quinta-feira, junho 30, 2005

Maria

Escondido debaixo dos lençóis, o rapaz sentia medo. Se alguém lhe perguntasse porquê, o rapaz não respondia. «Maria!», era a única palavra que escorregava daquele choro convulso. «Maria!».

[Paulo Ferreira]

Três

F., rapaz sempre apaixonado, era feliz. M., rapariga sempre infeliz, não era apaixonada. P., representação abstracta da espuma do mar, não era feliz, nem infeliz. Apenas era. Digamos que figuras como P., sem os óculos escuros, não existem. M., rapariga sempre infeliz, conhece P., mas P. não quer saber de M., porque P. é a espuma do mar e, como se sabe, a espuma do mar não se relaciona com seres humanos. Só com afogados e, neste caso, com óculos escuros. Mas, apesar da indiferença constante de P., M. fica apaixonada. F., sempre com o coração nas mãos,torna-se cada vez mais apaixonado, mas cada vez menos feliz. No fim, as três personagens tomam rumos diferentes: P. começa a trabalhar num bar (sonho de infância); M., sempre desiludida com as questões sentimentais, abraça o mundo das leis; por seu lado, F., rapaz apaixonado, torna-se corno profissional.

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, junho 29, 2005

City

O homem, em fúria, levou o menino pela mão até à avó deste. «Volto logo», disse, virando-se bruscamente para a porta e saíndo tão rápido como entrou. A avó contemplava, tristemente, o miúdo, esperando ver a sua reacção a um fim de uma família. Assim que o pai saiu do café, a criança retribuiu o olhar à avó durante cinco segundos, e disse sorrindo: «Avó, a minha mãe fez do meu pai cabrão!».

[João Silva]

Recomendação



«We knew then that this was not going to be a walk-in. No one thought that the enemy would give us this kind of opposition on the water's edge. We expected "A" and "B" Companies to have the beach secured by the time we landed. The reality was that no one else had set foot in the sector where we touched down. This turned the boys into men. Some would be very brave men, others would soon be dead men, but all of those who survived would be frightened men. Some wet their breeches, others cried unashamedly, and many just had to find it within themselves to get the job done. This is where the discipline and training took over.»

-Sgt. Robert J. Slaughter

[João Silva]

Democracia a mais não é democracia

Através do Causa Nossa, fico a saber que a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa adoptou a propina mínima para o próximo ano lectivo devido aos votos favoráveis dos estudantes e de um funcionário "contra os professores e o próprio presidente do Conselho directivo, o qual pediu a demissão na sequência da decisão, por entender que deixa de haver meios para o funcionamento da Faculdade".

As críticas que Vital Moreira dirige a episódios como este (que a lei permite e incentiva) são acertadíssimas. Concordo, e porventura Vital Moreira também concordará, com a presença dos alunos nos vários órgãos da faculdade - mas isso não significa que estes possam, em caso algum, ter mais poder que os professores.

Aliás, e como já Aristóteles havia dito, democracia a mais redunda facilmente em demagogia. E este modelo de participação demagógica está, por outras razões, a minar o ensino pré-universitário: estive no Conselho Pedagógico de uma escola secundária e percebi que o (i) a direcção da Escola (corrijo, o "conselho executivo", para não ferir susceptibilidades democráticas) não tem poder reais e está "de pés e mãos atadas", (ii) não existe na prática a figura simbólica do director da escola, que é tão importante, (iii) órgãos como a Assembleia de Representantes ou o Conselho Pedagógico se limitam a ser o palco onde professores frustrados exibem o seu ego, (iv) as funções desses órgãos passam por coisas tão importantes como aprovar horários, ratificar (a posteriori...) visitas de estudo, deliberar sobre o arranjo de um canteiro por parte dos alunos de biologia (algo que a direcção, perdão, o conselho executivo, não pode fazer), ter discussões sobre "a quem se deve mandar uma carta" e uma série de outras tarefas burocráticas, que ocupavam tardes e tardes de discussões inenarráveis.

No ensino superior, não se percebe como é que funcionários ou alunos podem ter a última palavra em matérias tão sensíveis como as propinas. E que tal pôr os utentes do SNS a fixar o valor das taxas moderadoras?

[Bernardo Sousa de Macedo]

terça-feira, junho 28, 2005

Walrus

Em tempos exprimia, para um amigo, a minha tristeza em relação à tragédia que nos levou John Lennon. O Lennon de Liverpool. Há poucos dias, ao ouvir algumas das apoteóticas composições dos Beatles, lembrei-me novamente do fim da banda e do músico (tornado salvador do mundo). Num dia fatídico para os fãs mais sóbrios deu-se, portanto, a tragédia musical de Lennon: conheceu Yoko Ono.

[João Silva]

segunda-feira, junho 27, 2005

Admirador

Meu caro Joseph Walser, é verdade, já vi que tem pressentimentos, mas evite-os, que os pressentimentos cansam demasiado a inteligência. Vou esclarecê-lo de imediato para que não perca energia desnecessariamente. Caro Walser, nunca se esqueça de que é um dos nossos melhores funcionários. Cresce o respeito à sua volta, apesar dos seus sapatos irresponsáveis. Mas não quero prolongar demais o meu discurso. Caro amigo, caro Joseph Walser, sim: estou a dormir com a sua mulher, e se quer que lhe diga há em mim um entusiasmo relativo. Mas sobre si não tenho dúvidas, e espero também que nunca as tenha. Joseph Walser: sou um seu admirador.

Gonçalo M. Tavares, A máquina de Joseph Walser

[Paulo Ferreira]

Turbilhão

Sentado na sanita, um homem pensa na sua morte. Uma mulher, enquanto enfeita o seu corpo, sonha com o início da noite. Um homem e uma mulher, quando acasalam, juram que voltarão a pensar. Contudo, sentado na sanita, a observar-se ao espelho ou a acasalar, o Homem não pára para pensar. Porque, apesar de tudo ter um fim, o tempo não deixa de correr.

[Paulo Ferreira]

domingo, junho 26, 2005

Tardes de Verão

Empoleirados na varanda, os rapazes, sempre ingénuos, conversavam sobre sexo. As raparigas, essas, preferiam deixar as palavras para os rapazes.

[Paulo Ferreira]

Hotel

Dentro de um quarto de hotel, um homem, não tendo companhia, masturba-se. Quando acabar o acto inglório, o homem levantar-se-á da cama inundada de matéria criadora. Observar-se-á ao espelho e, sentindo-se humilhado, rebentará o crânio com uma bala.

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, junho 24, 2005

Rear Window

Esqueçam a obra de um homem. O melhor, e mais íntimo, que um grande escritor ou grande fotógrafo nos pode oferecer são as pequenas concessões biográficas acerca da sua vida. Robert Capa andou à deriva na Guerra Civil Espanhola, no Vietname, desembarcou na Normandia em 1944, entre tantas outras histórias de uma vida incansável e memorável. Mas, por muito que tivesse arriscado a sua vida nestes sítios, invejo-o, sobretudo, por um outro dado biográfico que me faz dormir menos (e pior) de noite: de que serve desembarcar no pior sítio para se estar na manhã de 6 de Junho de 44, quando o seu feito mais admirável foi a sua relação com Ingrid Bergman?


Ingrid Bergman, por Robert Capa

[João Silva]

quinta-feira, junho 23, 2005

Sozinho

Ernst Spengler estava sozinho no seu sótão, já com a janela aberta, preparado para se atirar quando, subitamente, o telefone tocou. Uma vez, duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze, catorze, Ernst atendeu.

Gonçalo M. Tavares, Jerusalém

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, junho 22, 2005

Debaixo da cama

F. passava os dias escondido debaixo da cama. Se alguém lhe pedisse explicações pelo seu estranho comportamento, o jovem rapaz limitava-se a esboçar um breve sorriso. F. dormia debaixo da cama. F. lia debaixo da cama. F. vivia debaixo da cama. Um dia, quando a cama caiu, F. morreu como se fosse um gafanhoto debaixo de um sapato.

[Paulo Ferreira]

Um homem generoso

O homem acordou cedo e beijou a mulher, antes de se levantar para ir para o trabalho. Deixou o pequeno-almoço feito para quando os três filhos acordassem, pegou na pasta e saiu de casa.
A caminho da repartição, parou o carro no semáforo e, depois de lhe lavarem o vidro, deu gorjeta de cinquenta euros. Visto que escolheu aquele caminho, propositadamente, pela primeira vez e chegou atrasado ao trabalho, pediu desculpas ao chefe e aos subordinados, deixando-os surpresos. Durante o dia, tratou todos pelo primeiro nome, desejou-lhes boa noite e, para compensar, trabalhou até mais tarde.
Saiu já tarde do trabalho, e encontrou o velho professor a dormir na entrada. Deixou-lhe o almoço que não comeu e entrou no carro.
Ao cruzar o seu jardim, olhou para a janela, acenou, e sorriu à mulher, que olhava preocupada para um marido que nunca a amou.
O funcionário estacionou na garagem, como sempre, e desligou o motor. Apanhou a fotografia datada da mulher que estava perdida e suja no tapete do carro, e olhou-a. Sorriu, respirou fundo, e abriu o porta-luvas.
Sentia-se cansado deste dia. Às 23:42, pegou no revólver e matou-se.

[João Silva]

Meu Anjinho

Tinha as mesmas ideias do marido. Se este pensasse que estava calor no quarto, ou que os negócios andavam devagar, ela pensava o mesmo. O marido não gostava de quaisquer divertimentos e, nos dias feriados, preferia ficar em casa; ela também.
- Sempre metida em casa ou no escritório - diziam-lhe amigos e conhecidos. - Ia ao menos ao teatro, anjinho, ou ao circo.
- Vássitchka e eu não temos tempo para teatros - respondia ela com gravidade. - Somos gente de trabalho, não estamos para ridicularias. O que têm de bom esses teatros?


- Anton Tchékhov, Contos

[João Silva]

terça-feira, junho 21, 2005

Mútuo Consentimento II

Outro galo cantaria se em vez de olhares
para a câmara olhasses para mim.
Nunca olhas para mim. E assim parece
que tanto te dá estares comigo ou com outro.
Quando podias olhar para mim, quando
fazes uma pausa para respirar, também
não olhas, limitas-te a fechar os olhos.

E ao voltares depois de teres respirado
alguns segundos, abres então muito os olhos
para veres bem o que estás a fazer
É a minha vez de fechar os meus, nunca
nos olhamos cara a cara e raramente
retine nos meus ouvidos a verdade pura.

Crus e duros são os teus olhos, não esses
que vêem um pormenor do meu penteado,
o horário escolar, a lista das compras,
mas os outros, que até mudam de cor, entretidos
no que sabes fazer tão bem até ao fim.
Crus, porque não me dizem se é só uma técnica
de amor, duros porque parecem pedras.

Desvias-te dos meus olhos para não leres
coisas neles, há uma câmara ao canto
que nos vê a nós os dois, tu olhas para a câmara
e não olhas para mim. Não te interessa que isto
nos meus olhos seja riso ou choro, não abres
os teus olhos contra os ossos da minha cara.


Helder Moura Pereira, Mútuo Consentimento

[Paulo Ferreira]

Mútuo Consentimento

Mútuo Consentimento de Helder Moura Pereira é, sem dúvida alguma, um dos melhores livros que li nos últimos tempos. Pelo menos se se tiver apenas em conta o universo literário português, isso é bem capaz de ser verdade. Um livro a ler.

[Paulo Ferreira]

Locais de leitura

A ler, na Yale Review of Books, um artigo de Toby Merrill.

«One place many of us bring into the books we read is our own bed. My bed has snuck into the background of much of my reading. There are books that live next to my bed that could not possibly exist anywhere else. My dad's copies of the entire Winnie the Pooh series hold court next to Mark Strand's Reasons for Moving and a few old journals. On Thanksgiving and spring breaks, favorite seminar reading and back issues of unread magazines keep company with unused stationery and a stash of pens. The drawers beneath hold years of letters. My bed is their safety net - it will not change their meaning against my will. This innermost chamber of reading is no place for textbooks or boring novels. Most of us are exceedingly careful about what we let into our beds (only soft sheets, clean pets, crumbless foods, loved ones). Why should books be any exception? The books I bring to bed must be all of these things: nice, clean, crumbless, and loved. They must be new enough to provide fresh pleasure and old enough to be familiar, comfortable. They must be loud enough to keep me awake and quiet enough not to wake the neighbors. They must be good companions for a bedtime journey.»

[Paulo Ferreira]

Verdade ou consequência

Depois de um passeio no jardim, sentámo-nos numa esplanada , como se fôssemos turistas à procura de diversão. Porém, já não tínhamos palavras para gastar um com o outro. A mão que te beliscava a perna no passado permanecia inerte no bolso. Repetimos o mesmo percurso nos dias subsequentes a esse. Depois, percebemos que o melhor seria nunca mais deixarmos passar a consequência à frente da verdade.

[Paulo Ferreira]

segunda-feira, junho 20, 2005

Vénia


António Franco Alexandre

[Paulo Ferreira]

O maior desde

«A poesia tem sido a nossa forma de expressão artística mais conseguida e mais povoada. Mas não podemos canonizar cada poeta que morre como o maior desde. E se fosse o terceiro maior? Ou talvez o quinto? A conversa descamba no ridículo. Eugénio ou Sophia são claramente poetas importantes. Mas não somos nós, seus contemporâneos, que conhecemos a sua relevância no cânone português em termos absolutos. Daqui a 100 anos é que isso se percebe. Para nós, neste momento, são grandes poetas. E isso é suficiente. Não são necessários mais epítetos.»

-Pedro Mexia, Diário de Notícias, 20/6/2005

[João Silva]

Génese

Sérgio, personagem inventada pelo Senhor, é um misto de rapaz e de rapariga. Se me perguntarem por que razão escrevo isto, responderei que é para que não hajam dúvidas de que, nas origens, o homem e a mulher eram um só.

[Paulo Ferreira]

sábado, junho 18, 2005

O estado das coisas



[João Silva]

Pedagogia

"Sexo é uma coisa, trabalho é outra!", sussurrou a rapariga ao ouvido desatento do namorado. O imberbe rapaz, sempre alheado do universo sentimental da namorada, sorriu.
Passados uns tempos, a rapariga trocou o namorado pelo patrão.

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, junho 17, 2005

Povo

O Bernardo sublinha um retrato das «massas portuguesas» (e não falo de culinária), distraídas com o elogio dos mortos e a ridicularização dos vivos. A reunião da ignorância de um português com a ignorante turba já formada só pode resultar na «indignação» e «choque» que abundam nas emissões populares da TVI, SIC Notícias, TSF e tantos outros.

Um dia Vasco Gonçalves gritou «Ou estão com a revolução, ou estão com a reacção!». Em dia de Sol português, o ênfase dado ao termo «revolução» insinuou uma escolha óbvia (e incondicional) e do agrado dos plebeus. E o povo aceitou. Da mesma forma, quando Mao nadava no rio, todos iam assistir e viam naquela «barriga insubmersível» (o termo é de Nelson Rodrigues) o ventre da utopia marxista. Já Estaline, quando dizia duas palavras em discurso, apreciava de seguida 20 minutos de palmas de «fiéis seguidores do Partido». Em suma, o ser humano, bem ensinado, é capaz de tudo e de ver todo o tipo de coisas. Mesmo em países livres. O caso português não é diferente, e muito menos novo. É uma armadilha cristã, a liberdade de expressão. Todos os argumentos são prováveis de aparecer.

O post do Bernardo di-lo melhor e dum prisma mais sólido. Como ele próprio disse, «não lhe mudo uma vírgula».

[João Silva]

Agradecimentos

A direcção do Lusitano reconhece e dedica um sincero agradecimento a todos os que se lembraram do aniversário do blog, e em especial aos que nos lêem e que o mencionaram nas suas próprias casas.
«Internamente», reconhecemos ainda que o Lusitano também cairia na vulgaridade sem as contribuições, ao longo deste ano, para além da do Paulo e da minha, da do Tiago, do Gonçalo e do Bernardo. Um sincero e excepcionalmente meloso obrigado.

E um agradecimento especial à Ana d'A Vida dos Meus Dias:


Mensagem pessoal: que «um Hopper» possa saldar as «dívidas» tão envergonhadamente contraídas ao longo dos tempos.

[João Silva]

Nós, neo-fascistas de esquerda

Ou Mário Soares não estava certo quando disse que o povo português é de esquerda (mas ele engana-se??) ou então temos um povo de esquerda, libertário, que de vez em quando tem uns ataques de fascismo. O povo que num dia entoa a cantilena dos direitos para isto e para aquilo (que mascaram muitas vezes a má-educação e a preguiça), da liberdade contra tudo e tudos ou do «perigoso reaccionarismo» do PP, no dia seguinte já é fascista convicto e defende a morte dos pretos sem direito a julgamento prévio, a auto-tutela do direito de propriedade, o «orgulhosamente sós» aplicado às leis de imigração.Vem isto a propósito da morte de dois polícias na Amadora e dos zunzuns xenófobos que se vão ouvindo a esse propósito. Sempre fui favorável à existência de forças policiais bem apetrechadas e com prerrogativas legais e materiais adequadas à sua missão. Mas quando os senhores agentes se decidem manifestar porque o país é inseguro e correm risco de vida, só apetece dizer: «muda de vida, se não vives satisfeito»... Também sempre me irritaram os guetos sociais, a cultura de bairro, e a protecção politicamente correcta dessa suposta «cultura das minorias» que muito comodamente ignora a existência de tráfico de drogas e de seres humanos, lavagens de dinheiro, servilismos sociais vários. Agora, a abordagem também não pode ser o exagero de expressões como «voltem todos para a vossa terra». Para o bem e para o mal, muitos deles já não têm outra terra senão a nossa.E não podemos, não podemos mesmo, esquecer que por cada imigrante problemático há 999 pessoas vindas de outras paragens que só querem trabalhar, educar os seus filhos e ter uma vida pacata. Pelo respeito que nos merece a dignidade de todos os homens e porque um dia podemos ser nós os «estrangeiros», os «outros».

(As circunstâncias são algo diferentes, eu sei. Mas o que aqui se transcreve é uma citação do que publiquei no Notas Várias a propósito de um outro "caso polémico". E não mudo uma vírgula)

[Bernardo Sousa de Macedo]

quinta-feira, junho 16, 2005

Nostalgia

Não faz hoje um ano desde que comecei a derramar inimagináveis palermices nas páginas e bytes deste blog. No entanto, alguns dias antes da minha entrada neste espaço, o Paulo deitava, a 16 de Junho, os primeiros tijolos (os mais importantes) nas fundações do Lusitano. Portanto, faz hoje um ano que este blog começou. Para celebrar o facto, e para um momento de comovente nostalgia num quente e seboso dia de Verão, recupero e ponho aqui as minhas primeiras e inócuas palavras neste blog agora amadurecido pela vida que, afinal, sobreviveu a um país governado por Pedro Santana Lopes:

«O Paulo chama-me puro Conservador. O que pode cair mal nas hostes. A palavra tem muitos sentidos, e o ser humano outros tantos. Porque imagem, embora não interesse muito, é coisa que não se esquece. Sobretudo, os bloggers são personagens. Desenvolve-se uma ideia hoje, outra amanhã. Mas a personagem, e a personalidade, não morre. E tanto mais difícil será isso acontecer num blog com um anfitrião e um convidado.
Voltando ao que interessa, a verdade é que não sou um conservador clássico. Nem, por outro lado, vejo a realidade por um prisma igual ao do Paulo. Temos algumas diferenças. Mas as diferenças nunca assassinaram a política. Pelo contrário. Em 1937, na China, Chiang Kai-Shek e Mao Tsé-Tung abraçaram-se para abrir hostilidades contra o Japão. Assim que acabou o conflito internacional, Mao e Chiang voltaram à «sua» guerra e não pararam até que um chinês correu com o outro para a Formosa.
Felizmente, aqui encontramo-nos no mesmo quadrante. E bastante longe das «febres amarelas». Mas há algo em comum: sem atingir o nacionalismo, o que interessa é mesmo o blog.
»

[João Silva]

Badende Mädchen

Há um ano atrás, Otto Mueller foi a primeira imagem deste pequeno espaço. Há um ano atrás, escrevi «pretensioso» com «c» (por falta de vergonha, o «c» ainda hoje lá permanece). Há um ano atrás, não sabia que comemoraria um aniversário na blogosfera.

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, junho 15, 2005

Flautas matinais

Assino por baixo o post do João, mas com uma nuance. Para mim não há nada pior do que as surpresas que nos reserva a música-ambiente do metro. Hão-de me apresentar quem é que escolhe "The final countdown" dos Europe em flauta de pã ou "Nothing Else Matters" dos Metallica em canto gregoriano para alegrar os passageiros matinais...

Pan Pipes e canto gregoriano são, aliás, os grandes inimigos daqueles que procuram o sossego em cafés e transportes públicos. Enfim, é o nosso horror ao vácuo que permite barbaridades como músicas libidinosas adaptadas para um estilo de interpretação supostamente religioso ou a conversão de tudo e mais alguma coisa (de Céline Dion a Rammstein) para versão instrumental. "O ser humano mete dó".

[Bernardo Sousa de Macedo]

O fim do silêncio

O tema já aqui tem sido abordado, mas merece ser retomado. George Steiner também indicou, várias vezes, a música-ambiente como uma das causas mais subtis mas mais determinantes daquilo a que se poderá chamar a «morte do pensamento».

Nos cafés, o livro e a conversa amena (sem menosprezar o meu tão querido monólogo) foram descaradamente absorvidos, esquecidos e, por fim, substituídos pela música «ambiente» (esqueçam os relativamente agradáveis fundos de Mozart ou Elgar, falo das efémeras bandas pop para potenciais bailarinos).
Do trabalho para casa ou vice-versa, qualquer tentativa de «segurar» um pensamento ou uma semente de uma ideia brilhante é vã: no Metro tocam bandas, contratam-se novos jogadores, vendem-se discos e, ocasionalmente, caem governos, tudo no instante dos altifalantes e do écrã de televisão.

O ser humano sempre receou a solidão e, nos tempos que correm, agarrou-se a tudo o que o possa ligar ao mundo e aos outros. Sem reparar que perdeu, no fundo, contacto com o seu próprio pensamento.

[João Silva]

terça-feira, junho 14, 2005

Escrúpulo

O meu amigo Bruno Alves, numa chalaça bastante curiosa, põe em causa as minhas propriedades psíquicas e somáticas. De modo a responder a tão folgazão comentário , vejo-me obrigado a citar escritos antigos do amigo Alves: «George Clooney é um homem. Ser homem, ser verdadeiramente másculo, é, quer queiramos quer não, ser como George Clooney

[Paulo Ferreira]

Your picture out of time


Naomi Watts

[Paulo Ferreira]

Pessimismo antropológico

A quem lê Dostoiévski, nenhuma cara lhe parece estranha.

[João Silva]

segunda-feira, junho 13, 2005

Requiem

A ler José Pacheco Pereira (A Ceifeira Nocturna) sobre Eugénio de Andrade e Álvaro Cunhal.

[João Silva]

Tempo

Perdemos o controlo do tempo. Algures nos dias distraídos, o tempo rebelara-se, e passámos a estar dispersos em cem horas que já não dominamos, ao contrário do que antes parecia acontecer.
Procuro-te, indiferente ao jugo do leviatã, nos lugares e nas coisas que dizem o teu nome e reflectem a tua expressão mais serena.
É nesta quase clemente e tolerante ilusão que transporto a tua imagem aos locais de sempre, suspensos no tempo, procurando as pontes arteriais que uma vaga de velho sangue há muito engolira.

[João Silva]

Álvaro Cunhal (1913-2005)



O que há para dizer acerca da morte de um marxista da mais duríssima linha ideológica? Normalmente, o facto não despertaria interesse. Mas Álvaro Cunhal, pelos ódios e amores políticos (e pessoais) que despertou ao longo da sua vida, é um caso diferente. Cunhal não morre em definitivo. Tem a particularidade de, a partir deste dia, continuar a despertar ainda variados sentimentos, mas também curiosidade por uma figura que morreu a acreditar em Estaline e no seu pioneeirismo. Num ponto, todos estarão de acordo: Cunhal marcou o séc. XX português.

[João Silva]

Todo o tempo perdido

Todo o tempo perdido
para não me perder
para não sufocar

Poderei ainda
reconhecer
atrás das pálpebras
a intacta ferida?


António Ramos Rosa, A Intacta Ferida

[Paulo Ferreira]

domingo, junho 12, 2005

Beleza feminina no Cinema

Em conversas de café, quando se fala sobre actrizes bonitas, há uma enorme tendência para se afastar as actrizes bonitas e competentes (por competentes, entenda-se «que têm jeito para a representação») das actrizes bonitas e incompetentes (por incompetentes, entenda-se «que não têm a mínima inclinação para a coisa»). Com efeito, julgo que essas distinções são injustas e, obviamente, dispensáveis.

Assim como existem vários exemplos de boas actrizes que correspondem aos ideais masculinos de beleza feminina, também existem vários exemplos de mulheres bonitas e vazias, que são convidadas, vá-se lá saber porquê!, para interpretar um papelinho de mulher progressista. Ora vejamos: no primeiro grupo, temos senhoras como Cate Blanchett, Nicole Kidman, Gwyneth Paltrow, Scarlett Johansson, Sarah Jessica Parker, Natascha McElhone e Julianne Moore, que, realmente, sabem representar e, ao mesmo tempo, deleitam o público masculino com a sua beleza; no segundo grupo, temos actrizes como Sharon Stone, Amanda Peet, Keira Knightley (esta ainda vai a tempo de aprender), Christina Ricci e Monica Bellucci (apesar de Malena, esta última também fica neste grupo), que, definitivamente, são portadoras de uma voluptuosidade invulgar, mas que, como actrizes deixam muito a desejar. Porém, ao fazer a distinção entre boas e más actrizes, caio no risco de menorizar outros atributos (físicos) que as hipotéticas actrizes desprovidas de capacidade representativa possam ter. Um exemplo, afirmar a alguém que Sharon Stone é má actriz, pode levar esse alguém a menosprezar todo o erotismo que a senhora demonstra ser possuidora em Casino, de Scorcese. Além disso, o facto de uma mulher bonita ser má actriz, não obriga as pessoas a não gostarem da interpretação/aparição dessa mesma actriz. Quantas não serão as mentes, provavelmente, ocupadas que se dirigem a uma sala de cinema para verem, somente, os lábios de Angelina Jolie? Ou seja, dividir o trigo bom do mau, como fiz acima, só faz com que a mente humana despreze as imensas qualidades de quem foi qualificado de mau. Sei que isso também se pode enquadrar com o mundo da política, mas o universo feminino é uma coisa diferente, mais etérea.

[Paulo Ferreira]

sábado, junho 11, 2005

Dias do fim

O Dia de Portugal deveria ser comemorado mais vezes, e não digo isto motivado por qualquer tipo de fervor nacionalista. Se pararmos para olhar, nem que seja por breves instantes, para o país em que vivemos, chegamos à conclusão de que Portugal é um bom país. Com efeito, se se descontar o nosso subdesenvolvimento, temos tudo o que os países desenvolvidos têm. Temos calor, temos vento, temos chuva. Enfim, temos tudo aquilo que um país decente deve ter. É por isso que afirmo que o Dia de Portugal deveria ser festejado mais vezes. Afinal, apesar da nossa existência enquanto portugueses, Portugal continua a ser um país.

[Paulo Ferreira]

Humor pós-revolucionário

No Dia de Portugal, o Diário de Notícias ofereceu ao digníssimo leitor uma garrafa de vinho tinto do Alandroal. Talvez para ajudar a esquecer que este dia já mereceu ser comemorado.

[João Silva]

sexta-feira, junho 10, 2005

Tragédia humorística

No Portugal mediático, o humor é, à semelhança do fado, triste. Liga-se o pequeno ecrã e aparece alguém a tentar fazer humor. Folheia-se uma revista e lá está alguém a contar piadas. Enfim, se Manuela Moura Guedes consegue ter alguma piada, outros como Paulo Camacho, Rodrigo Guedes de Carvalho e Júlio Magalhães não conseguem ter qualquer sentido de humor. Quanto aos programas de humor, que tantas audiências dão aos canais generalistas, nem vale a pena fazer comentários. Pode-se argumentar que temos o Gato Fedorento. Contudo, o Gato Fedorento não chega a toda a gente. Poder-se-ia, então, afirmar que o grande culpado por esta falta de humor, que se abateu sobre todos aqueles que querem fazer comédia no nosso país, é o menino Tonecas. Afinal de contas, o humor neste país baseia-se, quase assustadoramente, nesse senhor que conta piadas em falsete, como se fosse uma criança de oito anos.

No que diz respeito à vida real, a conversa é outra. Com efeito, os portugueses que não precisam de aparecer para existir costumam ter um bom sentido de humor. A explicação para esse fenómeno é a seguinte: os portugueses, querendo fazer tragédia, fazem comédia. Exemplo disso é a típica senhora que, ao tomar conhecimento da morte de uma vedeta de televisão, grita um «ai Senhor!» para os céus.

[Paulo Ferreira]

Non-sense

Fernando Gomes na Galp? Porque não António Mexia a editar poesia na Assírio & Alvim? E Eusébio a dirigir a programação da RTP? E Lídia Jorge na direcção da Federação Portuguesa de Futebol? E Ricardo Araújo Pereira no Ministério das Finanças? E Mota Amaral a comandar os destinos da Antena 3? E que tal José António Saraiva a dirigir o Inimigo Público? No reino do «vale tudo» a que chegámos, mais valia assumir o non-sense do mundo político. Com ou sem reformas. Tanto faz, no fundo.

-Pedro Rolo Duarte, in DNA 10/6/2005

[João Silva]

Poses

Não sei se o fenómeno se deve ao aparecimento do Verão, mas o facto é que dou comigo a ouvir, cada vez mais, cantores que ultrapassam a barreira do admissível. Damien Rice é exemplo disso. Já Rufus Wainwright não se pode considerar um cantor inadmissível. Porém, se se considerar compreensível o facto de alguém ouvir, vezes sem conta, Rufus Wainwright a cantar esse emblemático tema que é Hallelujah, o mínimo que se pode dizer é que, ouvir a música que remete para o erotismo de Natalie Portman torna-se saudável e, até, de louvar.

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, junho 09, 2005

O último Verão

No fim do dia, o rapaz saíra, como sempre, da escola, sem a concessão de um único olhar da rapariga loura de pele perfeita. Magro e sem talento para o cortejo, restava-lhe a vaga consolação de ainda ter alguns anos de proximidade com a ninfeta. Mesmo assim, sabia que, ao mesmo tempo que a rapariga era para ele inatingível, ele era para ela inexistente.
À noite, na cama, como sempre, sonhou com ela até de manhã. A ideia parecia ganhar forma, cada vez mais brilhante. Ao atravessar a estrada, a rapariga seria atropelada por um condutor sem escrúpulos, e ele, célere, surgiria de entre a indigna multidão, correndo e gritando pelo seu nome. Ensaguentada e deitada, imóvel, no asfalto quente do seu último Verão, a rapariga dir-lhe-ia: «Eu sempre te amei...», e beijá-lo-ia mesmo antes do seu último suspiro.
De manhã, lavando os dentes e investigando a acne, o rapaz reafirmou para o espelho: «Seria um fim perfeito para um amor impossível!».

[João Silva]

Sopranos

Hoje, diz-me o Bruno Alves que Diniz Maria «aconselha», em arrebicado vídeo promocional (que não identifico, por pudores em relação a propaganda gratuita), o voto no seu «papá» (sic) para a Câmara Municipal de Lisboa. Por razões óbvias, a criança está perdoada. Tal como a sua mãe, que considero ter argumentos para promover alguma coisinha, seja ela qual for. Já o «papá»...

[João Silva]

Bonfim

Há semanas atrás, o Bonfim fez uma menção honrosa a um post do João. Julgo que está na altura de, também nós, fazermos uma menção honrosa a um dos blogues que melhor demonstram qual é a melhor forma de gostar de futebol. Bonfim.

[Paulo Ferreira]

terça-feira, junho 07, 2005

A aventura dos livros

A Feira do Livro é uma aventura, não apenas por causa dos livros baratos, mas também por causa do intenso cheiro a Verão que por lá abunda. Não é que coisas como o Verão, o calor ou contacto humano me fascinem, mas a verdade é que é no Verão que o sexo fraco sai à rua. Na Feira do Livro, o cheiro a Verão é tão intenso que até o cidadão mais pacato se vê obrigado a fazer peregrinações diárias ao Parque Eduardo VII. Face ao cheiro, os livros nada interessam. A mente humana deforma-se de maneira assustadora. Chega a atingir a impertinência excessiva, a obsessão. Os livros servem apenas como pretexto para um contacto furtivo com o sexo feminino. Claro que os livros interessam, mas, para quem frequenta boas livrarias, a Feira do Livro nada representa em matéria cultural. Além disso, a palavra «livro» não rima com «multidão». Por outro lado, a palavra «feira» rima com «mulher» (bonita) e, especialmente, com «ninfeta» (bonita).

A tentação de cometer um crime moral na Feira do Livro é tão grande, que chego dar razão ao socialista utópico, Charles Fourier, quando afirma: «cornudo presumível é aquele que, muito tempo antes do casamento, teme a sorte comum, tortura o espírito para lhe escapar e sofre o mal antes de realmente passar por ele.» Ora, julgo que qualquer homem que se apanhe nos meandros da Feira do Livro só pode sentir-se um «corno presumível» ou imaginar que pode estar a fazer alguém sentir-se «corno presumível», o que não é bem a mesma coisa.

[Paulo Ferreira]

segunda-feira, junho 06, 2005

Foi há 61 anos


Dia D

[João Silva]

Ainda sobre a «Constituição Europeia»

«A real debate took place in France concerning the European Constitution. This is the very least we can expect from a democracy, and the French nation must be congratulated for it. However, the outcome of this debate is not especially enlightening. It is surprising to observe how the advocates of both the "No" and "Yes" votes employed very similar arguments. Both campaigns focused on encouraging voters to turn against the United States and to reject what was called "the Anglo-Saxon threat." Advocates on both sides proposed a Europe without reforms, featuring a more restricted market and greater state control (in a country in which the public sector plays a very important role). And this happens now, just when we are celebrating the 60th anniversary of the liberation of Europe by British and American troops, an event that ushered in the longest period of prosperity and peace Europe has known, founded on political freedoms and the market economy. Paradoxical, certainly.
It is not surprising, however, that the debate has strayed so far from the boundaries of the European identity. Over the last few years, certain leaders have fertilized the populist seeds of rejection regarding reform and the Atlantic link. It is not surprising, therefore, that weeds have sprung up and the gardeners have lost control of them.»

José María Aznar na sua coluna do Wall Street Journal Europe (3-5 Junho de 2005)

[Bernardo Sousa de Macedo]

Verão

Empoleirada numa varanda de sétimo andar, a rapariga sorri para o namorado. O namorado, despreocupado, pensa: «se ela cair, eu vou junto!»

[Paulo Ferreira]

Ernst Jünger

Mesmo debaixo da batalha existia um quarto reduzido, onde um escritor (um homem que pode desperdiçar tempo) se demorava três frases sobre o modo como a bala ou a bomba entram em certas cartilagens bípedes.
Contudo, a mistura entre o metal e a carne é tão antiga como o Homem. Morre-se com metal no coração ainda antes de se saber que o Homem tinha coração.
Eliminar antes de compreender. E se queres conhecer algo sobre esta espécie animal aqui tens um bom resumo.

Gonçalo M.Tavares, Biblioteca

[Paulo Ferreira]

sábado, junho 04, 2005

A ambiguidade do «não» francês

Sobre a possível, e perigosamente confusa, diversidade de razões e argumentos para votar contra ou a favor do tratado de Constituição para a UE, escreve Jonah Goldberg na National Review Online:

«One of the fascinating factors in the French referendum was that anti-Americanism of one kind or another motivated both yes and no voters. The yes voters were interested in, among other things, creating the sort of European superstate the French have envisioned for decades. The no voters were concerned that the EU Constitution would usher in American-style “ultraliberalism” (one thing the Europeans do have going for them is they still use the word “liberal” correctly).

The French have absurdly lavish social-welfare policies, particularly for the middle class and for workers. Opening France to more economic competition threatens their cushy perks. (I knew a French businessman who wanted to fire a lousy truck driver who kept missing work. He had to make an appointment with government bureaucrats six weeks in advance in order to get permission to fire his own employee.)»


A França, pelo facto de ser a principal impulsionadora (e «líder moral») da Constituição Europeia, tem mesmo de ser a principal nação «ratificadora» dessa Constituição, substituindo os anteriores tratados. Mas compare-se a «visão dos franceses (de uma sua maioria)» com a «visão dos ingleses»:

«This points to one of the great ironies of globalization: It imposes a regression to the global mean. Various commentators have marveled at the fact that Britain and France think the EU Constitution means opposite things. The Brits don’t like it because they fear it will bring Euro-socialism, while the French fear it will move France in the laissez-faire direction. Many have attributed this to voter confusion over what the constitution actually says. Why else would the Brits think it’s a socialist tract while the French are convinced it’s a plan for economic liberalization?

(...) Add the fact that the document itself is impenetrable and you can hardly blame voters for erring on the side of caution. You don’t roll the dice when you might potentially be voting away your sovereignty and lifestyle. For the record, though, the constitution is no free-market tract — if Adam Smith were alive, he’d spontaneously burst into flames if he read it.»


A verdade é que se deve pedir explicações, acerca da rejeição da Constituição Europeia em França e na Holanda (e, creio, seguir-se-ão muitos mais se se continuar a efectuar referendos), directamente aos que defendem e votam pelo «não», pois o risco de dar de caras com mais propaganda pró-europeísta (e tome-se aqui «europeísta» no sentido institucional, da reafirmação do «Fortress Europe», neste caso de Giscard) é enorme, e apenas abre as portas para um regresso ao início do processo. Como já disse anteriormente, e como Jonah Goldberg aqui afirma, nem todas as motivações são boas para votar contra, mas, acrescento, o facto de haver diversas motivações para uma mesma vontade/decisão, é uma das vantagens e pilares da democracia, e retirá-lo seria um precedente perigoso para a consolidação da demagogia do «progresso europeu».

[João Silva]

sexta-feira, junho 03, 2005

Sobre o amor

No intervalo entre duas garrafas, ele colocou uma terceira
Garrafa, e assim sucessivamente
Até fazer uma garrafeira. O espaço entre duas partículas
Da Física não é tão entusiasmante como o espaço
Que existe algures no teu decote;
Daí que a parte da cidade interessada no erotismo
Tenha abandonado todos os estudos
Que se referem a partículas mínimas e outras
Preciosidades. Medidas discretas tem o ar,
Que não se vê, e o Nada, que não existe. Robustez, é preciso;
Em cima da semente minúscula que se construa um edifício
Alto ou pelo menos uma laranjeira.
Vejamos: o que é o amor? O amor depois de aberto ao meio
É um. E mais não sei sobre essa
Mentira.

Gonçalo M. Tavares, Poesia 1

[Paulo Ferreira]

Amigos

Num autocarro, dois rapazes conversam sobre coisas como o amor e a amizade. Recordam o passado, como se esse passado se fosse repetir num futuro próximo. Entretanto, um dos rapazes chega ao seu destino. Ao sair desse autocarro tão cheio de memórias, o rapaz, com uma lágrima a descer-lhe pela face, sente saudades do amigo. Porque o tempo não pára.

[Paulo Ferreira]

Messenger

Quando o tempo se esgota e não regressa, a única solução é procurar nas entrelinhas da tecnologia, algo que nos faça sentir que, para além do silêncio, existe um oásis pronto a ser recordado.

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, junho 02, 2005

Encontro

A rapariga gorda veste a sua melhor saia, numa tentativa de antecipação do casamento. O imberbe encharca o cabelo de água, como se desejasse reavivar algum galã de cinema. Quando dois seres desconhecidos se descobrem um ao outro, só se pode dizer que o amor tem um não-sei-quê de estranho. Até porque a rapariga gorda sofrerá.

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, junho 01, 2005

Reafirmar de uma obsessão


Famke Janssen

{João Silva]

Revolver a terra

Passado é passado, somos pessoas novas, dizias. Viravas as costas quando te pedia para me acompanhares e dares a mão numa visita ao tempo em que estávamos próximos. Achavas que não se devia ficar no mesmo local à espera. Que eu era toldado de visão por gostar de revolver a terra. O que nunca percebeste é que essa terra e esses dias são o único eterno momento em que espero o teu regresso.

[João Silva]

Whirlwind

Na sexta-feira, a rapariga trouxera a camisola do Benfica, para impressionar o namorado.
Na segunda-feira, já havia desistido. Do Benfica e do namorado.

[João Silva]