Maria
Escondido debaixo dos lençóis, o rapaz sentia medo. Se alguém lhe perguntasse porquê, o rapaz não respondia. «Maria!», era a única palavra que escorregava daquele choro convulso. «Maria!».
[Paulo Ferreira]
Um blog partilhado por João Silva e Paulo Ferreira
Escondido debaixo dos lençóis, o rapaz sentia medo. Se alguém lhe perguntasse porquê, o rapaz não respondia. «Maria!», era a única palavra que escorregava daquele choro convulso. «Maria!».
F., rapaz sempre apaixonado, era feliz. M., rapariga sempre infeliz, não era apaixonada. P., representação abstracta da espuma do mar, não era feliz, nem infeliz. Apenas era. Digamos que figuras como P., sem os óculos escuros, não existem. M., rapariga sempre infeliz, conhece P., mas P. não quer saber de M., porque P. é a espuma do mar e, como se sabe, a espuma do mar não se relaciona com seres humanos. Só com afogados e, neste caso, com óculos escuros. Mas, apesar da indiferença constante de P., M. fica apaixonada. F., sempre com o coração nas mãos,torna-se cada vez mais apaixonado, mas cada vez menos feliz. No fim, as três personagens tomam rumos diferentes: P. começa a trabalhar num bar (sonho de infância); M., sempre desiludida com as questões sentimentais, abraça o mundo das leis; por seu lado, F., rapaz apaixonado, torna-se corno profissional.
O homem, em fúria, levou o menino pela mão até à avó deste. «Volto logo», disse, virando-se bruscamente para a porta e saíndo tão rápido como entrou. A avó contemplava, tristemente, o miúdo, esperando ver a sua reacção a um fim de uma família. Assim que o pai saiu do café, a criança retribuiu o olhar à avó durante cinco segundos, e disse sorrindo: «Avó, a minha mãe fez do meu pai cabrão!».
Através do Causa Nossa, fico a saber que a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa adoptou a propina mínima para o próximo ano lectivo devido aos votos favoráveis dos estudantes e de um funcionário "contra os professores e o próprio presidente do Conselho directivo, o qual pediu a demissão na sequência da decisão, por entender que deixa de haver meios para o funcionamento da Faculdade".
Em tempos exprimia, para um amigo, a minha tristeza em relação à tragédia que nos levou John Lennon. O Lennon de Liverpool. Há poucos dias, ao ouvir algumas das apoteóticas composições dos Beatles, lembrei-me novamente do fim da banda e do músico (tornado salvador do mundo). Num dia fatídico para os fãs mais sóbrios deu-se, portanto, a tragédia musical de Lennon: conheceu Yoko Ono.
Meu caro Joseph Walser, é verdade, já vi que tem pressentimentos, mas evite-os, que os pressentimentos cansam demasiado a inteligência. Vou esclarecê-lo de imediato para que não perca energia desnecessariamente. Caro Walser, nunca se esqueça de que é um dos nossos melhores funcionários. Cresce o respeito à sua volta, apesar dos seus sapatos irresponsáveis. Mas não quero prolongar demais o meu discurso. Caro amigo, caro Joseph Walser, sim: estou a dormir com a sua mulher, e se quer que lhe diga há em mim um entusiasmo relativo. Mas sobre si não tenho dúvidas, e espero também que nunca as tenha. Joseph Walser: sou um seu admirador.
Sentado na sanita, um homem pensa na sua morte. Uma mulher, enquanto enfeita o seu corpo, sonha com o início da noite. Um homem e uma mulher, quando acasalam, juram que voltarão a pensar. Contudo, sentado na sanita, a observar-se ao espelho ou a acasalar, o Homem não pára para pensar. Porque, apesar de tudo ter um fim, o tempo não deixa de correr.
Empoleirados na varanda, os rapazes, sempre ingénuos, conversavam sobre sexo. As raparigas, essas, preferiam deixar as palavras para os rapazes.
Dentro de um quarto de hotel, um homem, não tendo companhia, masturba-se. Quando acabar o acto inglório, o homem levantar-se-á da cama inundada de matéria criadora. Observar-se-á ao espelho e, sentindo-se humilhado, rebentará o crânio com uma bala.
Esqueçam a obra de um homem. O melhor, e mais íntimo, que um grande escritor ou grande fotógrafo nos pode oferecer são as pequenas concessões biográficas acerca da sua vida. Robert Capa andou à deriva na Guerra Civil Espanhola, no Vietname, desembarcou na Normandia em 1944, entre tantas outras histórias de uma vida incansável e memorável. Mas, por muito que tivesse arriscado a sua vida nestes sítios, invejo-o, sobretudo, por um outro dado biográfico que me faz dormir menos (e pior) de noite: de que serve desembarcar no pior sítio para se estar na manhã de 6 de Junho de 44, quando o seu feito mais admirável foi a sua relação com Ingrid Bergman?
Ernst Spengler estava sozinho no seu sótão, já com a janela aberta, preparado para se atirar quando, subitamente, o telefone tocou. Uma vez, duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze, catorze, Ernst atendeu.
F. passava os dias escondido debaixo da cama. Se alguém lhe pedisse explicações pelo seu estranho comportamento, o jovem rapaz limitava-se a esboçar um breve sorriso. F. dormia debaixo da cama. F. lia debaixo da cama. F. vivia debaixo da cama. Um dia, quando a cama caiu, F. morreu como se fosse um gafanhoto debaixo de um sapato.
O homem acordou cedo e beijou a mulher, antes de se levantar para ir para o trabalho. Deixou o pequeno-almoço feito para quando os três filhos acordassem, pegou na pasta e saiu de casa.
Tinha as mesmas ideias do marido. Se este pensasse que estava calor no quarto, ou que os negócios andavam devagar, ela pensava o mesmo. O marido não gostava de quaisquer divertimentos e, nos dias feriados, preferia ficar em casa; ela também.
Outro galo cantaria se em vez de olhares
Mútuo Consentimento de Helder Moura Pereira é, sem dúvida alguma, um dos melhores livros que li nos últimos tempos. Pelo menos se se tiver apenas em conta o universo literário português, isso é bem capaz de ser verdade. Um livro a ler.
A ler, na Yale Review of Books, um artigo de Toby Merrill.
Depois de um passeio no jardim, sentámo-nos numa esplanada , como se fôssemos turistas à procura de diversão. Porém, já não tínhamos palavras para gastar um com o outro. A mão que te beliscava a perna no passado permanecia inerte no bolso. Repetimos o mesmo percurso nos dias subsequentes a esse. Depois, percebemos que o melhor seria nunca mais deixarmos passar a consequência à frente da verdade.
«A poesia tem sido a nossa forma de expressão artística mais conseguida e mais povoada. Mas não podemos canonizar cada poeta que morre como o maior desde. E se fosse o terceiro maior? Ou talvez o quinto? A conversa descamba no ridículo. Eugénio ou Sophia são claramente poetas importantes. Mas não somos nós, seus contemporâneos, que conhecemos a sua relevância no cânone português em termos absolutos. Daqui a 100 anos é que isso se percebe. Para nós, neste momento, são grandes poetas. E isso é suficiente. Não são necessários mais epítetos.»
Sérgio, personagem inventada pelo Senhor, é um misto de rapaz e de rapariga. Se me perguntarem por que razão escrevo isto, responderei que é para que não hajam dúvidas de que, nas origens, o homem e a mulher eram um só.
"Sexo é uma coisa, trabalho é outra!", sussurrou a rapariga ao ouvido desatento do namorado. O imberbe rapaz, sempre alheado do universo sentimental da namorada, sorriu.
O Bernardo sublinha um retrato das «massas portuguesas» (e não falo de culinária), distraídas com o elogio dos mortos e a ridicularização dos vivos. A reunião da ignorância de um português com a ignorante turba já formada só pode resultar na «indignação» e «choque» que abundam nas emissões populares da TVI, SIC Notícias, TSF e tantos outros.
A direcção do Lusitano reconhece e dedica um sincero agradecimento a todos os que se lembraram do aniversário do blog, e em especial aos que nos lêem e que o mencionaram nas suas próprias casas.
Ou Mário Soares não estava certo quando disse que o povo português é de esquerda (mas ele engana-se??) ou então temos um povo de esquerda, libertário, que de vez em quando tem uns ataques de fascismo. O povo que num dia entoa a cantilena dos direitos para isto e para aquilo (que mascaram muitas vezes a má-educação e a preguiça), da liberdade contra tudo e tudos ou do «perigoso reaccionarismo» do PP, no dia seguinte já é fascista convicto e defende a morte dos pretos sem direito a julgamento prévio, a auto-tutela do direito de propriedade, o «orgulhosamente sós» aplicado às leis de imigração.Vem isto a propósito da morte de dois polícias na Amadora e dos zunzuns xenófobos que se vão ouvindo a esse propósito. Sempre fui favorável à existência de forças policiais bem apetrechadas e com prerrogativas legais e materiais adequadas à sua missão. Mas quando os senhores agentes se decidem manifestar porque o país é inseguro e correm risco de vida, só apetece dizer: «muda de vida, se não vives satisfeito»... Também sempre me irritaram os guetos sociais, a cultura de bairro, e a protecção politicamente correcta dessa suposta «cultura das minorias» que muito comodamente ignora a existência de tráfico de drogas e de seres humanos, lavagens de dinheiro, servilismos sociais vários. Agora, a abordagem também não pode ser o exagero de expressões como «voltem todos para a vossa terra». Para o bem e para o mal, muitos deles já não têm outra terra senão a nossa.E não podemos, não podemos mesmo, esquecer que por cada imigrante problemático há 999 pessoas vindas de outras paragens que só querem trabalhar, educar os seus filhos e ter uma vida pacata. Pelo respeito que nos merece a dignidade de todos os homens e porque um dia podemos ser nós os «estrangeiros», os «outros».
Não faz hoje um ano desde que comecei a derramar inimagináveis palermices nas páginas e bytes deste blog. No entanto, alguns dias antes da minha entrada neste espaço, o Paulo deitava, a 16 de Junho, os primeiros tijolos (os mais importantes) nas fundações do Lusitano. Portanto, faz hoje um ano que este blog começou. Para celebrar o facto, e para um momento de comovente nostalgia num quente e seboso dia de Verão, recupero e ponho aqui as minhas primeiras e inócuas palavras neste blog agora amadurecido pela vida que, afinal, sobreviveu a um país governado por Pedro Santana Lopes:
Há um ano atrás, Otto Mueller foi a primeira imagem deste pequeno espaço. Há um ano atrás, escrevi «pretensioso» com «c» (por falta de vergonha, o «c» ainda hoje lá permanece). Há um ano atrás, não sabia que comemoraria um aniversário na blogosfera.
Assino por baixo o post do João, mas com uma nuance. Para mim não há nada pior do que as surpresas que nos reserva a música-ambiente do metro. Hão-de me apresentar quem é que escolhe "The final countdown" dos Europe em flauta de pã ou "Nothing Else Matters" dos Metallica em canto gregoriano para alegrar os passageiros matinais...
O tema já aqui tem sido abordado, mas merece ser retomado. George Steiner também indicou, várias vezes, a música-ambiente como uma das causas mais subtis mas mais determinantes daquilo a que se poderá chamar a «morte do pensamento».
O meu amigo Bruno Alves, numa chalaça bastante curiosa, põe em causa as minhas propriedades psíquicas e somáticas. De modo a responder a tão folgazão comentário , vejo-me obrigado a citar escritos antigos do amigo Alves: «George Clooney é um homem. Ser homem, ser verdadeiramente másculo, é, quer queiramos quer não, ser como George Clooney.»
A ler José Pacheco Pereira (A Ceifeira Nocturna) sobre Eugénio de Andrade e Álvaro Cunhal.
Perdemos o controlo do tempo. Algures nos dias distraídos, o tempo rebelara-se, e passámos a estar dispersos em cem horas que já não dominamos, ao contrário do que antes parecia acontecer.
Todo o tempo perdido
Em conversas de café, quando se fala sobre actrizes bonitas, há uma enorme tendência para se afastar as actrizes bonitas e competentes (por competentes, entenda-se «que têm jeito para a representação») das actrizes bonitas e incompetentes (por incompetentes, entenda-se «que não têm a mínima inclinação para a coisa»). Com efeito, julgo que essas distinções são injustas e, obviamente, dispensáveis.
O Dia de Portugal deveria ser comemorado mais vezes, e não digo isto motivado por qualquer tipo de fervor nacionalista. Se pararmos para olhar, nem que seja por breves instantes, para o país em que vivemos, chegamos à conclusão de que Portugal é um bom país. Com efeito, se se descontar o nosso subdesenvolvimento, temos tudo o que os países desenvolvidos têm. Temos calor, temos vento, temos chuva. Enfim, temos tudo aquilo que um país decente deve ter. É por isso que afirmo que o Dia de Portugal deveria ser festejado mais vezes. Afinal, apesar da nossa existência enquanto portugueses, Portugal continua a ser um país.
No Dia de Portugal, o Diário de Notícias ofereceu ao digníssimo leitor uma garrafa de vinho tinto do Alandroal. Talvez para ajudar a esquecer que este dia já mereceu ser comemorado.
No Portugal mediático, o humor é, à semelhança do fado, triste. Liga-se o pequeno ecrã e aparece alguém a tentar fazer humor. Folheia-se uma revista e lá está alguém a contar piadas. Enfim, se Manuela Moura Guedes consegue ter alguma piada, outros como Paulo Camacho, Rodrigo Guedes de Carvalho e Júlio Magalhães não conseguem ter qualquer sentido de humor. Quanto aos programas de humor, que tantas audiências dão aos canais generalistas, nem vale a pena fazer comentários. Pode-se argumentar que temos o Gato Fedorento. Contudo, o Gato Fedorento não chega a toda a gente. Poder-se-ia, então, afirmar que o grande culpado por esta falta de humor, que se abateu sobre todos aqueles que querem fazer comédia no nosso país, é o menino Tonecas. Afinal de contas, o humor neste país baseia-se, quase assustadoramente, nesse senhor que conta piadas em falsete, como se fosse uma criança de oito anos.
Fernando Gomes na Galp? Porque não António Mexia a editar poesia na Assírio & Alvim? E Eusébio a dirigir a programação da RTP? E Lídia Jorge na direcção da Federação Portuguesa de Futebol? E Ricardo Araújo Pereira no Ministério das Finanças? E Mota Amaral a comandar os destinos da Antena 3? E que tal José António Saraiva a dirigir o Inimigo Público? No reino do «vale tudo» a que chegámos, mais valia assumir o non-sense do mundo político. Com ou sem reformas. Tanto faz, no fundo.
Não sei se o fenómeno se deve ao aparecimento do Verão, mas o facto é que dou comigo a ouvir, cada vez mais, cantores que ultrapassam a barreira do admissível. Damien Rice é exemplo disso. Já Rufus Wainwright não se pode considerar um cantor inadmissível. Porém, se se considerar compreensível o facto de alguém ouvir, vezes sem conta, Rufus Wainwright a cantar esse emblemático tema que é Hallelujah, o mínimo que se pode dizer é que, ouvir a música que remete para o erotismo de Natalie Portman torna-se saudável e, até, de louvar.
No fim do dia, o rapaz saíra, como sempre, da escola, sem a concessão de um único olhar da rapariga loura de pele perfeita. Magro e sem talento para o cortejo, restava-lhe a vaga consolação de ainda ter alguns anos de proximidade com a ninfeta. Mesmo assim, sabia que, ao mesmo tempo que a rapariga era para ele inatingível, ele era para ela inexistente.
Hoje, diz-me o Bruno Alves que Diniz Maria «aconselha», em arrebicado vídeo promocional (que não identifico, por pudores em relação a propaganda gratuita), o voto no seu «papá» (sic) para a Câmara Municipal de Lisboa. Por razões óbvias, a criança está perdoada. Tal como a sua mãe, que considero ter argumentos para promover alguma coisinha, seja ela qual for. Já o «papá»...
Há semanas atrás, o Bonfim fez uma menção honrosa a um post do João. Julgo que está na altura de, também nós, fazermos uma menção honrosa a um dos blogues que melhor demonstram qual é a melhor forma de gostar de futebol. Bonfim.
A Feira do Livro é uma aventura, não apenas por causa dos livros baratos, mas também por causa do intenso cheiro a Verão que por lá abunda. Não é que coisas como o Verão, o calor ou contacto humano me fascinem, mas a verdade é que é no Verão que o sexo fraco sai à rua. Na Feira do Livro, o cheiro a Verão é tão intenso que até o cidadão mais pacato se vê obrigado a fazer peregrinações diárias ao Parque Eduardo VII. Face ao cheiro, os livros nada interessam. A mente humana deforma-se de maneira assustadora. Chega a atingir a impertinência excessiva, a obsessão. Os livros servem apenas como pretexto para um contacto furtivo com o sexo feminino. Claro que os livros interessam, mas, para quem frequenta boas livrarias, a Feira do Livro nada representa em matéria cultural. Além disso, a palavra «livro» não rima com «multidão». Por outro lado, a palavra «feira» rima com «mulher» (bonita) e, especialmente, com «ninfeta» (bonita).
«A real debate took place in France concerning the European Constitution. This is the very least we can expect from a democracy, and the French nation must be congratulated for it. However, the outcome of this debate is not especially enlightening. It is surprising to observe how the advocates of both the "No" and "Yes" votes employed very similar arguments. Both campaigns focused on encouraging voters to turn against the United States and to reject what was called "the Anglo-Saxon threat." Advocates on both sides proposed a Europe without reforms, featuring a more restricted market and greater state control (in a country in which the public sector plays a very important role). And this happens now, just when we are celebrating the 60th anniversary of the liberation of Europe by British and American troops, an event that ushered in the longest period of prosperity and peace Europe has known, founded on political freedoms and the market economy. Paradoxical, certainly.
Empoleirada numa varanda de sétimo andar, a rapariga sorri para o namorado. O namorado, despreocupado, pensa: «se ela cair, eu vou junto!»
Mesmo debaixo da batalha existia um quarto reduzido, onde um escritor (um homem que pode desperdiçar tempo) se demorava três frases sobre o modo como a bala ou a bomba entram em certas cartilagens bípedes.
Sobre a possível, e perigosamente confusa, diversidade de razões e argumentos para votar contra ou a favor do tratado de Constituição para a UE, escreve Jonah Goldberg na National Review Online:
No intervalo entre duas garrafas, ele colocou uma terceira
Num autocarro, dois rapazes conversam sobre coisas como o amor e a amizade. Recordam o passado, como se esse passado se fosse repetir num futuro próximo. Entretanto, um dos rapazes chega ao seu destino. Ao sair desse autocarro tão cheio de memórias, o rapaz, com uma lágrima a descer-lhe pela face, sente saudades do amigo. Porque o tempo não pára.
Quando o tempo se esgota e não regressa, a única solução é procurar nas entrelinhas da tecnologia, algo que nos faça sentir que, para além do silêncio, existe um oásis pronto a ser recordado.
A rapariga gorda veste a sua melhor saia, numa tentativa de antecipação do casamento. O imberbe encharca o cabelo de água, como se desejasse reavivar algum galã de cinema. Quando dois seres desconhecidos se descobrem um ao outro, só se pode dizer que o amor tem um não-sei-quê de estranho. Até porque a rapariga gorda sofrerá.
Passado é passado, somos pessoas novas, dizias. Viravas as costas quando te pedia para me acompanhares e dares a mão numa visita ao tempo em que estávamos próximos. Achavas que não se devia ficar no mesmo local à espera. Que eu era toldado de visão por gostar de revolver a terra. O que nunca percebeste é que essa terra e esses dias são o único eterno momento em que espero o teu regresso.