sexta-feira, janeiro 28, 2005

Votar em partidos, e não em executivos

Há cerca de uma semana, Luís Filipe Menezes andou em campanha na região da candidatura das suas listas. Aproveitou para afirmar, então, que «os portugueses iam às urnas escolher, para Primeiro-Ministro, Santana Lopes ou José Sócrates, não há outros candidatos a Primeiro-Ministro».

Engana-se. As pessoas vão às urnas escolher, para o Parlamento, o partido que mais gostariam de ver representado e, assim, ver representados os seus próprios interesses e vias políticas preferenciais. Os «portugueses» não vão «escolher apenas um Primeiro-Ministro» entre os dois senhores já referidos.

Por exemplo, eu, garanto-vos, não morro de amores pelos «únicos candidatos a Primeiro-Ministro» do sr. Menezes. Portanto, é provável que vá fugir às «leis normativas» que Menezes garantiu existir nas eleições de Fevereiro. Provavelmente, entre outras, Odete Santos, também não gostará da ideia de estar a dar votos ao PSD quando votar. A tese de Menezes, portanto, é frouxa.

[João Silva]

Os viriatos de Freitas

O Bruno «bate» nos «argumentos» romanceados que Freitas do Amaral expôs, impudicamente, na Visão. Diogo Freitas do Amaral , aparentemente, vê, numa maioria absoluta do PS, um caminho para a «reforma» do país. Situação que só me parece insinuar uma «reforma» populista dos mecanismos económicos que têm sido (umas vezes com sucesso, outras sem) implantados pela coligação de governo PSD/PP. Ou seja, voltar aos tempos de «orçamento saco sem fundo» do PS de Guterres.

Quem ainda fica surpreendido cada vez que o dr. Freitas do Amaral se move, um pouco mais, transversalmente para a esquerda, é uma pessoa muito optimista.
Cada vez que o senhor (que se podia dedicar exclusivamente à carreira judicial, por sinal razoavelmente elogiada, e à confirmação como dramaturgo) sai da sua pose para fazer declarações, normalmente o discruso sai «torto». Torto, pois é uma constante desavença com a «direita» (expiação pessoal?) e, em especial, uma constante, e progressiva, minimização do CDS que liderou.

Uma das suas frases do artigo da Visão tem especial relevância para mostrar a sustentação da sua «Tese Por Uma Maioria Absoluta Ao Partido Socialista E Não A Um Qualquer Partido De Direita Seja Ele Qual For»: ambos os partidos o prometem (já é um avanço) mas o programa do PS é mais generoso, ao passo que o do PSD é mais tecnocrático. O vazio da frase diz muito da mecânica da mente (apesar de tudo, à partida muito competente) do dr. Freitas do Amaral.

Que o senhor veio para ficar na «esquerda» desde que saiu da liderança do CDS já todos sabemos, mas juntar a «falta de poder político» à presente campanha pelo PS ao lado de António Guterres, em nome de um programa quase messiânico, demonstra não só a inexistência de argumentos fortes da sua parte (nunca se vira Freitas defendendo o PS), mas a falta de escrúpulos que Freitas do Amaral tem na escolha de «veículos políticos» para sair a público. Tinha saudades de receber elogios de políticos. Pois que o PS o elogie, que já merece.

[João Silva]

quinta-feira, janeiro 27, 2005

God bless France

Em tempos disseram-me que até há boas razões para gostar de franceses. Hoje compreendo. Eu também tenho as minhas...



[João Silva]

A perfect world

Viradas tantas páginas em nós (e por nós), as estórias que me contavas perderam os contornos. A tua própria casa de infância parece agora uma criação onírica, uma encenação perfeita onde quiseste que eu me perdesse.

[João Silva]

quarta-feira, janeiro 26, 2005

So close to the the end

Agora tão perto do fim, sinto falta do teu desprezo.

[João Silva]

A metamorfose do BE?

Francisco Louçã, há cerca de uma semana, num debate com Paulo Portas, optou (instintivamente, claro, o que não abona a seu favor) pelo pior argumento que se pode escolher, para «atacar» a compreensível, pois tradicionalmente «conservadora», posição do líder do Partido Popular. Segundo Louçã, Portas não tinha o direito de «falar de vida» (o «direito a vida», como os «populares» se referem ao assunto) pois «nunca gerou vida». Pior, rematou o seu argumento (o seu malabarismo), com uma seriedade digna de um protestante da linha mais «perigosa», extremista: segundo o cabeçilha dos trotsquistas portugueses, que, confirma, «tem uma filha», Paulo Portas não teria legitimidade para debater o assunto pois (i quote) «não conheceu o sorriso de uma criança».

João Teixeira Lopes, para além de alguma da irritante brigada de humoristas do BE, que incentiva joguinhos nas ruas de Lisboa a um mês das eleições mais atribuladas (e menos decisivas) desde os primeiros tempos de Guterres, aproveitou para dar um ar da sua graça em declarações para a imprensa. Segundo Teixeira Lopes, «Portas não leva o conservadorismo às últimas consequências», ou seja, Portas não vive segundo os conceitos-modelo que defende (defende?), mas sim num lema «faz o que eu digo, não faças o que eu faço».

Para além do encadeamento mais imbecil de «argumentos» que se vira, ou ouvira, desde que começou o ano, Louçã deu-nos a oportunidade de reflectir sobre o tão reputado «dinamismo» do Bloco de Esquerda. A pretensa legitimidade moral e ética que o Bloco de Esquerda diz ter continua lá, não se foi. As afirmações de Louçã não contradizem essa pretensão, mas sim vêm reafirmá-la sob a forma de um populismo desmesurado e nojento (penso que talvez tenha saído, irreversivelmente, da medicinal cápsula política do populismo eleitoral).

Quanto às (muito piores que o «deslize» de Louçã) detestáveis declarações do «Qualquer Coisa» Lopes, a sua arrogância de esquerdista votado ao cientismo totalizante, faz jus à sua posição saliente no seio do Bloco de Esquerda. O «mais perigoso» daquele conjunto mostrou-se digno de um teorizador estatal da pior espécie, lembrando os piores sintomas do downfall do salazarismo ou, sem exagero, os estrategas de Hitler que obrigavam os oficiais das SS a contrair matrimónio para dar o exemplo.

Não, a pretensa «moral do BE» não está em baixo, nem desapareceu. Pelo contrário, rebentou, definitivamente, com as amarras que a sustinham por razões eleitoralistas, e está aí em toda a força. O «à vontade» que demonstram, ao fomentar jogos de bowling na Baixa lisboeta e outras ridicularidades, é típico de quem acha que já pode, e já tem estatuto para, fazer tudo. Mas o seu «passo a passo» na conjuntura política em Portugal continua simples, com algumas variações. Certo núcleo da actual direcção do Bloco não deixou menos seguidores ou mais inimigos graças ao recente espectáculo que nos proporcionou. Mas deixou uma mensagem importante: se chegam ao Governo, cuidem-se portugueses...

[João Silva]

terça-feira, janeiro 25, 2005

Não há lugar para a repulsa

Não há lugar para a repulsa:
a lâmina corre no
interior dos espasmos,
afia-se a cada contracção.

O gume
é agora a partir de dentro.

Jorge Melícias, Incubus

[Paulo Ferreira]

Justine never knew

A nudez das tuas palavras, a meus olhos nunca revelada, confirma o que sempre te dissera em segredo: a distância que nos separa é intransponível.

[Paulo Ferreira]

segunda-feira, janeiro 24, 2005

You're the murder in my world



[Paulo Ferreira]

Something has been lost

De manhã. Um Copo. Perto do copo está uma cápsula pronta a ser devorada. Deitado, numa cama, repousa um rosto dilacerado.

[Paulo Ferreira]

Mirror in the sky

Agora e sempre como antigamente. O meu amor, por ti. Eu, escondido por entre os estilhaços da minha existência. Tu, que me apareces de uma forma rejuvenescida.

[Paulo Ferreira]

domingo, janeiro 23, 2005

No more sorrow

O deseprezo de um olhar que se afasta, à medida que o meu corpo se aproxima, é o unico garante da nossa união.

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, janeiro 20, 2005

A aparição

Idiótico, o Rídiculo toma forma e cara própria quando me encaro ao espelho. Também ele se vê representado no mesmo exacto momento.

[João Silva]

America's greatest...



[João Silva]

quarta-feira, janeiro 19, 2005

Carpe diem e o pretensiosismo do parolo

Haverá expressão mais irritante que o carpe diem? A adolescência, agora mais graúda e menos púbere, do meu país, na minha geração e nas gerações que nos circunscreviam, fez uso exagerado da expressão. Graças à generosidade do Criador, que tanto me castigou na herança estética, tive a perseverança do meu lado nesta difícil missão: sobreviver à deliciosa tentação do carpe diem.

Diz o Zé da Esquina perante o próprio insucesso enquanto estudante: «não penso nisso, o meu lema é carpe diem». Diz o Martins à saída do banco onde desconta cheques: «hoje saímos à noite? o que interessa é carpe diem». Escreve o bucólico e feminino poeta de esquerda no caderno: «carpe diem, dizia Shakespeare». A lista de utilizadores é interminável e cheia de surpresas. A expressão não tem pudor, está em todo o lado. «Aproveita o dia», enquanto não desapareces, parece ser o lema imperecível dos mais sonhadores.

Seize the day, dizia Robin Williams no famoso filme que parece ter sido visionamento obrigatório para a rapaziada. Eu estou do vosso lado: a vida não vale nada, e podemos desaparecer amanhã. Mas caso tal não aconteça, tentem não ser parvos hoje, porque amanhã podem cá estar de novo para encarar as imbecilidades que fizeram e disseram. E o carpe diem, adianto, não parece ajudar... Para alguns, «aproveitar o dia» podia ser estar calado e quieto no seu canto.

[João Silva]

Nuno Cardoso

Ver Nuno Cardoso aproveitar uma situação, no mínimo, embaraçosa para criar uma vantagem política, dizendo que foi vítima de outra situação que daria vantagem política a Rui Rio para as próximas legislativas no Porto, é uma das situações mais políticas (de politiquices) e um dos maiores sintomas da nossa atitude perante o que está mal no país: isto não é o que parece, sou apenas uma vítima.

[João Silva]

segunda-feira, janeiro 17, 2005

A queda de um anjo

O «caso Morais Sarmento» tem sido muito falado. Especificamente, a «birra» do ministro. Mas será que nos devemos «preocupar» com um assunto que já não é institucional mas sim pessoal? Com um assunto que extravasa as nossas críticas ao «sistema de relações» entre Parlamento e Presidência da República?

As pequenas querelas pessoais dos «pretorianos» de Santana (na verdade, não de Santana mas do «Partido») são elementos de um picotado muito grande que apenas ditará uma nova queda governamental, a terceira em 3 ou 4 anos. Digo queda convictamente, pois, depois da recente exposição de desordem e descoordenação pessoais entre os ministros e o chefe do Governo, as dúvidas estão quase dissipadas: Sócrates, némesis de Santana Lopes, vai ser Primeiro-Ministro em Março.

[João Silva]

sábado, janeiro 15, 2005

Don't breathe



[João Silva]

sexta-feira, janeiro 14, 2005

Maybe I was someone else

A forma despudorada como me revelaste a nudez dos teus cotovelos, por entre olhares imaginários que nunca virão, fez-me esquecer, por alguns momentos, a vala homicida que separa o meu vazio do teu tudo.

[João Silva]

The Royal choices

O «escândalo» em redor de Harry, o mais jovem e castiço membro do núcleo da família real britânica, não é mais que o sintoma de uma sociedade em contínua cisão com o sangue azul. E de uma sociedade em permanente entusiasmo quando se trata de saber como o Marquês de Pombal relaxava depois do horário de expediente, ou o que o D. Pedro IV pedia ao pequeno-almoço às nativas (que, diz-se, confeccionavam grandiosos petiscos locais).

Mas, uma vez mais, a regra tem excepção, e o Zé Povinho (a «unanimidade») tem desculpa. A desculpa, ou melhor, a causa legítima da sua indignação é simples: Harry é da família real. Harry nasceu com uma profissão a tempo inteiro, que, ao que parece, ainda não renegou. E descende de uma linhagem que, ainda não há muitas décadas, tomou nas mãos o destino do país, e a determinação de Churchill, para enfrentar a ameaça europeia de Adolph Hitler.

Liberalismos à parte, toda a gente sabe que Harry, como bom aspirante a grande líder (profunda admiração, sem sarcasmos), já lida com o amigo copo, mas devido à sua tenra idade (ou tenra consciência), ainda não o sabe converter em trunfo. Mas também todos sabemos que, se fosse uma foice e um martelo no braço do rapaz, a «indignação geral» não seria tão grande, ou até se viraria a cara aos milhões de mortos da URSS e demais réplicas para respeitar a «tolerância e a jovialidade» de um dos herdeiros à Coroa britânica. Mas nós, bons castiços, temos de ter «olhos na cara» (expressão que não morre) e memória imorredoira, para que saibamos gozar com a nossa própria ridícula e ditorcida condição humana, mas também para respeitar a memória daqueles que souberam resistir e recuperar de um dos jugos mais reveladores da História.

[João Silva]

Escusado

Era escusado o texto de António Sala hoje no Público... As palavras finais do artigo dizem tudo sobre a errância de um texto estupidificante que devia estar num jornal menor:
lá longe milhares gritaram antes do silêncio total:
"... porque me abandonaste?"


[João Silva]

quinta-feira, janeiro 13, 2005

Esquecendo

Por sorte andas bem longe, lá por fora,
já me esqueci de ti completamente.
É mais fácil assim, saber-te ausente,
corre mais fina a vida junto à morte.
Na caixa do correio só encontro
cartas de beis imperadores, promessas
de palácios talhados em sal-gema,
ouros, tesouros, e outras coisas vagas;
férias, talvez, no sultanato opaco
onde me aguarda um paraíso intacto
de virgens falsas e reais eunucos.
Entre os meus dedos fica o lugar oco
onde tão certo deixo esse postal
ilustrado do teu esquecimento.


António Franco Alexandre, Duende

[João Silva]

quarta-feira, janeiro 12, 2005

Alcalóide

Uma camisola da moda num corpo de mulher enegrecida. Um disco compacto a gritar "The ideal crash" nos ouvidos da mulher. A mulher observava-me. Eu observava o disco compacto.

[Paulo Ferreira]

segunda-feira, janeiro 10, 2005

Ser yuppie

«Oh Mariana, mas o mercado é eficiente!», dizia o rapaz, de mãos nos bolsos e gel no cabelo, enquanto passava por entre as mesas do restaurante. Ser yuppie é uma arte vedada aos menos hábeis. Dizem as más-línguas que o «que há mais é disso» - yuppies - e que qualquer um com um emprego muito satisfatório (boa remuneração e prestígio do fato executivo) mas de poucas perspectivas, pode ser um. Não é bem assim.
Ser um bom yuppie implica, entre outros, um exercício de memória dedicado. As frases feitas sem significado e sem contexto são obrigatórias. Mais, diria que são imprescindíveis se se quer sair do local com uma «boa primeira impressão» para voltar ao local seguro de si mesmo. «Mas, ó Martins, repara, as quotas são virtuais...», e o keynesiano fez a sua parte na conversa. O segundo yuppie deve responder à letra - quanto mais vazia a frase, maior o prestígio atingido, porque os demais rapazes não se atrevem a questioná-la e a distância hierárquica entre eles aumenta.
O estilo também é essencial para a vitória no mundo cão do «almoço dos yuppies». O estrelato é atingido com a ridicularidade mais óbvia. Barba feita e gel no cabelo puxado para trás são dois elementos-base da imagem dos efectivos bancários. E o telemóvel, é claro, é o sinal da vida ocupada. Quando a conversa transborda dos limites conceptuais do yuppie, o telemóvel toca sempre ou é preciso fazer uma chamada: «Então Fonseca? Tudo bom? O negócio da herdade, anda?» E está a honra salva...
Ao fim do almoço, as frases começam a escassear (e não faz mal, porque o restaurante está um pouco mais vazio). Uns vão à casa-de-banho e não voltam, outros saem mais cedo para o emprego (o emprego...). Os sobreviventes aventuram-se um pouco mais, mas, por mais inglório, o vocabulário e as frases decoradas acabam num instante. «Realmente, aquela fusão já faz falta...» «Pois é, pois é... E o nosso Benfica ontem??».

[João Silva]

sábado, janeiro 08, 2005

Drown

“Não têm importância”, era o que eu julgava nos tempos em que te comportavas como uma Aracne fementida. Agora, sei que, o facto de ter perdido o teu rasto para sempre, tem toda a importância. Mas, de qualquer forma, posso continuar a afirmar que não tem importância. Afinal de contas, vivemos, segundo se diz por aí, no país do deixa andar. E, portanto, nada tem importância. Nem o amor. É pena. Estava bem capaz de desperdiçar uns minutos com o tema (mas duvido que fosse bem sucedido).

[Paulo Ferreira]

sexta-feira, janeiro 07, 2005

Tenenbaums



Uma rotunda apoteose estilística. Um argumento complexo mas objectivo. Um Ben Stiller sempre brilhante. Um Gene Hackman e um Luke Wilson especialmente comoventes. Uma Gwyneth Paltrow de «levar as lágrimas aos olhos» (quais lágrimas...). Um filme que não se devia perder por nada. Para mim, uma «obra-prima» (ah, palavrão imbecil de talk-shows sobre livros que «vendem») de Wes Anderson. Resumo dos resumos, se The Royal Tenenbaums não tem substância, então, f'get about it, nenhum outro terá...

[João Silva]

A ler... III

Victor Davis Hanson na NRO (National Review Online):

«Imagine a world in which there was no United States during the last 15 years. Iraq, Iran, and Libya would now have nukes. Afghanistan would remain a seventh-century Islamic terrorist haven sending out the minions of Zarqawi and Bin Laden worldwide. The lieutenants of Noriega, Milosevic, Mullah Omar, Saddam, and Moammar Khaddafi would no doubt be adjudicating human rights at the United Nations. The Ortega Brothers and Fidel Castro, not democracy, would be the exemplars of Latin America. Bosnia and Kosovo would be national graveyards like Pol Pot's Cambodia. Add in Kurdistan as well — the periodic laboratory for Saddam's latest varieties of gas. Saddam himself, of course, would have statues throughout the Gulf attesting to his control of half the world's oil reservoirs. Europeans would be in two-day mourning that their arms sales to Arab monstrocracies ensured a second holocaust. North Korea would be shooting missiles over Tokyo from its new bases around Seoul and Pusan. For their own survival, Germany, Taiwan, and Japan would all now be nuclear. Americans know all that — and yet they grasp that their own vigilance and military sacrifices have earned them spite rather than gratitude. And they are ever so slowly learning not much to care anymore.»

- Victor Davis Hanson, National Review, 07/01/2005

[João Silva]

A ler... II

A ler a coluna de Alexandre Pais na Sábado de hoje:

«Neste início do ano não me deixei abalar demasiado pela catástrofe provocada pelo sismo nas terras no fim do Mundo. Afinal, a desgraça faz parte da vida e os desastres desta envergadura são a forma de a mãe Natureza dizer aos homens que são eles que se devem vergar à sua vontade e não o contrário. Em período sempre favorável à reflexão prefiro olhar para o meu país e para as suas fragilidades, misérias e injustiças.

(...) Quando uma grande empresa suíça que quer investir 500 milhões de euros e dar trabalho a 1.200 pessoas no desertificado Alentejo espera há já 14 longos anos que a burocracia e a estupidez lhe permitam avançar, quando um «fidalgo» da treta que urina e evacua à largueza perante o interesse alvar de uma audiência de milhões é ovacionado de pé na hora em que sai de cena como se tivesse acabado de ganhar o Prémio Nobel, (...) então já nada nos pode surpeender, os nossos padecimentos são quase tão insuportáveis como os dos infelizes turistas que estavam no local errado do Planeta naquele trágico 26 de Dezembro.

O futuro que nos espera, se é que temos algum e se ele conta connosco, é no mínimo imprevisível. Como o apetite sexual de um hermafrodita.
»

- Alexandre Pais, in Sábado, 07/01/2005

[João Silva]

A ler...

A ler o editorial de José Manuel Fernandes hoje no Público:

«As listas do PSD são uma gargalhada. As do PS, mesmo sem chegarem a idênticos limites de extravagância, não deixam de criar o maior dos incómodos. E de revelar o estado em que está o outro partido que, a par com o PSD, tem sido um dos pilares da nossa democracia. Pelos mais diferentes motivos.

Primeiro, Paulo Pedroso, mesmo para os que estão convictos da sua inocência, mesmo para os que simpatizam com ele - assuntos sobre os quais não tenho nem devemos pronunciar-nos - concordam que alguém que tem um processo como o que ele tem não devia, pura e simplesmente, aceitar ser candidato. Primeiro, porque está num lugar elegível se o PD obtiver, como deseja, a maioria absoluta. Depois porque é uma falácia afirmar que não ocupará o seu lugar enquanto tudo não estiver resolvido nos tribunais - e é uma falácia porque entretanto está a pedir o voto dos eleitores. Leonor Beleza esteve anos fora da Assembleia e de cargos políticos por causa do processo dos hemofílicos - que custaria a Pedroso, que tem uma carreira universitária, fazer o mesmo?

Segundo, Matilde Sousa Franco. Alguma vez fez política? Alguma desempenhou um cargo político? Conhece-se-lhe outra qualidade além de viúva de Sousa Franco? Não, não e não. E como Portugal não é (pelo pelos julgamos que não é) nem as Filipinas nem a Nicarágua, para não citar outros exemplos terceiro-mundistas, onde ser viúva de um líder político é meio caminho andado para o poder, a sua candidatura chega a ser mórbida. E só existe para explorar sentimentos populares que nada têm a ver com a nobreza da política.

(...)

Se as listas queriam que voltássemos "a acreditar", então falharam. Comparadas com elas havia, pelo menos na aparência, mais frescura nas listas de Ferro Rodrigues. Uma frescura que, mesmo assim, foi sol de muito pouca dura.
»

- José Manuel Fernandes, in Público, 07/01/2005

[João Silva]

Sair com a Maria

"Sair" é um verbo, no mínimo, bastante sugestivo. Pelo menos, quando me lembro da palavra fico nostálgico, já que poucas são as vezes que transponho a porta de casa para me pôr em qualquer lugar diferente. Porém, a palavra sair, quando é usada no lugar de divertir, implica uma porção infinita de sentimentos e de ilusões do género: "Será que a Maria vai lá estar hoje?"," Como estará ela vestida?". Desde logo, o indivíduo que pensa em sair, como se fosse festejar, pensa na Maria e sabe que a dita vai lá estar (ela e os restantes dipsomaníacos patrocinados pela cervejaria local), o que lhe provoca sofrimento. Sofrimento e alegria. Ou, uma mistura destes dois sentimentos, que se traduz em timidez. Sofrimento, por saber que a Maria nunca será dele. Alegria, por sonhar com o rasto da donzela. Timidez, por lhe faltar a coragem para tudo.

Portanto, sair não é fácil (ou não é tão fácil como entrar). Para se sair,é necessário que o sujeito em causa esteja disposto a tal. E, para estar disposto a tal, é necessário que perca a timidez e também que esqueça uma parte substancial do seu passado intelectual (se esse passado existir).

[Paulo Ferreira]

quinta-feira, janeiro 06, 2005

No peace of mind



[João Silva]

Três minutos de expiação

O Tiago refere os três minutos de silêncio que, ao que parece, tiveram lugar ontem no nosso país. A razão: as vítimas do maremoto na Àsia. A incredulidade é geral, pois todos se continuam a perguntar como é possível isto acontecer. A resposta todos a sabemos, e está debaixo do nosso nariz: a fragilidade e fugacidade da nossa existência. Enquanto não compreendermos que não vivemos para sempre, continuaremos a empurrar a imagem da Morte para os cantos, expiando os nossos próprios medos e culpas nestas iniciativas sem sentido.

[João Silva]

Blank page

Por vezes, deseja-se, mesmo que não se consiga, escrever sobre algum assunto do nosso quotidiano ou do quotidiano alheio. Esse desejo de escrita é um exercício que se pratica diariamente, mas que, normalmente, não tem efeitos práticos (se se descontar o facto de esse desejo de escrita conseguir transformar o sujeito mais pacato do mundo num autêntico vira-mexe, através do chamado "desespero de não dar para mais", não há efeitos práticos). De qualquer forma, a escrita é sempre influenciada por dois factores, que constituem um grande entrave ao seu próprio desenvolvimento: a vontade e a inspiração.

A vontade e a inspiração são termos que se confundem e que estão intimamente interligados. Dependem ambos de factores como o clima, a programação televisiva e o cansaço. Porém, mesmo nos dias de maior vontade e inspiração falha sempre a originalidade (um lexema em extinção). Isto é, por maiores que sejam a vontade de escrever alguma coisa decente e a inspiração , nada do que possa surgir para a folha de papel será algo que não tenha semelhante,
que seja singular, extravagante ou excêntrico. E é esse um dos grandes problemas de escrever (mesmo que se escreva sobre o nada, como faço agora) : ter-se consciência de que se está a plagiar alguém, mesmo que não se saiba quem.

[Paulo Ferreira]

quarta-feira, janeiro 05, 2005

Hipocrisia

Hoje, ao meio-dia de Portugal, celebrou-se três minutos de silêncio para com as vítimas do terramoto que assolou diversos países asiáticos. Ora, estes três minutos foram, só e apenas, uma demonstração de três minutos de profunda hipocrisia.
Mas será que alguém pensa que estes três minutos ajudaram alguma vítima da tragédia? Salvou-se alguma alma? Não. Não se salvou ninguém. Mas, com estes três minutos, já todos nós podemos rumar a casa com um sentido de dever feito. Pois era nosso dever lamentarmo-nos pela nossa sorte, de espiar o nosso pecado de não ter estado lá, como se fosse culpa nossa, de quem diz “eu também lá devia ter estado e sofrido como aquelas pessoas”. Mentira. Ninguém devia ou quereria ter estado lá. Ninguém tem uma pena solene, de santo quase, por aqueles milhares de desconhecidos que nós nunca sequer imaginamos que pudessem existir e para todos os efeitos continuam a não existir no nosso imaginário. Existe a estatística, nada mais.
Mas agora, três minutos passados, sentimo-nos melhor connosco próprios, como quem diz “já fiz a minha parte. Sou uma boa pessoa”.
Querem ajudar? Querem mesmo ajudar? Então adoptem as centenas de crianças que ficaram sem pais. Ajudem a cruz vermelha a realizar o seu trabalho. Ajudem a posterior reconstrução com materiais, comida, roupa e objectos diversos. Isso é ajudar os outros.
Tudo o resto é ajudarmo-nos a nós próprios a sentirmo-nos bem connosco mesmo.
[Tiago Baltazar]

Já podes

Já podes. Nessa sala escura
quase se confundia o negrume
os contornos a respiração,
o corpo contra os móveis.
Um movimento aquático,
sem relógios,
risos abafados,
comunidade invisível,
ofegante,
na fronteira da infância.
Este jogo, há muitos anos.
Não me encontraram
e eu não encontrei ninguèm.

Pedro Mexia, Vida oculta

[Paulo Ferreira]

terça-feira, janeiro 04, 2005

Tirania democrática

«Mankind will in time discover that unbridled majorities are as tyrannical and cruel as unlimited despots.»

- Vice-Presidente dos EUA John Adams, 1793, acerca do desenvolvimento da Revolução Francesa

[João Silva]

domingo, janeiro 02, 2005

Take me away

Era uma noite igual a tantas outras. Nada parecia existir. Eu conduzia desvairadamente um velho automóvel. Devorava o asfalto a uma velocidade estonteante, numa tentativa de tornar tudo menos monótono.
No meio de toda a adrenalina que parecia ter-se apoderado do meu corpo, entorno uma cerveja em cima de um vestido barato que usavas quando me querias agradar. Descontrolo-me. Um automóvel aproxima-se perigosamente. Grito. Vejo o teu sorriso reflectido nos faróis, que se preparavam para nos engolir. Adivinha-se a tragédia. As lágrimas percorrem-me o rosto. Simultaneamente, o meu corpo começa a flutuar, por entre vidros estilhaçados, na direcção das cassiopeias. Durante aquele tempo fragmentado, apenas fecho os olhos e deixo-me levar.

“Partiremos os dois”, era o que me vinha à cabeça.

Quando pensava que já não pertencia ao mundo dos vivos, abro os olhos e vejo dois carros espatifados à minha frente. Corro na direcção do teu corpo adormecido. Abro a porta e inclino-te destemperadamente, sem saber o que fazer. O sangue que se esvaía das tuas lívidas faces dilacerava-me a mente. O desespero era profundo. No meu intimo, sabia que te tinha perdido, que a vida já te havia fugido das mãos. Mesmo assim, apertei-te com toda as minhas forças. Queria ter-te, assim frágil, nos meus braços, eternamente; queria apertar a tua carne rasgada com todas as minhas forças; queria esfregar-me no sangue derramado e permanecer ali deitado na lama; queria morrer contigo.

[Paulo Ferreira]

sábado, janeiro 01, 2005

Tuning in to last year's man...



I could feel at the time
There was no way of knowing
Fallen leaves in the night
Who can say where they´re blowing
As free as the wind
And hopefully learning
Why the sea on the tide
Has no way of turning

More than this
There is nothing
Oh more than this
You tell me one thing
More than this
You know there's nothing

It was fun for a while
There was no way of knowing
Like a dream in the night
Who can say where we´re going
No care in the world
And maybe I´m learning
Why the sea on the tide
It has no way of turning

More than this
You know there is nothing
Oh more than this
You tell me one thing
More than this
There is nothing
Nothing

[João Silva]

Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade

[Paulo Ferreira]