou que, pelo menos, já ganhou, há anos, o respeito da maioria dos militantes, é outra provável sucessora de Santana Lopes.

Mas da penumbra saiu outro senhor que parecia derrotado e humilhado: Marques Mendes. Este senhor, que desiludiu a maioria dos digníssimos prosadores que aqui escrevem, calou-se a bem do PSD. Mas, na noite de domingo, foi o primeiro a assumir a derrota do partido e a responsabilidade militante de «pegar nele» e fazer, das suas propostas, políticas credíveis. Sempre tive curiosidade quanto à maneira de fazer oposição, com plena margem de manobra, do Dr. Marques Mendes, que, nesse campo, até hoje não me desiludiu. Tendo em conta o que aconteceu, os que saíram, e os que decidiram ficar (não no sentido imberbe e pateta que Jorge Nuno Sá passeou nas entrevistas para a televisão), será Marques Mendes, até nova ordem, a minha opção. Pelo menos, pela atitude que tomou dia 20.

[João Silva]

A minha escolha

Santana Lopes é um mau político. Melhor, Santana Lopes é um péssimo político. Tem, obrigatoriamente, de ser substituído na liderança do PSD por alguém responsável. Já não se pede alguém que consiga fazer a distinção entre conservador e liberal. Pede-se, apenas, alguém responsável. E, se for alguém com provas dadas, como Manuela Ferreira Leite, tanto melhor.




[Paulo Ferreira]

A ler

Este post de Rui Oliveira, no Super Flumina.

[Paulo Ferreira]

segunda-feira, fevereiro 21, 2005

Paulo Portas

Paulo Portas demite-se da liderança do CDS, dizendo que quatro dos seus objectivos falharam. É verdade, falharam. Mas talvez seja também verdade que esses objectivos falharam porque eram demasiado audaciosos para um partido com o historial do CDS .

Desde logo, uma taxa de 7.3 % de votos consegue ser superior a muitas percentagens que o CDS atingiu em anos anteriores. Além disso, a descida do partido de Paulo Portas, pouco substancial, note-se, em relação às últimas eleições legislativas deve-se, em grande parte, às governações catastróficas de Durão Barroso e de Santana Lopes. O CDS, sem comprometer, ficou sempre conotado com a sua ligação ao funesto PSD, o que não quer dizer que não tenham ambos os partidos que dividir responsabilidades pelos “maus” resultados que obtiveram. Ora, Portas ao aceitar a estrondosa derrota do PSD como uma derrota do CDS erra, já que esse mesmo CDS, apesar de tudo o que se passou nos últimos três anos, consegue manter a base eleitoral que tinha conseguido “arrancar” à esquerda há três anos atrás. Esse é um dado importante, pois permite concluir que, daqui a quatro anos, Paulo Portas poderia conseguir chegar aos, tão sonhados, 10% de votos. Pelo menos, se Sócrates continuar a revelar a sua falta de raciocínio durante estes próximos quatro anos e, também, se Jerónimo de Sousa não ficar afónico nos próximos debates.

Poderia, dado o que foi escrito acima, deixar uma palavra de simpatia para a despedida de Paulo Portas e dizer que o senhor foi um bom político. Porém, Portas, apesar de muito ter feito para revitalizar o CDS, não foi um bom político. Melhorou o seu partido, mas demonstrou ser possuidor de uma grave doença populista. Nada que seja estranho neste país sul-americano, mas não se pode desculpar um líder partidário por ser populista, só porque todos os outros líderes partidários o são.

[Paulo Ferreira]

Três reflexões

1) O Partido Socialista teve, ontem, uma claríssima vitória nas eleições legislativas. Diria mesmo, uma «esmagadora» vitória sobre um destroçado e virtualmente (sublinho virtualmente) dividido PSD, no sentido em que estabaleceu, à partida, uma sólida base «de esquerda» para as próximas eleições, sejam as que vierem daqui a 4 anos, sejam as que vêm já para o próximo ano. Pela forma de ser e de estar de José Sócrates e pelo legado ideológico guterrista que ainda não se dissipou, só há mesmo dois destinos para este novo governo socialista: ou rapidamente mostrarão sinais de inexperiência ou instabilidade (pouco provável, devido à significativa representação parlamentar), ou lá ficarão por muito tempo;

2) Quanto aos partidos «menores», em termos de representação prática e quantitativa, não posso esconder alguma surpresa. O CDS/PP não teve o crescimento que se esperava e que Portas esperava. O Bloco de Esquerda está, lamentavelmente, em festa, festa essa que dirige a escolha política das suas camadas mais jovens. A CDU, por sinal, não me surpreendeu especialmente. Jerónimo de Sousa foi a escolha ideal para um partido que se dizia em queda - não abrandou essa tendência, mas mostrou que os «velhos comunistas» ainda têm um pouco mais para mostrar do que o elogio cego e fanático das nomenklaturas resistentes por esse mundo fora -, e que se revelou, afinal, um partido de maior importância, mesmo para quem só conhece Estaline dos livros infantis;

3) Quanto à clamorosa derrota do PSD, nada há a dizer. O que se poderia dizer, foi dito, incansavelmente, ao longo dos últimos tempos. A vitória do PS em muito beneficiou de dois factores surpresa: o «factor Durão Barroso na Comissão Europeia», e o infalível «factor Santana Lopes». O golpe final de Santana ao já confuso PSD foi brilhantemente eficaz, despoletando (espera-se) uma renovação das expectativas e uma definição ideológica mais determinada. O golpe letal dos eleitores a Santana é que não parece ter sido suficiente para o ex-primeiro-ministro compreender a falta que não faz ao partido. A lealdade e vontade são admiráveis, mas já faz falta alguma inteligência e experiência aos líderes do PSD. António Borges e Marques Mendes (finjo memória curta pelo bem da direita) podem-se avistar já nas próximas semanas. Esperam-se. E, até lá, lamentamo-nos.

[João Silva]

Progresso

Juro que ontem, durante os festejos das hostes socialistas, em vez de ouvir pessoas a gritarem “PS!” , “PS!”, ouvi “Progresso!”, “Progresso!”.

[Paulo Ferreira]

Dia de desencontros

O mês de agosto tem consigo os desencontros do verão. Os
dias são longos, e talvez por isso chegamos ao fim deles a pensar que
não houve princípio . Há sempre alguma coisa que falta quando
nos lembramos do inverno. Aí, ao menos, o dia e a noite são o
próprio dia e a própria noite, e não um tempo parado entre fronteiras
de luz e de treva. Mas não sei se terei pensado nisto quando, ao
entrar no café onde ia ter contigo, te vi sentada como se esperasses
que o nosso encontro nunca se desse. Falámos disto ao telefone: cada
encontro
não se dá senão quando não o esperamos. O resto , volto a dizê-lo, é
a rotina de estarmos juntos. Sei que a preferias. A vida precisa dos
seus instantes calmos, da eternidade de se estar como se pudesse sempre ser
assim. Mas quem espera a morte não sabe nunca se deve adormecer ou não,
se a manhã seguinte não lhe estiver garantida. Tu, em frente da chávena
de café, não precisas de pensar nisso. Vejo-te da rua, sem que me vejas,
e penso se hei-de entrar ou se volte para trás, para que o encontro
que estamos a ter não aconteça. Mas o teu ombro salta de dentro do
vestido;
e os teus cabelos tapam o princípio da testa, como se me pedisses que os afaste
dos olhos. É verdade que eu não podia interromper este quadro: o café, onde
havia poucos clientes, e tu no meio deles, impondo a tua solidão mais
absoluta do que todas as solidões que alguma vez sonhei. Quero, então,
discutir contigo a filosofia das tardes de verão; levar-te para o campo, onde te
despes, e te vestes de terra e de ervas; fixar o amor que salta dos teus olhos
para saber o que é, exactamente, o amor. Mas tu olhas-me; e eu
escondo-me. A perfeição não tem nada a ver com estas hesitações. Preciso
que me voltes as costas, e que esperes por mim, como eu espero que tu
esperes por mim. Talvez um dia nos possamos rir de tudo
isto; ou chorar, o que não é nunca
a mesma coisa.

Nuno Júdice, Cartografia de emoções

[Paulo Ferreira]

domingo, fevereiro 20, 2005

Apatia

O resultado das eleições é esclarecedor. José Sócrates sobe ao poder. Santana Lopes sai indefinidamente derrotado. Ainda bem que assim é. Por um lado, Sócrates, o esquerdista moderno, acabará, durante a próxima legislatura, por confirmar aquilo que demonstrou ser ao longo de toda a campanha eleitoral: um político vazio, sem conteúdo. Portanto, a sua saída do poderá ser uma questão de (pouco) tempo . Por outro lado, a derrota de Santana Lopes poderá abrir uma ruptura dentro do PSD e, por conseguinte, afastar todos aqueles demonólatras que ambicionam um dia conseguir sugar o dinheiro do Estado. Ou seja, a derrota de Santana Lopes poderá abrir caminho a uma restauração do partido, restauração essa que muitos esperam que aconteça o mais rapidamente possível.

A esse respeito guardo um certo cepticismo, já que a pesada derrota de Santana Lopes não afastará certamente um aparelho partidário que começa na JSD e acaba em Miguel Relvas (até porque o chamado “aparelho” não apareceu com Santana Lopes, nem com Durão Barroso).

[Paulo Ferreira]

Jean-Paul Sartre

O existencialismo é um conceito que, infelizmente, sempre me atraiu. Não que eu concorde com metade das premissas de muitos dos autores ditos existencialistas ( Sartre, Heidegger, Kierkegaard...), mas fascinam-me as descrições da dor associada à existência. Contudo, nunca poderia concordar com frases como “O Homem está condenado a ser livre”, já que isso implica uma negação da lei natural , da natureza humana e, mesmo, da jurisprudência. Ora, tendo eu crescido intelectualmente com autores como Locke e Hobbes, seria incapaz de defender valores que apelam à rebelião individual e à desobediência à lei. A liberdade individual , em autores como Sartre, associa-se sempre a uma inexistência de leis morais. E isso, na minha modesta opinião, é inconcebível.

Assim sendo, aquilo que me seduz na corrente existencialista resume-se aos seguintes dois versos: “I, a stranger and afraid / In a world I never made " (A. E. Housman). Espero que não haja contradição alguma.

[Paulo Ferreira]

sábado, fevereiro 19, 2005

"Responsible government"

Se não houver alguma surpresa, José Sócrates será o futuro primeiro-ministro deste território, a que muitos indivíduos desatentos ainda continuam a chamar “país”. Com essa aguardada subida ao poder, o candidato do PS fará um favor a Santana Lopes: dar-lhe-á uma nova oportunidade de se redimir enquanto político e, mesmo, enquanto pessoa (se existir redenção possível). Por outro lado, a vitória de José Sócrates, que, consequentemente, acabará com toda esta “verbiagem” das eleições , traz uma responsabilidade inadiável, que não é mais que a formação de um governo responsável. Mesmo que essa responsabilidade não passe de uma miragem, a formação de um governo responsável é o mínimo que se pode pedir a Sócrates.
Porém, quando se pensa um pouco seriamente na expressão “governo responsável”, chega-se à conclusão de que essa responsabilidade, que é ao mesmo tempo uma obrigação, não passa, de facto , de uma miragem. Basta observar a bíblia de Ian McLean para se perceber isso mesmo. Ora, repare-se na definição de Ian McLean para "governo responsável": “a government that is responsive to public opinion, that pursues policies that are prudent and mutually consistent, and that is accountable to the representatives of the electors.”

[Paulo Ferreira]

Endlessly

Naqueles dias em não eram necessárias palavras para descrevermos aquilo que nos unia, as tardes pareciam não acabar. Agora, o tempo desfaz-se nas minhas mãos, como se de um nevoeiro intenso se tratasse. A tua presença esgota-se no crepúsculo dos meus dias. E o silêncio, esse, consome-me a alma.

[Paulo Ferreira]

Million Dollar Baby



Danem-se os lugares-comuns. Desta vez tem de ser: Clint Eastwood é, actualmente, o melhor realizador americano (no mínimo). E Million Dollar Baby é, sem dúvida, a sua obra-prima. Pensava que seria impossível suplantar Mystic River. Pensava. Errei. Clint Eastwood fê-lo. Por muito sentimental e «fresco» que possa ser este sentimento de estar perante um grande filme, a verdade é que ninguém poderá negar que a técnica de Eastwood (e, tem de se sublinhar, tal como o seu resultado final) se ergue isolada e particularmente brilhante, mesmo no meio de um período com alguns bons filmes.

Clint Eastwood recupera, como nenhum outro, o filme clássico. A câmera. A iluminação. As relações humanas. Mas a visão da «vida«, do Homem, é inteiramente sua. Moldada, por completo, pela longa e paciente aprendizagem de Clint, que fez dele o que é hoje: um dos melhores realizadores da actualidade (arriscaria que já o prefiro a Scrosese, que opta por filmes mais comerciais).

Million Dollar Baby é uma história simples. Uma história de pessoas simples numa rede complexa de necessidades e casualidades que, em redor do boxe, vão criar um destino comum, um destino criado por todos, por uma ou outra razão. E esse destino é entregue a Maggie Fitzgerald (Hillary Swank), uma rapariga que se entrega, por completo, ao boxe, juntando, nesse momento a sua vida à de Frankie Dunn (Clint Eastwood) e a todos os que o rodeiam. No fundo, a história de Maggie é a de todos eles. É vista como o «pugilista» que muitos deles (no ginásio) querem ser, ou que outros (como Morgan Freeman) estiveram perto de ser. Maggie encarna a vontade de subir até ao topo, mesmo quando tal parece impossível, e mesmo sabendo, como Frankie a advertira, que «o mais importante é proteger-se sempre». Não o faz, e acaba tragicamente numa cama, totalmente imóvel.

Million Dollar Baby adverte-nos para o que somos e para a forma como encaramos os «murros» do «adversário». Sobretudo, lembra-nos que os «pugilistas» somos nós, e que, na subida para um objectivo é fácil perder tudo, mas que, enquanto tal não acontece, e desde que nos «protejamos sempre», é como viver um sonho. Tal como Scrap (Morgan Freeman) diz a Frankie, perto dos últimos momentos do filme, que, se este não desligar a máquina respiratória de Maggie, esta verá, nos últimos tempos da sua vida, o que construiu a ser destruído, e «deixará de ouvir as vozes que chamavam o seu nome no ringue». É um grande filme, absolutamente marcante, cinéfila e emocionalmente.

[João Silva]

quinta-feira, fevereiro 17, 2005

Here

I was dressed for success
But success it never comes
And I’m the only one who laughs
At your jokes when they are so bad
And your jokes are always bad
But they’re not as bad as this (Tindersticks)




[Paulo Ferreira]

Gravata

Em Portugal, análise da campanha política é discutir a gravata preta de um mau político.

[João Silva]

O negacionista

Nelson Rodrigues dizia que «o artista não pensa, e se pensar é de esquerda».
Pois Pedro Burmester quis, ontem, pensar: «De resto, tivémos três políticos profissionais, bem preparados, Paulo Portas, Francisco Louçã e José Sócrates, e um amador (Santana Lopes), que vive apenas do instinto. Santana Lopes, aliás, já cheirava a passado. Já tinha poucas dívidas em quem ia votar, mas hoje (ontem à noite) ficou tudo mais claro» (os erros de senhor foram mantidos, por respeito à sua integridade intelectual).

Ver Pedro Burmester no Público de ontem a falar sobre o debate (e, inevitavelmente, sobre a campanha) para as próximas eleições legislativas faz-me pensar na posição que todos parecemos ter (ou querer ter) na praça pública. A genialidade está na forma como se dedica uma especial capacidade a uma actividade - e Burmester, na forma como demonstra um monstruoso mas empenhado facciosismo (um «negacionismo artístico») na opinião política, está condenado à mediocridade na música.

[João Silva]

Pressa

«A pressa em Portugal é uma coisa com que se está, como a lepra. Só que mais contagiosa: a pressa alastra e, quando um português suspeita um ataque num compatriota, resiste. A melhor maneira de resistir a quem está com a pressa é denunciá-la. dizer "Está com pressa ou quê?" num local público tem o efeito de chamar a atenção de uma multidão para a presença de um portador de SIDA muito beijoqueiro. Todos olham com reprovação para o aflito, obrigando-o a descontaminar-se: "Não, deixe lá, não estou com muita pressa..." como quem diz "É só uma infecçãozinha de nada - isto já passa". »

Miguel Esteves Cardoso, A Causa das Coisas

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, fevereiro 16, 2005

A ler

Ainda sobre Jerónimo, no Blasfémias.

[Paulo Ferreira]

Escola totalitária

«Pertence à escola do totalitarismo acreditar que o Bem está todo de um lado e o Mal do outro».

Alain de Benoist, Comunismo e Nazismo

[Paulo Ferreira]

Stuck on you

Gosto de objectividade. Sobretudo na política. A prova da literacia está na forma como se ultrapassa, rapidamente, a fase do «querer complicar o que é simples» com «ismos» e pérolas adverbiais. E, mais ainda, na forma como se «diz muito em pouco tempo». Algo que Portas conseguiu, ontem, no debate para as legislativas. Algo que nem Santana nem Sócrates algum dia conseguirão.

Outro aspecto a que dou muita importância nas campanhas políticas (para cargos públicos de importância e «confiança») é a forma como se dirige aos eleitores, expondo, com inteligência, uma ideia, ou atacando um determinado «eleitorado», aquele que é mais útil aliciar no momento. Portas não disse nada, mas consegue convencer o mais atento dos analistas políticos com a sua retórica. Santana não diz nada, mas faz chorar as mães-de-família portuguesas e faz-nos acreditar que se afundará com o barco. Louçã não diz nada, ponto final. Mas Sócrates é um fenómeno isolado: consegue transformar a ideia num imenso vazio a perder de vista, dando-nos um enorme sentimento de fim-do-Mundo, transmite-nos uma desconfiança inigualável quanto às suas capacidades.

José Sócrates consegue demorar uma hora, com cara séria, a alinhar frases (mais ou menos) memorizadas do Partido sem saber o que diz. Consegue não dizer nada. Consegue trazer a política tão para baixo que tem como mote o «choque tecnológico» (alguém nos devia explicar a todos, antes de dia 20, o que é isso). Consegue, como fez ontem, dizer «e a terceira ideia que quero transmitir é...» (sic) sem antes ter dito nada, ou antes, ter falado dos primos e do tempo. Resumindo, consegue fazer governo sem ter nada. Não há que procurar outras expressões: José Sócrates, o «quase-primeiro-ministro», não tem nada para nos dizer.

[João Silva]

Jerónimo e a ditadura operária

Depois da história comunista ter sido arrumada no seu lugar, aparece Jerónimo de Sousa, um indivíduo que prima pela simplicidade de linguagem e de raciocínio (tal como todo o comunista que se preze). Talvez devido a essa simplicidade, apareça um número cada vez maior de gente a simpatizar com o homem do operariado. Porém, o carinho que o público tem para com Jerónimo de Sousa não seria normal, se vivêssemos num país normal. Essa anormalidade advém do facto de Jerónimo ser de extrema-esquerda e de acreditar em todos aqueles projectos, que mataram muito mais gente que o nacional-socialismo de Hitler. Contudo, pode-se sempre argumentar que o comunismo já não tem peso suficiente para incomodar alguém. Concordo. Mas, com estas coisas não se brinca. Além disso, é nas sociedades fragilizadas, como a portuguesa, que a tentação totalitária tem tendência a crescer.



[Paulo Ferreira]

terça-feira, fevereiro 15, 2005

As carpideiras

Não sei «enfrentar» a morte. Não sei. Sou cobarde. Por isso, mas também por razões pessoais mais nostálgicas. E, por essas mesmas razoes, respeito o «Fim». No entanto, outra vertente da aceitação me parece um caminho escarpado: as carpideiras. Carpideiras individuais e institucionais. Parece-me uma «ocupação» que perpassa a cúpula estabelecida de respeito pelos outros e respeito pela vida, mas, sobretudo, o respeito pela memória privada. A TVI, entre outras, chegou a um estado tal que nos oferece, perto da hora de almoço, horas e horas de exposição gratuita de uma defunta que se queria respeitavelmente entregue à «saudade» dos crentes. E não ao desfile sentimental à larga escala que se repete agora duas vezes em tão pouco tempo.

[João Silva]

O medo de existir

Acabo de ler o mais recente livro do filósofo José Gil ( Portugal, hoje - O medo de existir) .E, devo confessar, gostei bastante de o ler, mesmo que não tenha concordado com muitas das ideias expostas pelo dito autor. De qualquer forma é um livro a ler por todos aqueles que têm consciência de que as coisas não vão bem no país do "deixa andar".

O livro anda sempre à volta do tema da "não-inscrição". A "não-incrição", basicamente, traduz o fixismo nacional, criado pelas gerações que nunca conseguiram encontrar a melhor forma de ultrapassar as barreiras, sociais e políticas, impostas pelo salazarismo. Esse fixismo pode ser encontrado mesmo ao nível da imprensa, onde existe uma meia dúzia de autores que interpreta o papel da inquisição, através das suas verdades positivistas e imutáveis. A existência dessa única meia dúzia de cronistas impede que o raciocínio do resto da sociedade se desenvolva. Ou melhor, impede a existência de um espaço público, já que a comunicação é sempre feita em círculo fechado. Como afirma José Gil, « Os lugares, tempos, dispositivos mediáticos e pessoas formam um pequeno sistema estático que trabalha afanosamente para a sua manutenção

«O medo é uma estratégia para nada inscrever. Constitui-se, antes de mais, como medo de inscrever, quer dizer, de existir, de afrontar as forças do mundo desencadeando as suas próprias forças de vida. Medo de agir, de tomar decisões diferentes da norma vigente, medo de amar, de criar, de viver. Medo de arriscar. A prudência é a lei do bom senso português.
O medo que reinava no antigo regime passou a um outro registo, sem desertar dos corpos. Mesmo disseminado, circula agora horizontalmente

[Paulo Ferreira]

segunda-feira, fevereiro 14, 2005

Lisura de carácter

Ouço uma voz impune, num café, gritar a pulmões abertos : "Eu sou assim: directo e frontal." Fico com um sentimento de fragilidade face a tão vernácula afirmação. Vejo as minhas concepções existenciais completamente abaladas por um qualquer vira-mexe. Em todos estes anos de intensa agonia diária, sempre tivera a certeza de que o Homem era um animal que primava pela inveja e pela cobardia. Agora, o mundo já não poderia continuar o mesmo, nem a minha vida. Descobria, de forma tão alarve, que o Homem era "sincero" e "frontal" e que, por conseguinte, não poderia ser cobarde e invejoso. Os livros pendurados na estante teriam de ser relidos. Porém, lembro-me de que, admitir-se que o Homem é "sincero" e "frontal", é admitir-se que o Homem é mau e que todos os crimes sanguinários praticados pelos Estalines do nosso mundo são feitos com honestidade. De certa forma, fiquei reconfortado por sabermos todos que somos potenciais assassinos.

[Paulo Ferreira]

She´s gone



[Paulo Ferreira]

Jerónimo

Simpatizo com Jerónimo de Sousa. A palavra é essa: simpatia. É verdade. Um convicto «anti-comunista» (nada pessoal, sublinhe-se), no calor da «luta política» (que me tem passado bastante ao lado), rendido ao secretário-geral do PCP. Os argumentos mais que enraizados, viscerais, inabaláveis, parecem agora tão frágeis quando um «simplório» como Jerónimo ergue a voz contra as «políticas de direita». Adianto, no entanto, que não acompanhei a sua subida na pirâmide comunista. Na verdade, tinha até bastante repúdio, e justificado preconceito por base, quando o sindicalismo deambulava pelas ruas de Lisboa - apenas um faustoso culpado ganhava forma na minha cabeça: o «vermelho» Jerónimo.

Agora, apanhou-me. Enganou-me. Aliás, enganou-nos a todos, turba ignorante votada ao declarado ódio a Carvalhas e seus sequazes. «PCP, nunca!», dizíamos nós com a laranja, a rosa, o código civil ou o comando de televisão na mão. «PCP, nunca mais», para outros mais contemporâneos do PREC. Zita Seabra, provavelmente, estará hoje arrependida. Tarde demais, estamos todos na direita, física ou idilicamente. Estamos todos de um lado e Jerónimo de Sousa está do outro, irreversivelmente. Mas, quando guarda as folhas do discurso, o Homem do PCP volta a ser Jerónimo, volta a ser o Jerónimo. Diria a vizinha mais caseira que «volta a ser ele mesmo», com a bandeira na gaveta.

Mas, debaixo dos nossos capotes políticos encharcados, os nossos olhos estão, hoje, menos toldados. Menos iludidos. Os partidos mais pequenos ganham, aos nossos olhos, um valor exagerado: para uns, o rapazote burguês do Bloco; para outros, Portas, astuto e manhoso advogado da política; para outros, o ridículo fadista pseudo-monárquico; para mim, Jerónimo. O meu voto não há-de «saltar» para a sua mão. Os Prémios de Carreira não fazem sentido numa área que se quer politicamente incorrecta (tarefa essa que parece agora querer ser atingida à força pela nova vaga de intelectuais ociosos, e eu, inevitavelmente, sou um deles). Votar nele seria algo irracional, e «com o fogo não se brinca». Mas Jerónimo está «fora da política».

Gosto do senhor. Gosto da sua aproximação aos adversários. Gosto da sua pose. É impossível odiá-lo por ser comunista. É difícil fechar os ouvidos quando fala, mesmo que se declare profundo admirador do sistema de segurança social norte-coreano. O único sentimento que nos invade é uma grande pena por Jerónimo não morar na nossa freguesia. Pena de não poder, no fim dos seus discursos, dizer-lhe «Esquece isso por agora!» e partir com ele para a tasca mais próxima.

[João Silva]

domingo, fevereiro 13, 2005

Agnosia

Quando se é demasiado ligado às paixões partidárias, a tendência é sempre para deformar as palavras e frases de representantes prestigiados de facções partidárias inimigas. Nem me refiro à classe política em si, porque o facciosismo aì é evidente. Refiro-me a colunistas, escritores e, até, a simples leitores anónimos (a grande maioria). Todos, ou quase todos esses colunistas, escritores, etc., quando não gostam de um simples autor, tratam logo de o difamar com insultos injuriosos (se é que possa existir um insulto que não seja injurioso). Porém, a realidade é muito mais profunda e fragmentada que uma "leitura superficial" (entenda-se aqui que a "leitura superficial" abrange diferentes formas de facciosismo). Desse modo, torna-se necessário, para que se compreenda a complexidade do real, fazer levantamentos exaustivos de informação, pelo menos dos autores que se pretende criticar.

Um exemplo flagrante da agnosia que se tem apoderado da massa "intelectual" portuguesa é Derrida. Na altura da sua morte, Derrida atingiu o pódio da fama no "nosso" país. Pelas piores razões. Saliente-se que as piores razões não tiveram que ver com a sua morte, mas somente com as suas concepções filosóficas. Ora, nada tenho contra as críticas que são dirigidas a um autor. Pelo contrário, até defendo a crítica à brasileira, que ainda só existe por cá em esboço. Contudo, dessas criticas a Derrida, quantas foram feitas com "conhecimento de causa"? Teria Derrida assim tantos leitores na sociedade intelectual portuguesa? Julgo que não, até porque os argumentos usados contra o dito autor não passavam do género, demasiadamente bem conhecido, "Derrida é feio!".

[Paulo Ferreira]

Um homem inspirador

A entrevista de Constança Cunha e Sá a José Sócrates, apesar de vazia e sem objectivo (o normal das entrevistas aos actuais líderes dos 5 «maiores» partidos), levantou um pouco mais o véu que tem encoberto o já envernizado PS pseudo-Progressista, se é que este PS já não estava prostrado no meio da àgora à vista de todos os que não estão completamente cegos.

Passando algumas promessas, motes de partido, frases feitas, chega-se rapidamente a um ponto importante, em que são referidos os milhares de empregos que se têm prometido «criar» (como se de uma horta se tratasse). Sócrates responde, pensa e re-responde, sempre de forma confusa, que «o Estado orienta (...), deve ter, isso sim, um discurso inspirador». De qualquer forma, ao afirmar que vai, efectivamente, como «Estado», criar emprego, ao mesmo tempo que se declara um socialista devoto da tributação «Justa» (a maiúscula é imprescindível), já se afigura tarefa metafísica.

Depois, o importante: «um Estado inspirador». Inspirador? Como se pode falar de um «Estado» que oriente o crescimento económico constituído, à partida, pelo rol de participantes dessa magnânime obra socialista que foi o período 1995-2001? Aliás, será que Sócrates quer mostrar aos empresários portugueses (será que os há?), ou, mais grave, aos empresários em Portugal, o caminho para o investimento? Falar sem pudor e sem memória é natural no PS, mas Sócrates demosntrou um alheamento total do papel que o Estado, socialista ou não, deve ter junto do investimento e, consequentemente, da «criação de empregos». Infelizmente, não estará sozinho nesta vazia corrida ao poder no dia 20.

[João Silva]

Erro

Ontem, um leitor mais atento alertou-me para o facto de Marques Mendes ser cabeça de lista do PSD por Aveiro. Não que desconhecesse esse dado relevante, mas a verdade é que cometi um lapso.

[Paulo Ferreira]

sábado, fevereiro 12, 2005

A travessia do vazio

É possível que a interminável miséria do homem tenha origem na média-longa passagem pela adolescência. Aliás, as probabilidades de um homem arruinar o seu futuro promissor são, perto das fronteiras da puberdade, as mais altas da nossa vida demasiado longa e demasiado insignificante. Salvo algumas louváveis excepções (transexuais ou yuppies precoces não contam), a maioria de Nós é, na vida adulta, o que foi (ou o que «não foi», que também é determinante) na adolescência.

A campainha ferrugenta da escola chamava, a certa altura, para os verdadeiros deveres da «malta». A «malta» ígnara, mas não fazia mal. Nada interessava para além do campo de futebol a ocupar, no meio da lama e dos trocos que os aplicados jogadores deixavam cair no meio do relvado imaginário. Se o que se passava fora da escola já pouco interessava, durante o jogo toda a Humanidade nos passava ao lado. Era apenas uma pequena espera pela bola de futebol rota e barata (comprada no Sr. Aníbal, ou Sr. Firmino, pouco interessava) para mostrar o que se valia antes de voltar para a «vida». Um toque bonito na bola, e o dever diário estava feito. Podia-se voltar para casa, pensando nas meninas e no momento fotográfico do toque na bola, tão perfeito e inigualável.

Um dever diário como tantos outros. Um dever, para com os outros e para mostrar aos outros, que era nosso como um soldado num contingente de soldados isolado no meio do nada. Chegada a nossa hora, nada mais interessava. Os trocos no bolso para o lanche que acabava esquecido. Os cromos que uns coleccionavam e que outros admiravam. Os primeiros Twain, Stevenson ou Dumas. As raparigas. Sempre as raparigas. As insignificâncias de uma longa e penosa fase que todos atravessamos detestando-nos, detestando os outros e fazendo com que todos os outros nos detestem a nós. A fase em que não fazemos nada de jeito. Mas na qual toda a pequena merda que fazemos parece saída do imaginário de Zaratustra. É a Idade dos Heróis.

Esquecidas as borbulhas e com os primeiros cabelos no fundo do lavatório (choque), a adolescência está agora numa existência passada. Somos todos, homens, guerreiros retornados do outro lado do Mar, tentando esquecer um tempo que preferíamos não ter passado, detestando a «nova e ridícula geração» para a qual olhamos por cima do ombro. E, no entanto, há uma «camaradagem» (palavra perigosa) entre os «combatentes» de uma mesma geração, conscientes da travessia penosa e ingrata que é a adolescência. Mas que, no entanto, nos marca para o tempo de vida que fica por ocupar. O Chico, o Ramos, o Zé, são, hoje, os mesmos que eram antes. Sinal de que, do fundo do nosso repúdio, a puberdade continua a frisar a estupidez que mantemos da «idade proibida». Dos tempos da Lei Seca. Da adolescência.

[João Silva]

"Modernidade"

Muito boa gente costuma afirmar que as novas gerações são o futuro de um país. Nada mais errado. Basta observar as estruturas partidárias nacionais para se perceber que esse argumento nunca poderia passar de uma visão translúcida e demasiado afastada da realidade. De facto, as novas gerações, cheias de pujança partidária, cada vez mais se vão alistando nos partidos que idolatram, pensando que um dia poderão ter alguma utilidade para o país. Porém, essas novas gerações que se vão sucedendo, e que se englobam todas no absurdo conceito de "juventude", não são úteis ao país. No máximo, são úteis ao partido. Porque trabalham. Mas, por outro lado, não aprendem nem sequer estudam. Ou seja, essas novas gerações, tão propícias à emancipação, mais não fazem que uma apreensão de discursos de "líderes" e, como não poderia deixar de ser, fazem o trabalho sujo do partido.

[Paulo Ferreira]

Marques Mendes

Uma grande desilusão. Começa por se esconder no momento em que era necessário afastar Santana Lopes do poder. E, agora, segundo notícia do "DN", participou num jantar-comício em Aveiro. Deu a cara por Santana. Imperdoável.

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, fevereiro 11, 2005

O Baú de Nelson Rodrigues



Alguns dos melhores artigos dos primeiros tempos de Nelson Rodrigues (salvo os mais precoces rasgos de audácia, arriscaria-me a dizer «os primeiríssimos»!) na Manhã, na Crítica e n'O Globo, alguns dos melhores contos dos seus primeiros passos «a sério» na escrita, alguns louvores de que rodeia a obra do irmão Roberto Rodrigues (por quem nutria uma incontornável admiração, quase elegíaca a partir de um certo momento), e até algumas ilustrações do mesmo Roberto Rodrigues. É um raro. Mas, com um pouco de sorte, ainda vai abundar, nas livrarias certas, nos próximos tempos. Recomendável para quem nunca o leu ou só agora o está a conhecer. Mas um livro para pedestal para quem já não pode passar sem o seu legado - um legado que não deixou para ninguém, que é só dele.

«Carlos Zeuche, o pai, deslembrado da sova que lhe prometera a filha, caso ele se fosse interpor nos seus negócios, correu à Celina. Esta recebeu-o severamente!
Que velho cacete! Santo Deus!
Carlos, humilde e carinhoso, suavizando o mais que pôde a voz, observou-lhe que devia deixar o escrivão, que devia fugir àquela vida miserável.
Mas, Celina não o deixou terminar. Apoplética, furiosa, depois de atirar todos os insultos, investiu contra o pobre velhinho, armada de pau.
O ancião, fraco, pequeno, não reagiu, nem podia reagir às investidas da filha. Apenas cobria-se com os braços. Celina, alucinada, dava tremendas pauladas no pai. E, enquanto teve forças para dar, não parou. Só quando viu o infeliz velho, expulso da casa, caído na rua, ferido, é que resolveu terminar. E com um último insulto, e um olhar de desprezo, entrou no prédio, fechando com estrondo a porta.(...)
»

[João Silva]

The Man Who Had All The Luck



[João Silva]

Antigos

Três amigos sentados a uma mesa. Conversam sobre tudo e sobre nada. Fazem de ventríloquos. Deixam o tempo escorrer-lhes pelas veias. O assunto não acaba. Nunca pode acabar. Afinal, são os melhores amigos e, em torno deles, o mundo e a modorra confundem-se. Depois, quando se afastam, vem o silêncio. E o medo, de permanecerem num universo dominado pelo caos das suas vidas.

[Paulo Ferreira]

Pulmão desnudo

Os encontros imaginários que marcávamos, por teima, em dias chuvosos, eram um suplício. Tinhas razão: os beijos, que a meus olhos eram realmente beijos, não passavam de gestos doentes de um coração destroçado pelos dias e pelos meses.

[Paulo Ferreira]

Um país distante

Portugal parece-me cada vez mais um país distante. Não apenas de mim, mas de todos os outros que, como eu, foram condenados a nele viverem. A forma como se faz política por cá reflecte bem isso: distribuem-se as cartas pelos jogadores e depois a sorte tudo ditará. No fundo, a política em Portugal é vista como um jogo, em que nada mais interessa que não seja a vitória. Saliente-se, a vitória. Nada mais.

[Paulo Ferreira]

A ler

O artigo de Vasco Pulido Valente, no "Público".

[Paulo Ferreira]

domingo, fevereiro 06, 2005

Em campanha

É nestes dias enevoados, em que tenho, ou imagino que tenho, tempo suficiente para espreitar pela janela, que verifico que existem algumas coisas intemporais, que nunca nos abandonarão. Uma dessas coisas é a campanha eleitoral. Principalmente aquela que é feita por aqueles que andam por aí a vasculhar as ruas, à espreita de uma oportunidade de alcançar a fama fácil, ou seja, pelos jovens. De facto, é realmente confrangedor contemplar uma multidão de alminhas vazias , a distribuírem autocolantes do “partido” e a berrarem todas aquelas frases estridentes para um mundo que mais tarde os acolherá como “prodígios”. Infelizmente, a única coisa em que esses seres são prodigiosos e, até, admita-se, precoces, é na extraordinária capacidade de se venderem.

[Paulo Ferreira]

Elegância...

Ouço Hèlene Grimaud a tocar a Sonata Op. 81a, Les Adieux, de Beethoven. Mas preferia estar, de momento, num concerto seu. Sem som.



[Gonçalo Simões]

sábado, fevereiro 05, 2005

Ordem cósmica

Por vezes, penso se não seria melhor vivermos numa sociedade regulada por uma espécie de maet , em que a lei escrita pouco significado teria, já que existiria uma ordem cósmica regulada, como não poderia deixar de ser, por um Djoser qualquer. Porém, um tipo de sociedade maética como esta implicaria, nos tempos de hoje, que certas liberdades individuais não fossem possíveis de pôr em prática. Afinal de contas, a instituição faraónica não estará assim tão distante do ditador moderno. De qualquer forma, é um sonho bonito pensar que poderia existir, hoje, como antigamente, uma sociedade que punisse, através de um ideal de justiça supremo, o corrupto e o negligente, em vez de o premiar.

Ora, nada como olhar para o panorama político português, para se constatar que as nossas sociedades “modernas”, premeiam exactamente o que as sociedades egípcias puniam: a incompetência. Santana Lopes e José Sócrates são exemplo disso. Da incompetência. Mas não são casos únicos. Pelo contrário. Basta observar o país e verificar que o facilitismo é, cada vez mais, a nossa imagem de marca. Em tudo.

[Paulo Ferreira]

Retratos de uma democracia «em queda»

A política em Portugal não está «podre». Deixem-se de catastrofismos fáceis. A «política» (entenda-se o «debate», as «campanhas», as «tácticas» e o »poder» políticos), tal como a nossa democracia, continua igual. Desde que nos foi (re)apresentado, de rompante, o processo democrático e eleitoral, que não sabemos o que fazer com esta liberdade, nem como fazer, ou como traçar, o caminho mais rápido para o poder. O objectivo é generoso: melhorar as condições de vida no país, segundo uma concepção de política de Estado sui generis.

Não. A «política» continua bastante parecida com aquela que vimos sair da «pacificação pós-PREC». São os políticos que estão diferentes. Não se pode rever a história nem negar que tivemos um Gonçalvismo virado para Moscovo, um Guterrismo virado para a parede, um Bloco Central virado sabe-se lá para onde e outros governos que, com um mínimo de sucesso, conseguiram aguentar-se mandatos seguidos com ministros que ainda hoje lembramos à noite, em dias de infelizes insónias.
Mas nenhum destes períodos conseguiu reunir, numa correlação tão estreita, os políticos que hoje estão no topo: um Louçã cansado de se conter e cansado de ser simpático; um Portas com uma estranha fé na eternidade do poder; um Jerónimo vindo da «terra», do «trabalho», do «sindicalismo», ironicamente mostrando-se um exemplo de política concreta; Sócrates, um ex-ministro de um governo socialista desastroso para Portugal, apoiado pelo aparelho; e, por fim, Santana, um ex-guarda-costas com real gosto pelo puro poder, encabeçando, ele mesmo, um outro aparelho que veio para ficar (por agora). As perspectivas não podem ser boas.

Que as insinuações que Santana fez em relação a Sócrates foram rasteiras e indignas de um líder partidário todos nós temos consciência. Mas a exuberância da «indignação» que tem corrido pelas páginas de jornais e revistas sob forma de artigos de opinião, de colunas, de cartas de leitor, em relação à «baixeza da política que se pratica» parece-me exagerada e forçada. Cheguei a ouvir algumas declarações das vozes populares (dos partidos de «esquerda», não desses «populares») acusar Santana de fazer ataques pessoais por causa de um cartaz que apontava Sócrates como ex-ministro de um péssimo governo. Que Santana «atacou pessoalmente o líder socialista» quando o acusou de não ser capaz de ir a um debate. Ultrapassando a mediocridade do actual Primeiro-Ministro, certas pessoas conseguiram atingir um altar de ridicularidade quando deixaram passar a estupidez de Louçã (no frente-a-frente com Portas) para agora se «indignarem» com a «baixeza» da Direita.

Os políticos pós-salazarismo dividem-se, basicamente, em 3 grandes grupos, estando um deles (aparentemente) extinto: os grandes políticos, os políticos incompetentes, e os «mariquinhas». Santana Lopes afirmou, há dias, que devemos olhar para o «exemplo americano de democracia». Pois a política americana tem bastantes exemplares dos 3 grupos, mas nunca, como em Portugal, os dois últimos chegaram tão longe. Nem tão alto.



[João Silva]

O debate

Nos últimos dias, o debate andou nas bocas do «povo». Para não me continuarem a perguntar o que achei do debate, decidi escrever um post sobre o debate entre os dois principais candidatos das próximas eleições.

Acabei de o escrever.

[João Silva]

sexta-feira, fevereiro 04, 2005

Os cortejos

Na rua, dois cortejos cruzam-se na passadeira. De um lado, atravessando a passadeira, dezenas e dezenas de crianças mascaradas. De outro, parada para «dar passagem», a carrinha de campanha da CDU. Ambos tocavam músicas de propaganda. Curiosamente, a letra da música de Carnaval da miudagem parecia colar-se ao trautear do Avante! - algo sobre palhaços, brincadeiras e piratas...

[João Silva]

terça-feira, fevereiro 01, 2005

What turns out to be

«Look, heterosexual men going into marriage are like priests going into the Church: they take the vow of chastity, only seemingly without knowing it until three, four, five years down the line. The nature of ordinary marriage is no less suffocating to the virile heterosexual - given the sexual preferences of a virile heterosexual - than it is to the gay or the lesbian.
Though now even gays want to get married. Church wedding. Two, three hundred witnesses. And wait till they see what becomes of the desire that got them into being gay in the first place. I expected more from those guys, but it turns out there's no realism in them either.»


Philip Roth, The Dying Animal

[João Silva]